texto de Marcelo Costa
O cenário independente brasileiro é bastante esforçado, mas esforço não significa de forma alguma qualidade. É até fácil achar grandes discos por ali, mas nada que soe clássico, instigante, que dê um nó na garganta e fique vagando por dias e dias e dias na memória. Bem, não era fácil achar um disco clássico, com todas as letras, na cena independente nacional, mas “Grandes Infiéis”, terceiro álbum dos goianos do Violins, surge para brigar pela honraria.
De cara, assumo que nunca fui com a cara do Violins. O primeiro CD, “Wake Up and Dream” (2002), totalmente cantado em inglês, exibia influências de gente como Radiohead, Muse e Sunny Day Real Estate. Por esse tempo os vi ao vivo, e só me pareceu mais uma banda saqueando o repertório de riffs da turma de Thom Yorke. Deixei pra lá e fui beber a minha cerveja. E a banda seguiu em frente.
“Aurora Prisma” (2003), o segundo álbum, radicalizou na mudança. Saia de cena o inglês e o barulho dando lugar a língua pátria acompanhada de melodias leves. No entanto, apesar da coragem da banda em mudar de rumo, o som que parecia buscar inspiração em Coldplay e no lado suave do Radiohead lembrava muito Clube da Esquina no resultado final. Nada contra, mas mesmo em baladas rock é preciso ter culhão para se fazer as coisas valerem a pena. Tem que se mostrar “a” alma. A título de exemplo, é isso que diferencia “The Killing Moon” de “In My Place”: alma. Novamente não dei atenção ao Violins.
“Grandes Infiéis”, o terceiro álbum da banda, lançado novamente pela Monstro Discos, no entanto, clama por atenção. Uma audição das doze faixas já deixa o ouvinte confuso, seja ele fã da banda ou alguém que não dava a mínima atenção ao quinteto. O Violins novamente muda de rumo e preenche o CD com doses violentas de guitarradas, bateria pesada marcando o ritmo e fazendo variações, baixo forte e, sobre tudo isso, o bom vocal de Beto Cupertino desfilando as melhores letras do rock nacional em muito, muito tempo.
A influência primordial ainda é o Radiohead, mas o Violins consegue construir melodias fortes e empolgantes que conseguem baixar a luz sobre a influência e iluminar o bom repertório de um disco que soa musculoso, violento, bem escrito e extremamente antipopular. Sim, antipopular. Primeiro pela temática tabu (traições, infidelidade, mentiras) e depois pela qualidade das letras, que funcionam mesmo sem a melodia. Num País em que Paulo Coelho é recordista de vendas de livros, ser um bom escritor pode não ser lá altamente popular.
Porém, “Grandes Infiéis” está no nível de outros álbuns antipopulares, como por exemplo “Ok Computer” e “Yankee Hotel Foxtrot“, discos difícieis demais para a grande massa, acostumada a quem rima “amor com dor”, mas pequenas obras primas de um mundo hiper-maxi-pessoal-e-minusculo: o dos grandes discos de rock, pequenas jóias musicais. “Grandes Infiéis” é um trabalho fechado e completo que já se destaca pela belíssima capa, que traz o desenho de uma gaiola aberta, sem o nome da banda nem foto nem título.
Duas cacetadas abrem o disco: “Hans” e “Il Maledito”. A primeira é explosiva e traz uma parede de guitarras que serve para ambientar o ouvinte pelo que será ouvido nos próximos 44 minutos. “Todos já viram a loucura pura / Eu quis beber pra então sorrir / Mas a dose me fez trair”, canta Beto Cupertino. A bateria de Pierre parece querer disputar destaque com a guitarra de Léo. “Il Maledito” destaca uma das melhores letras do álbum e uma levada que parece demonstrar que a banda anda ouvindo muito Queens on The Stone Age. “O que me mantém é o contato com o inferno”, abre a letra. Lá pelo meio a melodia acelera e empolga: “Então um viva à insensatez”.
Boas guitarras abrem “Glória”, que é mais leve que as duas anteriores, e traz outra de letra excelente: “Eu sei que o mundo não comporta mais deuses / E sei que o amor não me suporta mais vezes”. O segundo trecho é matador: “Prefiro morrer sob o sol de cerrado / A ter que dizer o que eu tinha pensado / Sobre os murros que seus olhos pedem / E sobre as rugas que você me tece”. “Atriz” começa lenta e explode em barulho. Fala de suicídio, confiança e sinceridade.
“Ensaio Sobre Poligamia” traz bons riffs de guitarra, bateria marcada e letra direta: “Nós só viemos pra nos divertir / Deus, eu quis ser fiel a você / Mas eu tenho tantos corações / Eu tenho tantos corações”. “Vendedor de Rins” traz um dos começos mais lentos do álbum e uma letra a ser descoberta, enaltecendo o lado bom de um vendedor de rins. “S.O.S.” tem bateria quebrada e letra simples: “É bem mais fácil se eu mentir / Ninguém vale o outro mas a culpa é igual”. Bons vocais e muitas guitarras no meio.
“Matusalém” segue na linha das duas faixas de abertura. Guitarras ensurdecedoras, bateria brigando por destaque, vocal enterrado na mixagem. “Angelus” é a primeira conduzida por teclados, que mais fazem a cama do que conduzem, ao contrário de “Aurora Prisma”, o disco anterior. Porém, no clima “Grandes Infiéis”, a música ganha corpo e emociona. Fala sobre Deus, tem vocais anos 1960, e lembra muito Clube da Esquina. Funciona, e bem.
“Nada Sério” é construída sobre piano e guitarras. Assim como outras no álbum, começa suave e explode no final. “Convênio” começa com um bom riff de guitarra, mas a bateria insiste em martelar pesada nos dois lados do fone. “Nos traga inverno ou outono, tanto faz, é no verão que chove mais”, diz a letra. Os violões, acompanhados por uma arranjo de cordas, marcam presença em “Ok, Ok”, faixa que encerra “Grandes Infiéis” de forma épica: “Sobrou pra mim / A felicidade sempre ofende / Mas tristeza demais cansa / Bem, que se fodam os ofendidos!”.
Antipopular, bem gravado e genial, “Grandes Infiéis” exibe uma banda madura, que soube criar um excelente repertório próprio, e não cochila sobre elogios. Quem esperava um “Aurora Prisma 2” deve estar se sentindo enganado. Tudo bem. Estamos exatamente diante de um pequeno tratado sobre mentiras (de amigos, de religiões, de nós mesmos) envolto em 44 minutos de boas guitarras, baterias marcantes e letras excelentes. É preciso coragem para perdoar. É preciso perdoar para seguir em frente. Sinta-se em casa.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne