Posts from — junho 2012
Werchter Boutique: a preguiça e o épico
Texto e fotos: Renato Moikano (@renato_moikano)
A edição 2012 do festival belga Werchter Boutique começou como apenas um show: Metallica em sua turnê de celebração dos 20 anos do lançamento do “Black Album”, o disco que tirou o quarteto americano do hall de principais nomes do metal e transformou o grupo em uma das maiores bandas do mundo. Em meados de fevereiro novas bandas começaram a pintar como coadjuvantes no festival. E em abril o line-up estava confirmadíssimo com Ghost, Gojira, Channel Zero, Mastodon e – vejam só – Soundgarden.
Bora sair do meu refúgio em Bruxelas rumo à pacata (e relativamente próxima) Werchter. O festival estava marcado para as 13h, e o trajeto entre Bruxelas e Werchter foi bastante tranquilo e organizado. Um trem deixa a estação ao norte da capital rumo a Leuven e o trajeto (em trens expressos) leva 15 minutos. Em trens urbanos, 45. Peguei o urbano mesmo para aprender o caminho para o aeroporto. Um trajeto que precisaria fazer na manhã seguinte.
Em Leuven, a comitiva de fãs com camisetas pretas e cabelos compridos era imensa. Diversas placas sinalizavam o local exato de embarque nos ônibus que fariam o trajeto entre Leuven e o local do show nas cercanias de Werchter. Mais 20 minutos de ônibus e voilà. Chegamos? Ainda não. Mais uma caminhada de 20 minutos e finalmente cheguei à entrada.
Na contra-mão da tendência, o Werchter Boutique conta com uma pista-vip que ocupa toda a frente do palco. Além desse setor, dentro da área vip havia o Snake Pit: um espaço para cerca de 200 pessoas que ficava literalmente dentro do palco, em uma área delimitada por uma alça em forma de U. O local faz referência à turnê original de divulgação do “Black Album” entre 1991 e 1993 quando o Snake Pit foi montado pela primeira vez.
Pontualmente às 13h, o Ghost iniciou sua apresentação. Um goth metal sem sal que passaria completamente despercebido não fossem os trajes da banda que se apresenta em batinas católicas e rostos pintados como se fossem…fantasmas! Uau! Que original. Próximo. Enquanto Gojira não entrava resolvi verificar como um metaleiro gourmet se sairia no festival. As opções eram bem óbvias: hotdog e o hambúrguer mais sem vergonha que já comi na minha vida.
Os preços eram relativamente normais para um festival. Uma cerveja Júpiter (bem gelada, sempre), coca-cola, energético ou água custava 1 Bon (a moeda do festival, equivalente a 2,50 euros). As comidas e sanduíches saiam por 2 Bons. Um estande da Jack Daniels vendia bebidas a partir de 3 Bons. Todos os caixas aceitavam cartão de crédito e euros. As barraquinhas de venda de merchandising oficial apenas grana viva.
E tudo tinha fila. E grande. E ninguém choramingava. Portanto, você, que vai a festivais no Brasil e acha que tudo é desorganizado simplesmente porque tem fila, vê se larga mão dessa síndrome de pangaré de que tudo no Brasil é pior. E lembre-se, tem fila porque você está num maldito festival com mais dezenas de milhares de pessoas, catzo.
Eu tinha certa esperança que o Gojira me surpreendesse. Acho o som do grupo um pouco carente de punch, mas acreditava que a falta de um produtor bacana e competente poderia ter contribuído para que os discos do grupo fossem meio fracotes. Empolgação não faltou, tentativas de contagiar o público também não. Mas faltou peso. O show se arrastou e só serviu pra me mostrar que o próximo disco do grupo, “L’Enfant Sauvage”, deve ser apenas mais do mesmo.
Channel Zero é uma banda belga tão farofa, mas tão farofa, que faz o Papa Roach soar como Black Sabbath. Por tocar para seus compatriotas contaram com simpatia de grande parte da audiência. Mas aqui, chegado, tem duas décadas de fuleiragem metaleira. Não iam me comprar só porque todo mundo estava cantando junto. E não compraram. Culpa do vocalista que ainda não se decidiu se quer cantar ou fazer pose. Uma hora no palco e chega.
