por Marcelo Costa
“One + One” é cria de Godard; “Sympathy for the Devil” é a montagem que os produtores fizeram insatisfeitos com o material original do cineasta, à sua revelia. A rigor, é o mesmíssimo filme com a diferença que o primeiro traz a visão de Godard sobre a obra fechada e o segundo é a visão dos produtores que, claramente, não entendiam muito tudo o que o cineasta estava filmando e dizendo. Desta forma, alteraram a sequência de esquetes (e anularam o crescendo que o roteiro de “One + One” explora de forma convincente), alongaram uma ou outra cena (o que não acrescenta nada) e colocaram mais Rolling Stones (o que acaba enchendo mais o saco, afinal até um mesmo um clássico como “Sympathy for the Devil” enche a paciência sendo ouvido a exaustão).
Dentre as duas versões, a de Godard é claramente melhor, o que não quer dizer muita coisa: ambos os filmes trazem o mesmo conteúdo panfletário que faz muita falta nos dias de hoje, mas são para pouquíssimos ouvidos, olhos e coração. Godard faz um elogio ao comunismo enquanto dispara frases certeiras contra os Estados Unidos, dá espaço para que os Panteras Negras dissertem seus ideais em passagens antológicas, lê e relê os conceitos de Mao e, na melhor passagem do filme, entrevista uma dama chamada Eve Democracy que defende a desculturalização. Para ela, “para se ser um intelectual revolucionário, é preciso deixar de ser intelectual”.
A participação dos Stones é apenas para aficionados. Godard filma a banda gravando “Sympathy for the Devil”, mostra que Bill Wyman era um enfeite (a melhor linha de baixo do filme é feita por Keith Richards), que Brian Jones já estava em outra dimensão e que Mick Jagger centraliza as atenções. Mas é só a banda gravando. Em “One + One” as cenas são vistas em uma ordem coerente, que exibe o crescimento do arranjo, mas mesmo assim são dispensáveis. Os Stones, em 1968, eram um gancho para Godard discursar para a juventude. Visto hoje em dia, tanto “One + One” quanto “Sympathy for the Devil” são obras de museu, retratos de um tempo que se foi. Melhor do que chorar sobre as cinzas do baseado fumado é acordar e entender o mundo como é hoje. Há muito que fazer. Godard fez a parte dele…
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne