O CEL & o Limite
A Pouca Elipse

por Carlos Eduardo Lima
26/05/02

De uns dias pra cá eu me convenci de uma coisa meio assustadora. Tão assustadora e sutil que resolvi dividi-la com quem ocasionalmente pousa os olhos nesta humilde coluna. Pode parecer doideira, paranóia, exposição prolongada a radiações UV-A e UV-B, seja o que for, mas estou plenamente convencido de que o mundo acabou.

Sério, o mundo, como o conhecíamos, acabou. Não estou falando apenas de mudanças sócio-econômicas profundas, novas coisas tecnológicas, coisas assim. O mundo acabou. Mesmo. Só que a coisa não é simples assim. A grande sacanagem no fim do mundo foi o jeito como tudo se deu. Sutilmente. Sem alarde, trombetas de anjos soando, raios caindo, naves espaciais lançando lasers contra cidades. Nada disso.

O mundo acabou da noite pro dia. Pufff... Acabou. Outra sutileza interessante nisso tudo é que não ficamos boiando no espaço infinito tentando nos agarrar a destroços da Terra. Ficamos aqui, no mesmo lugar, vivendo e agindo com o comportamento moldado para um mundo que não existe mais. Em seu lugar veio o "as coisas como estão" ou o "hoje em dia".

Sei que isso tudo pode parecer uma mera neurose de um cara de 31 anos, perdido na solidão de uma metrópole do Terceiro Mundo, mas, me diga, ainda falamos em Terceiro Mundo? Não. Agora somos um só mundo. A globalização nos uniu, de um dia pro outro. Talvez a sensação de proximidade máxima entre povos (supostamente, é claro) tenha acabado com o mundo como o conhecíamos. A facilidade (supostamente, é claro) de acesso a tudo, a todos, comunicação de todas as formas, interação, internet, tudo isso mole mole, fácil fácil ao alcance de uma classe média (não existe mais classe média, apenas ricos e pobres) fundiu os circuitos de quem achava fax o máximo. Por falar nisso, cadê o fax?

Então, vivemos numa sociedade de facilidades, que nos exclui sistematicamente enquanto nos inclui. Estranho? Pense bem, você que gosta de rock. É fácil baixar músicas da internet, ouvir seu artista predileto da semana. Só que...você pode comprar um disco importado? Difícil se você for da maior parcela da população de um país como o nosso, no qual não há indústria musical séria, as bandas novas não chegam, as opções são poucas e ruins. Então me diga. É legal só baixar da internet? Se você acha que é, sua relação com a música é a mesma que você tem com um guardanapo de papel descartável.

Se você acha que música é algo mais profundo, parabéns, ou melhor, que pena. Você está no mundo errado. Não há mais espaço ou tempo para se aprofundar em assuntos como música ou outra forma de arte qualquer. Mas, você dirá: "esse cara é louco, e a internet com seus milhões de sites de cultura, os Cinemarks com suas salas modernas e pipocas gigantes com manteiga e...". O que dizer do sujeito que não tem o fuckin’computador? São a maioria. Estão fora do mundo. Estão fora da realidade, ou melhor, estão na realidade, fora do conforto do "mundo de hoje".

Como o sujeito vai saber que a MTV tem caráter duvidoso, que existe vida na televisão por assinatura (cada vez menos por mais $$$, outro sinal do fim do mundo como o conhecíamos) e que há cultura por aí? No way. Mas dá pena mesmo dos caras que estão na faixa dos trinta e alguns. A minha faixa. Fomos educados seguindo parâmetros antigos para hoje, como acreditar na família, no Brasil, em Deus, no casamento, estudar para fazer faculdade, conhecer a história do país, do mundo, saber o que é comunismo, capitalismo, socialismo, quem foi Lênin, o que queria dizer URSS. O que estas coisas significam hoje? Porra nenhuma. E, quando o mundo acabou, elas ficaram muuuuuuuuuuito velhas. Arcaicas, fósseis, inúteis mesmo. Os desenhos animados são diferentes, o timming das coisas é muito rápido.

Lembra dos Strokes? Já foram. Lembra do Hives? Ainda não aconteceu e já passou. Lembra do Megadeth? Acabou. Lembra do U2? Em 1983? Você não era nascido? Mesmo assim lembra? Leu tudo sobre a carreira do grupo? Onde? No site oficial? Tudo bem.

Ficamos presos num lapso de tempo onde os trocadilhos não fazem efeito, as piadas são referenciais, e tudo isso nos fez ficar velhos, de um minuto pro outro. Envelhecemos em achar que Che Guevara era o máximo e que "o mundo ia acabar numa explosão de sal", como dizia Chico Buarque (quem mesmo?). Acabou numa noite mal dormida de sono. E, tontos na manhã seguinte, não percebemos que o tempo passou a correr, o calor aumentou e o bom senso quase sumiu. "Oh admirável mundo novo, que encerra criaturas tais". Shakespeare (Apaixonado, com a Gwyneth Paltrow?) Pode ser.

Carlos Eduardo Lima tem quase 32 anos, é carioca e acredita que o mundo acabou há uns dez anos mas ninguém notou.