Mastodon! Tentar resumir o show em uma palavra seria difícil, mas em duas dá pra tentar. Que tal: desgraça e injustiça? Desgraça porque, bem o Mastodon não fala, ruje. Do início ao fim do show tudo que eles fazem é despejar guitarrada em cima de você. Sem bom dia ou boa tarde, tocaram uma música atrás da outra. Já injustiça vem do público que ignorou completamente o grupo. A desgraceira começou com “Black Tongue” e “Crystal Skull”, e, após dez rounds, terminou com “Blood and Thunder” e “Creature Lives”.
Nada de lamentar, porque quase imediatamente começou o show do Soundgarden. Esse sim eu não via a hora. Eram quase 20h em Werchter e o sol ainda estava marcando presença e bronzeando as banhas belgas. E lá vamos nós. Mas não foi! O Soundgarden fez um dos shows mais preguiçosos que já vi na vida. Cada integrante distante entre si, Chris Cornell arrastando os vocais e tentativas inúteis do baixista (aparentemente o único feliz em estar ali).
O tédio musical fez com que “Outshined”, por exemplo, não saísse da primeira marcha. E “Black Hole Sun” contou com um erro grotesco de Cornnel ao tentar voltar após o solo. Se era pra voltar desse jeito, confesso que preferia o insosso Chris Cornell em carreira solo fazendo shows sonolentos. Ainda assim estou ansioso para ver o show no Download Festival em Donninton Park, no próximo domingo, dia 9 de junho. Se for igual, prometo transformar minha preciosa cópia de “Badmotorfinger” em cortador de pizza.
Já o Metallica foi nada menos que épico. O roteiro da turnê é o seguinte: introdução com a tradicional sequência do cemitério em “The Good, The Bad & The Ugly”, de Sergio Leone, com “The Ecstasy Of Gold” (do mago Ennio Morricone). Em seguida a banda abre com “Hit the Lights” (primeira faixa do primeiro disco que já completa 29 aninhos). Em seguida, “Master Of Puppets”, “Ride The Lightning” (executada pela primeira vez nesta turnê), “For Whom The Bells Tolls” e “Hell and Back”, sobra de “Death Magnetic” (2008) lançada no EP de “Beyond Magnetic” (2011).
Um intervalo e os telões começam a exibir um breve clipe com cenas das gravações do “Black Album”. Grande parte do material extraído está no documentário duplo “A Year And A Half” que acompanhou a gravação e a primeira perna da turnê em 1991. O clipe não economiza com várias imagens de Jason Newsted, então baixista do grupo que deixou o Metallica de forma traumática antes da gravação de “St. Anger”.
A sequência de canções obedece a uma lógica interessante: o disco é executado de traz para frente. Então, o filé mignon do show vem com “The Struggle Within”, “My Friend of Misery”, “The God That Failed”, “Of Wolf and Man”, “Nothing Else Matters”, “Through the Never”, “Don’t Tread on Me”, “Wherever I May Roam”, “The Unforgiven”, “Holier Than Thou”, “Sad But True” e “Enter Sandman”. No bis teve “Battery”, “One” (com direito a nova iluminação toda com lasers) e o tradicional encerramento com “Seek & Destroy”. Épico!
E a saga não terminou aí. Lembram que no post anterior eu ainda não tinha descolado uma passagem de volta para Bruxelas. Bom, imperou a brasilidade. Tapei o destino final do bilhete que eu tinha comprado e consegui me esgueirar no último trem para Bruxelas. Mas, hey, eu não me orgulho disso, hein…
junho 2, 2012 No Comments
Barcelona: Primavera Sound, Dia 1
Texto e fotos por Marcelo Costa
Como era esperado, a primeira noite da edição 2012 do Primavera Sound, em Barcelona, foi uma reunião de concertos memoráveis: as voltas de Afghan Whigs e Refused, a classe de Wilco, Lee Ranaldo e Spiritualized, o show de hits do Franz Ferdinand (com direito a canções novas) mais Death Cab For Cutie, Mudhoney e Arches of Loaf (e muitos outros) mostraram porque o festival catalão é um dos melhores do mundo.
Na programação oficial, que começou às 17h, mais de 50 bandas divididas em oito palcos na beira do Mediterrâneo, mas sabemos todos que é impossível ver 30% disso – embora a gente tente. Com boa vontade se consegue ver cinco shows inteiros e pedaços de um outro aqui e ali. Assim, uma primeira piscadela para o Arches of Loaf, que repetiu a bela apresentação do ATP em Londres, na semana passada, tocando debaixo de um solzão de 19h30.
