Texto e faixa a faixa por Jonas Lopes
Texto publicado originalmente no Scream & Yell em 16/07/2003
O país assiste no momento à consagração dos Los Hermanos através da imprensa. Em alguns anos de existência, a banda carioca já passou por inúmeras situações: surgiu como uma promessa da cena alternativa, sendo incensada pela crítica no lançamento do seu primeiro disco. Mesma crítica que passou a malha-los quando “Anna Júlia” estourou e os rapazes foram parar nos mais populares programas de auditório do país, fazendo playbacks e sendo cantados por todo tipo de fã e artistas (Frank Aguiar e até o ex-Traffic Jim Capaldi, acompanhado por ninguém menos que George Harrison, gravaram a canção). Resultado número um: 250 mil cópias vendidas e uma turnê enorme, com shows lotados e fãs que só conheciam as músicas de trabalho, desconhecendo a verdadeira essência da banda (na época, hardcore).
Trancaram-se então em um estúdio no interior do Rio para gravar o segundo disco, que acabou causando tensão com a Abril Music. A gravadora afirmou que o álbum era pouco comercial e quis que o trabalho fosse regravado, mas a banda apenas refez a mixagem. “Bloco do Eu Sozinho” foi lançado e se revelou uma obra sem precedentes no Brasil, surpreendendo a todos que esperavam somente uma sequência de “Anna Júlia” e misturando indie rock a marchinhas de carnaval, música circense e clássica, MPB, samba, ska e hardcore, tudo embalado por muita melancolia. Resultado número dois: aclamação unânime da crítica, que passou a endeusa-los, uma queda progressiva nas vendas e perda dos chamados “fãs de FM”. Mas, apesar disso, conquistaram um pequeno público de fanáticos, que vão atrás da banda para todo canto, transformando os Los Hermanos em religião e fazendo com que cada show seja uma verdadeira missa.
Depois de tudo isso a banda entrou novamente em estúdio (e outra vez fez a pré-produção em um sítio), mas agora com a responsabilidade enorme de gravar um disco tão bom ou até melhor que o anterior. Para aumentar ainda mais a expectativa, em um caso que talvez fosse ainda inédito no Brasil, demos gravadas em um ensaio da pré-produção vazaram na internet, causando inúmeros debates sobre as novas canções e comprovando a ansiedade do público pelo novo álbum. A banda não gostou nada do vazamento, afirmando que um disco inacabado pode dar uma impressão completamente errada do que virá a ser o produto final. Inicialmente o nome seria “Bonança”, mas, de última hora, foi trocado para “Ventura”, que significa acaso, destino, sorte.
Ao contrário do que vem sendo dito por aí, “Ventura” não chega nem perto de ser uma continuação do “Bloco do Eu Sozinho”. Também não é um disco de samba ou MPB e de forma alguma consagra a dupla de compositores Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante como os novos Chico Buarque e Caetano Veloso. Aliás, qualquer rótulo utilizado aqui é, no mínimo, limitado e inadequado. À primeira audição parece menos experimental que o “Bloco” (o que não quer dizer mais acessível), com os sopros menos atuantes e Amarante comparecendo com mais canções. E é besteira querer apontar o melhor entre os dois. Muito mais importante é notar o nível de consistência e maturidade que os caras atingiram. Não é exagero afirmar que os Los Hermanos são a banda brasileira mais inventiva e talentosa desde os Mutantes.
Samba A Dois
Foi apresentada pela primeira vez no festival paulistano Upload ano passado. A guitarra, fazendo papel de cavaquinho, e vários efeitos pontuam a canção, cuja letra irônica parece direcionada a quem andou dizendo que os Los Hermanos seriam canastrões ao se aventurar pelo samba: “Já que um bom samba não tem lugar nem hora/nem se atreva a me dizer do que é feito o samba”.
O Vencedor
Bom riff de guitarra e os metais marcam presença pela primeira vez, já de forma imponente. Tem cara de hit e poderia tocar perfeitamente nas rádios, mesmo não tendo refrão.
Tá Bom
Começa com um dedilhado, que se repete algumas vezes durante a canção, e segue com andamento moderado. A letra narra uma pessoa aconselhando o irmão a dar a volta por cima depois de um relacionamento mal-sucedido.
Último Romance
Composição de Rodrigo Amarante, uma das que mais remetem ao “Bloco do Eu Sozinho”. Com letra longa e palmas, parece se engrandecer no refrão. É um dos destaques de “Ventura”.
Do Sétimo Andar
Outra de Amarante, mas que não repete a qualidade da anterior. Soa arrastada e a letra estranha não ajuda muito.
A Outra
Começa com efeitos estranhos de teclado e ganha um delicioso clima latino. A letra, excelente, prova que Marcelo Camelo continua ouvindo muito Chico Buarque. A narradora é uma mulher traída.
Cara Estranho
Pela primeira vez uma música pesada no disco, com direito a solo distorcido e vocais berrados (e propositadamente desafinados, segundo Camelo) no final. Primeira música de trabalho do álbum.
O Velho e o Moço
Balada de Amarante. Começa devagar e segue num crescendo até estourar em guitarras que lembram as de “Sentimental”. Outro destaque.
Além do que se Vê
Assim como o “O Vencedor” tem um potencial radiofônico enorme apesar de não possuir refrão. O clima é esperançoso e feliz.
O Pouco Que Sobrou
É a mais estranha de todas, com vocais em tom baixo e efeitos estranhos respaldados por uma guitarra meio ska. Desnecessária.
Conversa de Botas Batidas
O teclado de Bruno Medina, a letra apaixonada e o coro no final são os chamarizes desta música que celebra o amor, puro e simples.
Deixa o Verão
Ska animado que poderia perfeitamente estar no primeiro disco da banda. Cantada e composta por Rodrigo.
Do Lado de Dentro
Outra que traz influências de samba e Chico Buarque. O arranjo de metais é primoroso. Aliás, vale destacar o trabalho de Kassin na produção, excelente.
Um Par
Rock encorpado e letra genial de Amarante. Uma prova do quanto os Los Hermanos estão acima de quase todo o pop nacional.
De Onde Vem A Calma
A grande obra-prima do disco. Uma balada delicada, contando a história de alguém inseguro, que não consegue se impor. Logo em seguida, a volta por cima: “Eu não vou mudar não/eu vou ficar são/mesmo se for só/não vou ceder”. O último minuto é emocionante, com Camelo cantando em falsete e um belo solo finalizando um grande trabalho.
Leia também
– “Bloco do Eu Sozinho”, um álbum estranho e genial, por Marcelo Costa (aqui)
– “Bloco do Eu Sozinho”: faixa a faixa por Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante (aqui)
– “Fizemos Bloco do Eu Sozinho à revelia”, entrevista a Martin Fernandez (aqui)
– “Los Hermanos 4” é um disco sem paralelos na música brasileira, por CEL (aqui)
– Los Hermanos ao vivo em Juiz de Fora, 2002: assista a 13 vídeos (aqui)
– Entrevista: Bruno Medina -> Acho que a renovação de público está ocorrendo (aqui)
– Show: “Seita” Los Hermanos segue firme em SP (2005), por Juliano Costa (aqui)
– Show: A antepenúltima ceia do Los Hermanos (2007), por Marco Antonio Bart (aqui)
– “Bloco do Eu Sozinho” e “Ventura”, os dois melhores discos dos anos 00 (aqui)
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