por Marcelo Costa
O ano de 2006 até que está sendo um bom ano de shows internacionais, mas perde – e muito – para o ano passado, que foi sensacional. Porém, toda vez que penso em comparar e reclamar, me lembro dos anos 90, tempos difíceis de dólar alto e poucos shows por estes lados. E também nem posso reclamar tanto assim, já que deixei passar dois shows bastante comentados e elogiados por amigos: Slayer e Prodigy.
Mesmo assim, a lista até que segue cheia de qualidade. O final de semana passado serviu para dar uma chacoalhada com o Tim Festival, que passou por quatro cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória e Curitiba). Esta coluna acompanhou os principais shows do segmento pop hip hop eletronic rock do festival em três capitais, e elege um deles como o melhor show de 2006 até o momento: Patti Smith.
A essa altura da pós-modernidade, dizer que Patti Smith é musa disso e daquilo é conversa para roqueiro dormir, vamos combinar. Do alto de seus 61 anos, 41 deles dedicados ao rock (e uns 45 dedicados a poesia), Patti Smith chegou ao Brasil distribuindo sorrisos e uma doçura insuspeita. Com dezenas de anos de atraso, claro, mas mesmo assim foi algo mágico ficar cara a cara com ela tanto no Rio de Janeiro quanto em Curitiba.
Mais do que ser uma artista influente, mãe bastarda de Michael Stipe, Bono, Siouxsie, PJ Harvey e dezenas de outras personas, Patti Smith é o símbolo de um tempo que não existe mais. No mundo capitalista dos homens que devoram homens a troca de quase nada, Patti Smith simboliza um ideal sonhador que parece que se perdeu no vai-e-vem da História. Seu (nosso) idealismo – expresso em frases e letras – lembra um tempo distante, um tempo perdido mesmo.
No entanto, apesar de parecer distante da molecada que pouco lê, muito chora e sabe bulhufas de poesia simbolista francesa, do movimento beat e do proto punk nova-iorquino, Patti Smith ainda reina como uma persona acima de qualquer suspeita, que se permite cobrar do próximo preocupações ecológicas, políticas e sociais soando piegas e populista em quase nenhum momento. Ela reina em um universo paralelo com sua voz, sua caneta e sua guitarra (“meu instrumento de luta”, como disse no meio de Rock’n Roll Nigger, arrebentando todas as cordas do instrumento na seqüência).
No Brasil, Patti Smith não inventou de ser difícil. Tocou todas as canções que seus fãs esperavam ouvir, e até algumas que os não fãs nem sabiam que eram dela. O repertório abraçou o álbum “Horses” e retirou dele canções emblemáticas como Free Money, Kimberly e Redondo Beach. E, claro, Gloria, mas essa fica para o final, com o lendário Lenny Kaye conduzindo os solos e improvisos. No Rio de Janeiro, véspera de eleição, antes de People Have The Power, a roqueira pediu para que o público exercesse seu poder de mudar o mundo, reiterando que “o povo não deve servir ao governo: o governo é que deve servir ao povo”.
Antes teve Gimme Shelter (primeiro sinal de um futuro álbum de covers que está nos planos da cantora); Beneath the Southern Cross, do álbum “Gone Again”, de 1996 (faixa que – em estúdio – contou com a presença de Tom Verlaine do Television na guitarra; o ex-Velvet Underground John Cale no órgão; e o falecido Jeff Buckley nos vocais); Pissing in a River, So You Wanna Be A Rock’n’ Roll Star (cover do Byrds registrada no álbum Wave) e o final apoteótico. Começou com Because The Night. Sem retorno ao lado do teclado, Tony Shenahan (que se divide entre as teclas e as cordas do baixo) perdeu o tempo da melodia. Patti olhou para o público e avisou: “Take Two”. Seu maior hit em toda sua carreira (uma parceria com Bruce Springsteen que já ganhou várias covers) foi cantado em coro pela platéia.
No final, em Gloria, após retirar o terninho e a gravata, deixou à mostra um crucifixo preso a uma correntinha no pescoço, o que deu ainda mais sentido a histórica introdução In Excelsis Deo, em que ela diz que “Jesus morreu pelos pecados de alguém, não pelos dela” (em Curitiba lembrou que a Igreja também está a serviço do povo). Em outra cutucada na Igreja, lembrou que “o amor é a única verdade, não é o mesmo que a Igreja quer que acreditemos”. Um show para se ficar guardado em algum lugar especial da memória… para sempre.
No Rio de Janeiro, o repertório foi de 11 canções: Gimme Shelter, Kimberly, Redondo Beach, Free Money, Beneath the Southern Cross, Pissing In a River, So You Wanna Be A Rock’n’ Roll Star, Because The Night, People Have The Power, Rock’n Roll Nigger e Gloria. Em Curitiba o show foi mais curto, sem a cover do Byrds e Kimberly. Mas, em termos de som, Curitiba foi beeeeem melhor.
Ps1: Eu não conhecia nada de Daft Punk. Nada. E o show foi sensacional, o segundo melhor de todo o festival. Alto, barulhento e com uma produção visual de cair o queixo no chão, bater na caixa de som e voltar dançando com os graves. A tal pirâmide em que os dois robôs fazem as mixagens é de cair o queixo. E a iluminação funciona num crescendo que impressiona. Quando você vê, tudo no palco está piscando. A dupla fez todo mundo dançar com mixagens espertas. Amigos se dividem: uns acharam o show farofa demais (com hits e tal) e outros acharam o show porrada. Fico com o segundo grupo.
Ps2: No Rio, o Yeah Yeah Yeahs foi insuportável. Karen O grita com se estivessem espetanto alfinetes num bonequinho de vudu dela. Ela canta mal, algo que só o rock – felizmente – permite, e tem uma boa presença de palco (mas qual garota hoje em dia não tem), mas faltam canções ao seu grupo. Brian Chase (bateria) e Nick Zinner (guitarra) fazem um barulho dos diabos no palco, mas nem sempre o exercício funciona a contento. No Rio, com o vocal de Karen bem mais baixo, e os instrumentos no talo, foi um terror. Em Curitiba, com tudo equalizado a perfeição, o show foi surpreendentemente bom. Maps já é um clássico, mas existem uns cem shows melhores do que esse por ai.
Ps3: Devendra Banhart foi uma… decepção. Na verdade, o problema nem foi com ele, e sim com a expectativa que eu mesmo criei em ir vê-lo. Afinal, na minha lista de shows que pretendia assistir, daria praticamente para ver tudo ficando em São Paulo e Curitiba. Só Devendra fugia da listagem, e me fez ir ao Rio. O começo do show foi morno. Ou melhor, gelado. Como resumiu um amigo, o show estava horrível no começo. Depois foi melhorando até ficar só ruim. Maldade, eu sei, mas fazer o que… No entanto, Caetano deve ter gostado…
Ps4: Tv On The Radio – Eu esperava muito desse show, já que “Return To The Cookie Mountain” reina absoluto como disco do ano por estes lados. Mas o sumiço dos instrumentos dos caras parece ter afetado o tesão da banda em se apresentar no país. No show em São Paulo, nem o som ajudou, com a caixa estourando bem no meio de uma das canções mais bacanas do disco novo, Playhouses. Esses merecem voltar… logo.
Ps5: Thievery Corporation – só estou citando eles aqui por uma frase da vocalista brasileira da banda no fim do show no Rio: “E ai, galera: vamos beber muito uísque!”. Em que país ela pensa que está????
Ps6: Beastie Boys – Eles foram aclamados no Rio e em Curitiba. Sabotage arrepia. Falo mais no link abaixo…
Ps7: Beastie Boys são aclamados no Tim Festival Curitiba, por Marcelo Costa para o iG Música
Não concordo não, o show do ano foi do Sick Of It All, unica banda realmente underground a vir ao Brasil este ano .
Queria muito ter visto a Patti Smith.
Mac, não abandone o Calmantes com Champagne, please!
Grande abraço.
Eu não te falei que o Devendra era um embuste, pois ai esta a prova.
Ninguem vai reclamar não cara, a Nação Zumbi é mil vezes melhor que os Beastie boys
Obrigada pela sua sinceridade. Você é um dos poucos jornalistas musicais que parecem humanos, do tipo gostei e não gostei, e boa, o mundo não vai acabar. Faz todo mundo parecer normal por não ter R$ 160 pra gastar no Tim e ao mesmo tempo conta com personalidade o que talvez valesse essa grana. Valeu!
pô cara, gostei bastante do mombojó tb, eles mereciam um ps único, vai?
e o daft punk causou aqui em sp!
Não sou nenhum iniciante, mas curti o som do Yeah Yeah Yeahs numa boa. Não achei a voz dela tão insuportável. É uma voz até muito boa. Foi um show maravilhoso.