por Marcelo Costa
O momento é oportuno e, você sabe, oportunidades não se perdem. Duas grandes bandas do rock nacional anos 80 lançam disco novo este mês. Ambos os trabalhos optam por regravações, ou seja, são discos de covers. Significam a mesma coisa? Não, são amplamente diferentes, mas permitem, com isso, analisar os rumos da música “jovem nacional” de uns tempos pra cá e assim imaginar o que vem por ai.
Comecemos pelo Titãs. Todos sabem que os Titãs sempre quiseram ser representantes de certa elite cultural. Um outro inteligentemente já havia dito que o Titãs são uma banda naturalmente “nova-iorquina”, em que o que menos interessa é o som e o que vale mesmo é o discurso. Duvido que esse grande amigo tivesse imaginado o lodo que cerca a banda em questão hoje em dia. É o fundo do buraco e cavando ainda mais pra baixo.
Depois de dois acústicos de excelente produção, ótimos arranjos e venda exorbitante (o que não impressiona, já que Roberto Carlos e Julio Iglesias também primam por estas qualidades), a saída agora é um disco de covers carinhosamente chamado de “As 10 Mais”. Quem acompanha a odisseia titanica e anda decepcionado com as pérolas que os caras tem soltado aqui e acolá já sabia o que esperar: o óbvio do óbvio!!!
Os Titãs são hoje a banda mais vendida e cara de pau do pop (nem rock são mais) nacional. Também, é o mínimo que se poderia esperar de uma banda de filhos da elite intelectual dos anos 70, nada mais. O repertório é o básico do básico. Pena é a esculhambação. “Pelados em Santos” só consegue soar medíocre, Não homenageia, pois é infeliz. Gravar Mutantes e Raul também não ajudam. A versão do Kid Abelha para “Fuga Número 2” é infinitamente superior a do Titãs (e infinitamente inferior ao original, diga-se de passagem).
O Camisa de Vênus já havia feito uma versão chapante de “Aluga-se”. Só no território das versões eles já saem perdendo. E o máximo da cara de pau é gravar Inocentes. Lá pelos idos de 86/87, dizia-se a boca pequena que “os Titãs estavam fazendo o que os Inocentes fazem desde 82″, ou seja, discos como “Cabeça Dinossauro” e “Jesus Não Tem Dentes” são derivativos ao máximo. Na época alguém teria que se vender, Inocentes ou Titãs. Um doce pra quem acertar o vendido. No mais, o resto do repertório é piada, mas não para rir.
Já o Ira! sempre foi a essência do rock nacional. Se havia uma banda no Brasil que merecia o título de “cult band” eram eles, por se importarem com a música, com o público, e continuarem fazendo alguns dos melhores shows desse país, mesmo estando afastados da mídia. Um outro cara certa vez disse (pedindo desculpas por usar um termo batido) que o Ira! fazia “rock honesto”. É, mas cá estão eles lançando disco de covers!
Óbvio? Não, nem um pouco. Leia a lista de canções de “Isso é Amor” e veja quantas podem ser chamadas de óbvias. Talvez ‘Sentado a Beira do Caminho”, de Erasmo. E Lobão e Ritchie? Quem na indústria gosta deles? Quantas músicas deles tocam na rádio hoje em dia? E se você fosse gravar uma canção da Legião Urbana você escolheria “Teorema”? Óbvios? Nada. Se tem algo que o Ira! nunca quis ser foi óbvio.
Tudo isso sem contar que se nossos amigos (amigos?) lá em cima saem elogiando todo mundo, nossos ídolos aqui saem enfiando o pé na porta, reclamando de direitos autorais, das gravadoras, de pagodes, axés e sertanejos. Atitude 100% rock and roll. Típica de garotos que saíram do gueto para batalharem seu espaço. O negócio aqui é sério. Se você quiser rir, ria, mas de felicidade. Eles são gente como nós.
Com o novo disco, o máximo que pode acontecer é o Ira! voltar a grande mídia e esfregar atitude na cara de muita gente. Seria ótimo musicalmente e excelente pra quem tá surgindo e não tem em quem se espelhar. Eles merecem todo sucesso do mundo. No mínimo, um público sincero, shows lotados e felicidade brotando dos olhos. Oportunidades não se perdem. Aproveite.
Se você tiver que comprar um disco de rock nacional esse ano compre “Isso é Amor”, do Ira!. Se puder comprar dois, leve “Isopor”, o novo do Pato Fu, outra banda que esbanja sinceridade. Se sobrar grana para um terceiro cd, leve pra casa o novo de Wander Wildner, outro cara acima de qualquer suspeita. Se ainda sobrar grana, vá ao cinema ver “O Sexto Sentido”, compre “O Chão Que Ela Pisa”, do Salman Rudshie (livro do ano) ou então vá passar um final de semana em Parati, São Tomé das Letras ou em Ubatuba. Faça o que quiser. Só não jogue dinheiro fora. Só não compre as dez mais…
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Curiosa como toda relativização do trabalho do Titãs também pode ser aplicada ao Ira!, afinal essa pose de “banda honesta” também pode ser moldada.
Um abraço de um fã das duas bandas.