Na sequencia, The Afghan Whigs, outra atração do ATP londrino, que repetiu o êxito da semana anterior com um show focado. Greg Dulli continua urrando como um touro ferido em uma arena, e o novo baterista mão pesada ainda está se acostumando ao repertório, o que afeta uma das características básicas da banda, a improvisação, mas ainda assim o show é caótico, nervoso, instigante, clássico, méritos de um repertório absurdo de bom.
Quase no mesmo horário, no palco curado pelo ATP, Lee Ranaldo mostrava com vontade as canções de seu excelente novo álbum solo. Ele deixou as experimentações de seus discos anteriores e concentrou no poder de riffs e das canções. Contou historinhas (de uma garota que conheceu em Barcelona nos anos 80 quando tocava com aquela banda, como é mesmo o nome… Sonic Youth) e solou muito. No fosso, Mark Arm acompanhava com admiração.
Depois, três músicas do Death Cab For Cutie mostraram que a banda continua enorme na Europa, com cerca de 5 mil pessoas acompanhando o show no quinto dos infernos, ou melhor, o palco Mini, que dá a impressão que a Sagrada Família será terminada antes de chegarmos ao local do show. Depois, uma passada rápida e certeira pelo Mudhoney, para ouvir os hinos “Touch Me I’m Sick” e “Suck You Dry” e ver a galera se matando no pogo. Bonito de olhar.
No palco principal, Jeff Tweedy soava sincero: “É bom estar de volta, Barcelona. Vocês são o melhor público do mundo, e não estou falando pra fazer média”. O repertório foi bastante ousado – principalmente em relação ao show de 2010 neste mesmo palco – com “At Least That’s What You Said”, “Spiders (Kidsmoke)”, “Too Far Apart” e, principalmente, “Laminated Cat” (do projeto Loose Fur) surpreendendo os fãs.
Nels Cline confirma o status de monstro da guitarra seja comandando o caos de “Art of Almost”, seja solando interminavelmente em “Impossible Germany”, uma canção que deveria ser tombada como Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco. O trecho final pode ter causado infarto em algum fã mais afoito: “I’m Always in Love”, “Jesus, Etc.”, “I’m the Man Who Loves You”, “Dawned On Me” e a graaande “A Shot in the Arm”. Sorriso no rosto.
Calma que não acabou. No palco Rayban, os suecos do Refused promoviam um massacre hardcore de primeira grandeza (enquanto isso, lá no Mini, o The XX recriava suas canções). O pique do vocalista Dennis Lyxzén é impressionante: ele pula, corre e distribui pontapés no ar que facilmente derrubariam Anderson Silva. A iluminação do palco é funcional e o baixo encharcado de sujeira bate no peito de tal forma que pode desequilibrar o individuo.
O Franz Ferdinand aproveitou o palco do Primavera para (como tem feito nos shows atuais) mostrar canções inéditas do vindouro quarto álbum. A festa começou com “Darts of Pleasure” e “Tell Her Tonight”, que bastaram para Alex Kapranos e compania terem o público nas mãos. “Right Thoughts”, a primeira das inéditas, não impressionou (eles tocaram ainda “Brief Encounters”, “Fresh Strawberries”, “WTICSFIFL? Midnight!” e “Trees & Animals”), mas o caminhão de hits (“Take Me Out”, “Walk Away”, “This Fire” e outras) fez todo mundo pular.
Por fim, às 02h15 da manhã, Jason Pierce adentrou o palco aplaudindo o público e sua banda. Pegou a guitarra e atacou logo de cara “Hey Jane”, primeiro single do disco novo (e com um clipe sensacional). Durante pouco mais de uma hora, o Spiritualized fez do Primavera Sound uma missa. Almas levitavam ao som de “Lord Let It Rain On Me”, “Soul on Fire”, “Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space” e a sensacional “Come Together”, quase dez minutos inesqueciveis, fecho de ouro para uma noitada inesquecível. Hoje tem mais. Aguarde.
Leia também:
– Tudo sobre o Primavera Sound 2012 (aqui)
– Tudo sobre o Primavera Sound 2011 (aqui)
– Tudo sobre o Primavera Sound 2010 (aqui)
junho 1, 2012 No Comments