O CEL & o Limite
R.I.P. - Rock'n'Roll

por Carlos Eduardo Lima
Foto: Strokes/Site Oficial
16/04/02

Um dos maiores sintomas que um ser humano pode apresentar em termos de desilusão com o rock é passar a acreditar piamente que ele morreu. Sempre que eu lia esta frase tão manjada numa manchete de revista ou jornal era uma indignação só. Não entendia como os críticos de música podiam achar que o rock, logo ele, o rock, havia morrido.

Um ritmo que nasceu do cruzamento de blues com country, que foi feito por jovens cultos, fãs de poesia e cinema, que não se conformavam em se adaptar a modelos existentes. Ops. Peraí. Jovens, cultos, fãs de poesia e cinema, inconformados? Não adaptados a modelos existentes? Não se conformar? Algo está faltando não acham? Sim. Algo se perdeu no rock e hoje acho sinceramente que ele morreu.

Não por falta de criatividade, de bandas com aparência rock, mas por falta de necessidade. O mundo de hoje não precisa do rock para mais nada, daí o motivo da sua morte. Morreu a ponto de acharmos que um grupo como Strokes é capaz de sacudir as estruturas do mundo. Impossível.

O maior exemplo disso está no inacreditável disco de um certo Andrew W.K. O cara é jovem, americano, adota a estética rock até o último fio de cabelo, canta sobre festas, putaria, mulheres e porrada, faz um som pesado e barulhento e... não é rock.

A mesma coisa poderíamos dizer dos cearenses do Surto. São simulacros, típicos dos nossos dias. Garotos classe média fazendo um som e contando com o apoio de gente para gravar um disco. Rock? Onde? O mundo caminha para a eliminação sistemática dos problemas que fazem nascer o inconformismo.

Relacionamentos amorosos mais fáceis, negros e brancos cada vez mais separados em abismos sociais intransponíveis, ausência quase completa de eventos geradores de informação, falta total de possibilidade de acesso à cultura pop pelo povo (um paradoxo, mas, existente). O mundo se acomodou e disso vem uma desconfortável sensação de que está tudo bem. Pra quê se trancar no quarto com uma guitarra se tudo está bem? Pra quê fazer uma letra sobre a menina que não te dá bola se ela é uma chata que gosta de Ivete Sangalo? O pior de tudo é que o rock não morreu com pompa e circunstância. Foi esquecido aos poucos, deixado de lado. Morto insepulto, como os gregos faziam com aqueles que não deveriam ser lembrados. Sem lápide, epitáfio ou cerimônia fúnebre. Pra nós, fãs de rock, resta o rescaldo do estilo.

Talvez as últimas bandas de rock em atividade percam seu gume nos próximos discos. Exemplos? Sim, ainda temos vários artistas desnorteados por aí, insistindo em adotar os parâmetros do rock como sendo os certos. REM, Oasis, Wilco, Radiohead, vá lá, U2, Blur, White Stripes, Strokes, The Hives, Black Rebel Motorcycle Club, a partir daí fica difícil dizer alguém que esteja nos moldes da coisa. Ao contrário do blues e do jazz, o rock se perpetua pela juventude. Claro que senhores como Neil Young, Iggy Pop, Bob Dylan, Paul McCartney, entre uns outros poucos serão sempre bastiões do rock, mas não têm para quem passar a bola nos próximos anos. A geração dos anos 80, liderada talvez por Morrissey, já entregou os pontos há muito tempo. A geração dos anos 90, Cobain à frente, não chegou a se estabelecer e acabou gerando uma insuportável avalanche de bandas simulacro ao longo da década. Coisas como Goo Goo Dolls, Soul Asylum, Live, Hootie And The Blowfish, novos simulacros de rock. Precisa-se de jovens no rock.

Estou ouvindo jazz. Uma espécie de rock do início do século XX. Mais ou menos assim: um bando de músicos negros e brancos resolveu subverter as amarras da música tradicional americana, imersa em academicismos dos séculos anteriores. Essa galera resolveu improvisar. Pra quê ler música em partitura se o som que saía era agradável aos ouvidos? E assim, inconformados com o modelo existente, algumas pessoas jovens fizeram alguma coisa.

O inconformismo, esta mola mestra da insatisfação, propulsor do tédio e da necessidade de extravasar ódios, temores e alegrias tortas está em falta. Poucas pessoas podem ver isso com clareza. O mundo se tornou um grande Quarteirão Com Queijo, cada ingrediente em seu lugar, meio sem gosto e previsível. Terrivelmente previsível. Como um disco de rock hoje. Uma pena.

Carlos Eduardo Lima tem quase 32 anos, é carioca e acredita que o mundo acabou há uns dez anos mas ninguém notou.