Entrevista: “Tentamos juntar tudo: jazz, hip hop e rock, da melhor forma possível”, diz Chester Hansen, do BadBadNotGood

entrevista de Leonardo Vinhas

O BadBadNotGood está vindo ao Brasil – pela quarta vez. Em 2023, tocaram no Anhangabaú diante de um grupo de fãs de Lana del Rey que se portava entre a indiferença e a hostilidade. Dessa vez, tocarão antes do Dinosaur Jr. no Balaclava Fest no próximo domingo (ingressos aqui). Mas o BadBadNotGood não tem nenhuma ligação com a melancolia pop de Lana, nem com as microfonias e distorções de J. Mascis. Então o que faz a banda aparecer em destaque em eventos assim?

O baixista Chester Hansen até dá seu palpite sobre o tema nesta entrevista, mas este repórter também arrisca uma explicação: é que o BadBadNotGood conseguiu se destacar como uma banda jazzística para quem não é o público habitual do jazz, seja por trazer elementos de diferentes gêneros para dentro de sua nada previsível música, seja por haverem colaborado com nomes tão diferentes como Kendrick Lamar, Tyler the Creator, Ghostface Killah e Arthur Verocai, com quem tocaram em São Paulo em 2019, entre outros.

Na verdade, Hansen o tecladista Matthew Tavares e o baterista Alexander Sowinski criaram a banda ainda na faculdade, em 2010, com a ideia de trazer elementos do rock e, principalmente, do hip hop, à uma música de forte inspiração jazzística, mas que não ficasse confinada à tradição. Em 2016, o multiinstrumentista Leland Whifty se somou à formação, e o som, que já era bastante plural e pouco previsível, se tornou ainda mais maleável.

Puristas do jazz olham a banda com desconfiança, quem não é do jazz é capaz de jurar de pés juntos que eles são o que há de melhor… no jazz. Quem está certo? A banda, que não se preocupa muito com esse papo, e segue fazendo seus discos (seis álbuns até o momento), suas muitas colaborações, e tocando bastante ao vivo, com turnês que extrapolam o circuito tradicional do jazz.

A dois dias de embarcar para o Brasil, Chester Hansen abriu a câmera para conversar com o Scream & Yell e falar um pouco sobre esse “jazz que não é jazz”, música brasileira, lineups de festivais e sobre ouvir música com atenção.

Essa vai ser a quarta vez que vocês vêm ao Brasil. Em três delas foi para um festival: o primeiro era um festival de jazz (Nublu, 2016); o segundo, bem pop (MITA, 2023); e agora um de indie rock (vocês ainda vieram solo em 2019). Como é que vocês se encaixam em tantos eventos diferentes? (risos)
Isso é bem interessante. Estava falando com outro jornalista hoje justamente sobre como conseguimos fazer esses tipos diferentes de shows, como um festival pop com muito hip hop, e depois um de jazz tradicional. Acho que isso é um subproduto da maneira como as pessoas ouvem música hoje em dia e de como as fronteiras entre os gêneros estão diferentes do que costumavam ser, com as pessoas tendo gostos bem amplos. E é assim que o nosso gosto é, também, então acredito que é por isso que podemos estar em todos esses contextos.

Nesses eventos, vocês podem tocar em palcos muito grandes, como foi no caso do MITA, ou em palcos menores, como vai ser no Balaclava Fest. Como vocês adaptam as apresentações para que elas se adequem a cada ambiente?
Essa é uma boa pergunta. Tivemos bastante sorte de poder fazer os nossos shows em clubes pequenos para 200 ou 300 pessoas, assim como ter 5 mil pessoas que saíram de casa para nos ver tocar. E tem os festivais, cada qual com sua característica. E em cada lugar acabamos tocando de maneira um pouco diferente. Acabamos de fazer uma série de shows no Blue Note, em Nova Iorque, que é um pub bastante intimista de jazz. Nunca tínhamos feito nada do tipo, e foi bem interessante. Tocar em um festival em meio a diferentes artistas é algo no qual você está competindo pela atenção de pessoas que foram lá cada uma por uma razão diferente, mas por causa disso, você consegue ganhar novos fãs, justamente porque tocou para pessoas que não sabiam quem você era mas que estavam dispostos a descobrir algo novo, o que é realmente especial. Quando é muita gente e sentimos que todo mundo está muito distante e talvez nem esteja prestando atenção, podemos tocar mais alto, com uma energia mais rock. E se for mais intimista e mais tranquilo, podemos tocar de forma mais suave e com mais improvisos. É interessante interagir com o público dessa maneira e ver como isso evolui.

