por Marcelo Costa
Ser Damon Albarn não deve lá ser muito fácil, pelo menos nos últimos dois anos. O vocalista carregou por quase 10 anos a posição de frontman de uma das principais bandas inglesas (e, talvez, representante de 40% do britpop inteligente) em seis álbuns que culminaram no bom (e multifacetado) “13”, de 1999.
De lá para cá, Albarn encarnou o projeto Gorillaz que, sozinho, vendeu mais que todos os álbuns do Blur juntos. O Gorillaz virou febre mundial e ícone pop trazendo fama e fortuna para Albarn, mas criando sérios pontos de atrito no Blur. Em sessões de estúdio em Londres e no Marrocos, o bicho pegou. Pior baixa: o guitarrista Graham Coxon, membro fundador e músico influente no som do quarteto, pediu as contas e distribuiu farpas contra Albarn. Tudo prenunciava o pior.
Cerca de um mês e meio antes de seu lançamento oficial, “Think Tank” caiu na internet. A banda, por sua vez, aprovou a divulgação extra via web. O primeiro single do álbum, “Out Of Time”, uma baladinha bonitinha (mas ordinária) com um toque de latinidade entrou e sumiu das rádios sem dizer a que veio. O segundo single, “Crazy Beat” (com mão do Fatboy Slim Norman Cook e grau de parentesco elevado com o mega-hit “Song Two”) anda tocando até em rádios paulistanas. E “Think Tank” pulou direto para o primeiro lugar da parada inglesa.
A rigor, são quatro canções muito boas (“Ambulance”, “Out of Time”, “Caravan” e “Sweet Song”) e várias outras medianas. Bobagem bobagem mesmo apenas umas duas faixas.
E o ‘presente’. Yep, isso mesmo. Como o disco vazou inteiro, a banda resolveu presentear o público colocando uma faixa a mais em “Think Tank”. Mas daí você vai, olha no encarte, na capa (aliás, a arte do CD é genial) e não encontra, certo? Certo. E errado. A faixa escondida está antes da primeira música e não aparece no contador do cd player. Você precisa colocar o CD no aparelho e voltar menos 5m46s. Pena que o trabalho não valha a pena. A faixa é fraquinha.
A pergunta que fica é: o que significa “Think Tank” para o Blur?
Com 14 anos de existência e mudanças sonoras perceptíveis desde o álbum amarelo (o “Blur” de 1997), o Blur de “Think Tank” não passa na primeira audição, nem com muita boa vontade, principalmemte de fã. Soa preguiçoso, desleixado, distante, cansativo. E, principalmente, não soa Blur. Mas se você tomar coragem e ouvir mais umas duas ou três vezes, o risco de vício é bastante alto.
Mais do que qualquer coisa, a influência pós Gorillaz no ‘novo’ Blur é clara. E a falta de Graham, com Albarn asssumindo timidamente todas as guitarras no álbum, faz com que o baixo de Alex James venha a frente, sinuoso, e os teclados ganhem mais espaço nos arranjos (impossível imaginar “Ambulance”, a faixa 1 do CD, sem eles). Assim, “Think Tank” seria a seqüência natural de “13” influenciado pelo Gorillaz (como opinou o vocalista da Bidê ou Balde, Carlinhos, no Cabra Cega para este site).
Aquela banda britpop que todo mundo conhecia como Blur acabou. Viva o novo Blur. Viva?
01) Ambulance – Baixo e bateria abrem “Think Tank”. A introdução deixa escapar algo de africano (e de Kraftwerk) até surgir a voz de Albarn, muito acima dos instrumentos. Teclados fazem a cama para o vocalista declamar uma letra esperançosa. Guitarras surgem só como efeitos. Um break no meio alterna vocais com um baixo marcante até seu término. Psicodélica até não poder mais, “Ambulance” abre o CD com estilo.
02) Out of Time – Primeiro single do álbum. Uma baladinha ritmada com toques de ritmos latinos, ou seriam marroquinos? Sim, é essa a canção que conta com a participação de um grupo regional de Marrakesh. Melodiosa. Vocal imponente de Albarn. O solo de violão é algo que, anos atrás, talvez fosse impossível imaginar no Blur, com um cravo fazendo a marcação por baixo. Lindinha.
03) Crazy Beat – Segundo single. Com produção de Norman “Fatboy Slim” Cook, mistura um vocoder com um riff de guitarra fortíssimo. Não à toa, o baixo carrega a canção, mais que as guitarras (imagina esse formato em “Song Two”? Sim, é isso ai). Guitarra com wah wah e refrão cool com vários “yeah yeah yeah”. Roqueira e para a pista (o que dizer de “I love my brothers on a Saturday night”?), mas o vocoder torra o saco, principalmente na parte final.
04) Good Song – Duas guitarras preguiçosas abrem essa canção rancheira (espacial) cheia de efeitos. Bonitinha e perfeita para se ouvir no fim de tarde.
05) On The Way Club – Sabe o Blur? Aquela banda ‘das antigas’ começa a dar o ar de sua graça aqui. Bateria eletrônica repetida ao infinito e uma linha de baixo matadora. Efeitos e um vocal preguiçoso. Poderia estar em “13” ou em “Blur”, fácil fácil.
06) Brothers and Sisters – Com abertura bluesy e vocal dobrado, é outra que lembra um Blur mais Blur. É ouvir o coro e reconhecer.
07) Caravan – Uma das grandes canções de “Think Tank” e nem é porque o vocal de Albarn está meio desfigurado. Construída em cima da linha de baixo e efeitos, segue arrastada, desconstruída. Uma guitarrinha safada bate cartão no canal esquerdo do fone de ouvido. A letra (muito boa) conclui: “Sometimes everything is easy”. Se o blues tivesse nascido nos anos 2000 seria assim.
08) We’ve Got a File On You – Bobagem de menos de um minuto. O título da canção é repetido ao infinito tendo como pano de fundo uma base punk rock. Tolinha.
09) Morrocan Peoples Revolutionary Bowls Club – Baixo mandando novamente. Com bateria quebrada (influência africana clara) e o típico vocal em dobro a lá Blur, “Morrocan” é outra das grandes canções do CD, ainda que pareça mais uma jam session do que música finalizada. O solo de baixo no meio da canção é de matar.
10) Sweet Song – Outra baladinha (prima de “Caravan”) inspirada. Essa faz jus ao seu título. Piano e efeito e a voz de Albarn e backings docinhos. Para se ouvir vendo neve cair. 🙂
11) Jets – Durante seis minutos de (d)efeitos você só irá ouvir a frase “Jets are like comets at sunset”. Quando surgem uns “yeah” ao fim de cada riff de guitarra você descobre que eles não estão levando a canção a sério. Faixa menor, para preencher espaço.
12) Gene By Gene – A outra canção produzida por Fatboy Slim em “Think Tank”, Repetições, vocoders, efeitos, desconstrução, e blá blá blá…
13) Battery In Your Leg – Vocal perdido no meio da mixagem. Baixo e bateria a frente, ritmo pesado e reto. Deve ganhar uns bons remixes. E ponto final. (ou seriam reticências?)
Marcelo Costa (@screamyell) é jornalista e editor do Scream & Yell. Assina a Calmantes com Champagne.