por Angélica Bito
Jorge Furtado é um diretor de mil faces. Geminiano nascido em nove de junho de 59, Furtado já estudou medicina, psicologia, artes plásticas e jornalismo. Antes de ser cineasta, trabalhou como repórter de TV, quando começou a fazer roteiros para a TV Globo. O primeiro longa saiu somente em 2001: “Houve Uma Vez Dois Verões” que, de cara, ganhou prêmios de Melhor Direção, Roteiro, Montagem e Filme Pela Crítica no Cine Ceará de 2002. Antes, o gaúcho havia dedicado sua carreira a curtas-metragens: sabe “Ilha das Flores”, aquele que todos já devem ter visto no colégio? É dele.
“Houve Uma Vez Dois Verões” é um filme ótimo com orçamento baixo, câmeras digitais e atores desconhecidos do grande público. Tudo mudou, no entanto. Agora, estrelas fazem parte do elenco de seu novo filme, “O Homem Que Copiava” (2002). Este custou cerca de R$ 3 milhões – “Houve Uma Vez Dois Verões” consumiu R$ 790 mil. Nem tudo mudou, na verdade. Em seu segundo filme, Jorge Furtado já mostra como é seu cinema: despretensioso, não importando a quantidade de dinheiro envolvida no projeto; divertido; leve, sempre com destaque ao roteiro, cheio de reviravoltas, no estilo dos filmes noir.
“O Homem Que Copiava” traz Lázaro Ramos – uma das melhores coisas do cinema nacional dos últimos tempos – como André, um garoto de 20 anos que trabalha em uma papelaria. Sua rotina é como seu trabalho: um tédio. Liga, desliga, vira folha, bota filha, abre máquina, liga, desliga. Tudo mecânico. André acorda e vai trabalhar para ganhar uma mixaria. Chega em casa, faz seus desenhos e vê a mãe dizendo que televisão dá um “sooono”. Todo dia a mesma coisa, cada um é cópia do outro. André é jovem, talentoso, mas não vê um futuro para si mesmo. Não tem perspectivas, ambições ou qualquer coisa que o empurre para frente. Até que conhece Sílvia (Leandra Leal). Passa a observá-la de longe, com seu binóculo, enquanto ela chega em casa tarde depois do cursinho.
André, então, descobre onde ela trabalha: lojas Sílvia. Coincidência. Lá, encontra um chambre de chenile (um robe daqueles que as mulheres usam antes de dormir, sabe?) que pretende dar para a mãe e, de quebra, agradar a guria. Mas a peça custa R$ 38, grana que André não tem. É aí que ele começa a ter ambições: quer dinheiro. Um pouco, no começo. Só para impressionar a menina. Também quer namorar Sílvia. Ambições que crescem de forma desenfreada, com conseqüências que fogem do real. Nessa situações bizarras, acompanham o rapaz Marinês (Luana Piovani), moça que trabalha com ele na papelaria, e Cardoso (Pedro Cardoso), um homem que trabalha em uma loja de velharias e que está a fim de Marinês.
Animações, suspense, drama, romance, comédia… Está tudo lá, numa salada de gêneros cinematográficos. O roteiro ajuda a dar liga. A boa direção, do desempenho dos atores e a trilha sonora são o tempero.
“O Homem Que Copiava” é uma comédia desse jeito mesmo: surreal. Situações que não acontecem no dia-a-dia. Veja bem: você vai ao cinema para ver a realidade? Não quando você quer ver um filme de ficção, certo? Então, os filmes de Jorge Furtado são assim mesmo, surreais, mas com roteiros muito bem amarrados. Muito mesmo.
Mas não é só de comédia que “O Homem Que Copiava” trata. Tem também drama: um garoto pobre, mas que tem talento para o desenho, não vê jeito de ficar rico a não ser de forma nada ortodoxas. Não vai ser com seu talento que ele vai enriquecer, mas sim na malandragem. Quantos jovens não se sentem assim no Brasil? Todos aqueles que não nasceram em família rica, que ainda pensam que poderiam ter uma vida melhor se tivessem dinheiro, se fossem reconhecidos. André é como eu ou você, se sentindo preso num cotidiano desgastado, muitas vezes sem perceber que sua vida é um ciclo vicioso como o ato de liga, desliga, vira folha, bota filha, abre máquina, liga, desliga.