Ainda falando sobre como a música de vocês pode ser percebida de formas diferentes: a primeira vez que eu ouvi o álbum “IV” (2016) foi em vinil, com amigos. No dia seguinte, eu e um desses amigos fomos dar uma banda de carro, botamos o disco pra rodar via Bluetooth e… não parecia o mesmo disco (risos). É fato consumado que o streaming é a principal forma de ouvir música, mas queria saber como vocês, que pensam muito detalhadamente na sonoridade do álbum e dão importância ao vinil, veem o impacto desse formato na apreciação da música.
Eu tenho sentimentos conflitantes sobre isso. Nasci em 1992, então fui jovem antes do iTunes e, obviamente, do Spotify. Eu me lembro de ser um moleque que ficava baixando música pelo Napster ou pelo Livewire, e também comprando CDs, que eu ouvia 100 vezes cada, porque eles custavam uns 30 dólares e não dava para comprar muitos (risos). Com isso, você ficava muito familiarizado com cada disco que comprava, e acho que é a mesma coisa com o vinil. Obviamente, tudo mudou completamente há uns 10 ou 15 anos atrás. E é incrível, porque isso dá a chance de descobrir um monte de música boa que existe ao redor do mundo e que talvez nunca tivéssemos ouvido se não fosse pela internet, porque só foram lançadas mil cópias daquele disco em 1973 e não houve relançamentos nem nada. Mas aí você pode ouvir no YouTube ou em algum streaming. Mas ao mesmo tempo, é um pouco triste que as pessoas não mantenham a mesma atenção e o mesmo envolvimento que tinham antes: Até eu mesmo: eu coloco alguma coisa no Spotify, ponho pra rodar no carro, gosto do que ouço, mas nem vejo o nome da música tampouco me lembro dela depois (ri sem jeito). Sempre sentimos que a experiência de ouvir um álbum é importante e encorajamos as pessoas a nos ouvir dessa forma, porque é assim que apresentamos nossas criações, como álbuns. O vinil é muito importante para nós, mas entendemos que existem formas diferentes de se ouvir música e todas têm sua maneira de se manter com o tempo.

Vocês começaram quando ainda estavam na faculdade. Muitos anos se passaram, vocês viajaram pelo mundo, se tornaram profissionais, então obviamente não são mais aqueles garotos. Ainda assim, vocês mantêm uma coesão criativa dentro do que fazem. Como vocês conseguem se manter nessa coesão sem deixar que o tempo os distancie demais da premissa original da banda?
O interessante da nossa banda é que nunca tivemos um som específico ao qual fôssemos especificamente atrelados. No começo, o que se destacava era a energia: tocávamos covers e todas essas coisas diferentes que tentávamos juntar sob as lentes do jazz, mas com a energia do rock e uma produção maluca (risos). Acho que ainda temos essas influências, mas as coisas estão mais amplas hoje: tentamos achar caminhos diferentes para o que escrevemos juntos, e ouvimos coisas diferentes. Além disso, o que você compõe aos 32 não vai soar igual ao que você compunha aos 19 (sorri), nem pode. Alguns de nós temos filhos, nosso ritmo é outro, não é mais como se tivéssemos 19 anos e ficássemos bebendo cerveja e jogando conversa fora. Somos afortunados que tantas pessoas gostam de nossa música, embarcaram na nossa viagem e escutam as coisas que criamos, e por isso tentamos fazer o melhor que podemos, compondo e tocando da maneira mais honesta possível.

