O CEL & o Limite

Sucedâneos Para O Rock

por Carlos Eduardo Lima
29/06/02

Estive procurando por estes dias tão estranhos alguns sucedâneos para o rock. Como disse o Ira! uma vez, há algum tempo, estou farto de rock'n'roll. Não falo dos mestres absolutos, tipo Beatles, Hendrix, Stones, Who, enfim, os cânones da coisa. A implicância veio do nada, talvez de tanto chamarem Korn e Linkin Park de rock ou de ler Liam Gallagher dizer que é a reencarnação de John Lennon.

Além disso, amigo leitor, a novidade, esta instituição tão prezada por nós, está definitivamente em processo galopante de extinção. A saída encontrada então foi descobrir coisas novas, absolutamente inauditas, que poderiam saciar a aridez das paradas de sucesso. Após um namorico com o primeiro disco do soulman da Filadelfia, Billy Paul (360º Of Billy Paul) e com a trilha sonora do filme Waking Life, levado a cabo por uma orquestra de tango texana, deparei-me então, com um sujeito chamado Miles Davis. Pausa.

Eu nunca tive paciência para jazz, ouvi sem contestar, pessoas dizendo que "jazz é sempre igual", "jazz é música de velho", enfim, jazz é chato, anti-jovem e, portanto, vetado. Errado, muito errado. Jazz é muito legal. Talvez a melhor coisa do estilo seja o fato de que ele não tem forma definida. É irritante, entretando ver os jazzistas de plantão estalando seus dedos enquanto vêem o gelo derreter em seus copos de whisky doze anos. Jazz é música de rico. Até pode ser, pois, no Brasil, excetuando uma série da Columbia/Sony e alguns parcos lançamentos amputados de informação, o jazz deve ser importado. Os discos gringos de jazz são um modelo de bons serviços prestados ao ouvinte. As edições ianques do selo Columbia/Legacy são tesouros. Arte original dos discos, faixas extras, remasterização de 20 bits, enfim, novas tintas sobre velhos painéis do passado para as novas gerações. E Miles Davis surgiu deste mundo para o meu mundo cada vez mais silencioso.

Para os interessados, aqui vai um pequeno guia introdutório para a abordagem ao homem. Miles tem pelo menos três grandes momentos criativos exuberantes entre o fim da década de 50 e o início dos anos 70. Nesta vereda, o homem do piston vermelho inventou dois estilos. Isso mesmo, inventou. Miles está para o jazz assim como Hendrix está para o rock. Criatividade, técnica, inventividade, tudo o que o novo disco do Red Hot Chilli Peppers dificilmente trará ou que o novo do Oasis não buscará. Tampouco as bandas inglesas dos selos Jeepster ou Poptones nos surpreenderão desta forma.

Discos iluminados do sujeito:

Kind Of Blue (1959), terceiro trabalho dele para a Columbia, de 1959, é o nascimento documentado da improvisação no jazz. Isso mesmo. Até então os músicos, egressos de big bands, liam suas partituras e interpretavam. Aqui Miles propõe a liberdade. Era o que se chamaria free-bop.

Bitches Brew (1969) é o nascimento do fusion, a mistura de jazz com rock. Lançado um dia depois de Electric Ladyland, Miles traz um som inédito, anárquico, gordo, percussivo,fazendo torcer os narizes dos fãs mais radicais do jazz, ganhando espaço entre a galera do rock, aproximando assim os dois primos distantes.

On The Corner (1972) é um subestimado trabalho onde Miles homenageia Sly Stone e James Brown. Aqui o funk de raiz, robusto, com mil linhas de baixo e baterias quebradiças dão o tom para o piston de Miles entrar pelos meandros e atalhos de uma maçaroca sônica poucas vezes ouvida.

E o efeito dominó já se fez presença e hoje habitam a estante deste que vos escreve, algumas obras "novas" como Walking On Space, de Quincy Jones; Take Five, de Dave Brubeck, Live At Newport, de Duke Ellington e uma coletânea de Herbie Hancock. Além deles, novas divas do estilo, Norah Jones (ai, ai...) e a chilena Claudia Acuña dão o tom do que pode ser mais interessante de se ouvir.

Se você achou besteira tudo o que está escrito aqui e que o melhor mesmo é cair dentro do Creed, do Staind, do POD, do Korn, do Oasis, do Pearl Jam, do Red Hot, do Foo Fighters e tantas outras bandas, tem o meu total apoio. Mas, diga lá, há quanto tempo você não ouve nada realmente novo? E não associe a idéia de novo com o tempo. O novo pode estar lá atrás, esquecido, deixado de lado. Miles Davis ainda é novo hoje e, talvez por muito tempo. Cabe a você ouvir o que quiser, seja velho ou novo ou não.

Carlos Eduardo Lima tem quase 32 anos, é carioca e acredita que o mundo acabou há uns dez anos mas ninguém notou.