E o modo de compor mudou depois da entrada do Leland?
Ao longo dos últimos cinco anos, mudamos nossa forma de compor. Costumávamos estar juntos de 6 a 7 dias por semana, sempre fazendo tudo de uma vez, nessa “vai, vai, vai”, “compor, compor, compor”, “fazer turnê, fazer turnê, fazer turnê”. Agora temos mais tempo, então podemos fazer algumas composições individualmente, ou então aparecer com uma ideia que é apenas parte de uma composição e que vamos completar juntos. E isso é muito bacana, porque se você tem o tempo e a habilidade de fazer algo sozinho, o som vai ser diferente do que se estivéssemos todos juntos numa sala. O Leland toca tantos instrumentos diferentes – saxofone, violino, guitarra, clarinete, flauta – meio que pode tocar qualquer coisa, então ele é uma parte massiva e importante da composição e do estilo da banda.

Sei que já te perguntaram muita coisa sobre a relação de vocês com a música brasileira, então queria perguntar algo diferente: considerando o tipo de relação próxima que vocês tiveram com Arthur Verocai, tem algum artista brasileiro com quem vocês gostariam de tentar uma experiência semelhante?
Essa é realmente difícil (risos). No ano passado, tivemos a oportunidade de conhecer o Milton Nascimento, o que foi uma honra enorme para nós, especial mesmo. Estávamos com Arthur e com nosso amigo Tim Bernardes, d’O Terno. Honestamente, qualquer pessoa da geração do Arthur seria muito especial. E o que me fascina é que, com a idade que eles têm, estão todos tocando e gravando. Estão todos na faixa dos 70 ou 80 anos, e têm tanta vitalidade! Olha o Marcos Valle, por exemplo! É muito inspirador. Então, honestamente, qualquer um dessa geração seria sensacional para nós.

E se tiverem um tempinho para comprar discos aqui no Brasil, quais você gostaria de levar?
Tá aí outra boa pergunta! Eu não tenho muitos dos discos verdadeiramente clássicos de música brasileira, ouvi a maioria no streaming porque seria muito caro ter todos eles (risos). Então a lista seria muito longa! (risos)

Nosso tempo está acabando, então vou fazer duas perguntas rápidas. A primeira é que vocês colaboram com muitos artistas de música eletrônica, além de terem vários remixes das suas composições. Muitos músicos de jazz são puristas quanto a isso, e ainda existe, no meio, o preconceito contra a “música feita no computador”. Não te surpreende que, em pleno 2024, ainda tenha gente que insista nesse papo de que não é “música de verdade” se for feita com máquinas?
(ri) Acho que a maioria das pessoas, mesmo as que têm uma abordagem mais hardcore do jazz, têm uma mentalidade mais aberta para o que aparecer de novo na música. Veja o Herbie Hancock, que usou os primeiros sintetizadores e baterias eletrônicas quando eles ainda eram uma novidade. Mas sim, existem pessoas que valorizam a música analógica em detrimento da eletrônica. Mas existe inspiração e musicalidade a serem tirada de todo lugar e toda forma de música, e muitas das coisas mais criativas que tenho ouvido vêm de gente que nem sabe tocar um instrumento, mas que sabem produzir muito bem ou usar muito bem um sampler ou um computador, como o J Dilla.

E a segunda: o festival onde vocês vão tocar certamente terá na plateia fãs do BadBadNotGood, mas é provável que a maior parte do público seja de fãs de indie rock na faixa dos 40 anos (risos), especialmente fãs do Dinosaur Jr. O que você diria para essa pessoa, que talvez nem tenha ouvido falar de vocês?
Espero que eles ouçam algo do que eles possam gostar. Boa parte da nossa abordagem ao vivo é inspirada por bandas dessa mesma era, que tinham muita energia no palco, e faziam coisas autênticas e honestas. Tentamos juntar tudo: jazz, hip hop e rock, da melhor forma possível, e espero que as pessoas gostem disso.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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