entrevista de Luiz Mazetto
Cerca de quatro anos depois de pegar muita gente de surpresa com “Alphabetland” (2020), que trazia a formação original da banda em um disco pela primeira vez em mais de 30 anos, o X surpreendeu de novo ao anunciar recentemente o lançamento de último álbum de estúdio, “Smoke & Fiction” (2024), que chegou oficialmente ao mundo no início de agosto, novamente pelo selo Fat Possum, para colocar um ponto final na discografia da lendária banda punk de Los Angeles.
Assim como seu antecessor, o novo e derradeiro trabalho traz o quarteto formado por John Doe (baixo/voz), Exene Cervenka (voz), Billy Zoom (guitarra) e DJ Bonebrake (bateria) em altíssimo nível e voltagem. Com 10 músicas e uma duração abaixo de 30 minutos, o disco mantém a intensidade do início ao fim, com destaque para faixas como “Sweet Til the Bitter End” e “The Way It Is”, favoritas da casa, além dos singles “Ruby Church” e “Big Black X”.
Na entrevista abaixo, feita no fim de agosto por telefone, a vocalista Exene explica a razão para a banda voltar a gravar um disco depois de “Alphabetland”, que chegou no meio da pandemia e não contou com uma turnê de divulgação, fala sobre as expectativas para a turnê de despedida The End Is Near, relembra os shows que fizeram no Brasil e na América do Sul com o Pearl Jam em 2011, fala sobre as diferenças entre as cenas punk de Los Angeles e Nova York, comenta sobre a importância do The Doors para a sua vida e muito mais.
Em primeiro lugar, obrigado pelo seu tempo e parabéns pelo disco novo (e final) da banda. Gostaria de saber se vocês já sabiam desde o começo do processo de produção, quando estavam começando a escrever as músicas, que esse seria o último álbum da banda ou se foi algo em que pensaram durante o processo criativo?
Não muito quando estávamos escrevendo as músicas, não. Mas, no estúdio, levou muito tempo para todas as músicas serem escritas, ensaiadas, tocadas ao vivo e, em seguida, ensaiadas novamente e gravadas. E ficou meio óbvio que, se fôssemos fazer isso novamente, levaria mais dois anos, sabe? Então, eu não acho que teríamos essa disposição para fazer tudo de novo. Mas eu não diria que, talvez, não possamos vir a gravar uma música por um motivo especial, sabe, como para um disco beneficente, a trilha-sonora de um filme ou algo assim – nós provavelmente faríamos isso. Mas não acho que a gente tenha interesse em fazer todo o processo de gravação (de um disco completo) no estúdio novamente.
E saber que esse seria o seu último disco como uma banda fez com que vocês talvez vissem as coisas de uma maneira diferente, desfrutassem mais, focassem mais, se divertissem mais? Ou seja, mudou algo, por exemplo?
Acho que não. Penso que quando você está no estúdio, você está apenas pensando em como fazer um bom disco. E isso dá muito trabalho. Não vivemos na mesma cidade. O John mora no Texas (em Austin), então ele vinha para cá (Los Angeles), a gente ensaiava por uns quatro ou cinco dias e depois ele voltava. Então fazíamos um show e tocávamos músicas novas ao vivo, tinha coisas que a gente esquecia, então ficávamos pensando “Como é que era mesmo?”. Meio que constantemente reaprendendo e tocando de novo. Foi trabalhoso. Mas acho que às vezes as coisas ficam meio óbvias quando elas ficam um pouco mais difíceis de fazer. Por exemplo, sair em turnê é difícil. Então isso é uma coisa em que todos podem concordar, do tipo “bom, não vamos fazer 100 shows viajando em uma van, ficando em hotéis. Vamos fazer festivais e tentar tornar as coisas mais fáceis e divertidas”. E então todo mundo fica doente, eu sempre fico com um resfriado horrível e é realmente muito difícil. Mas ainda amamos fazer isso. Talvez se a gente tivesse um ônibus de turnê ou algo assim, as coisas seriam diferentes. Mas não temos, então fica difícil.
Com exceção de algumas músicas, como “The Way It Is”, o disco é bastante cru e urgente no geral – e muito curto também. Houve algo específico que te inspirou a escrever essas músicas e letras nos últimos quatro anos, desde o lançamento do “Alphabetland”? Porque, obviamente, muita coisa aconteceu no mundo nesse período, com a pandemia e tudo mais. Ou vocês focaram mais na banda em si e nos quase 50 anos de história do X?
Bem, acho que quando fizemos “Alphabetland” (2020), estávamos trabalhando nele e eu sabia que a Covid estava chegando. Muitas pessoas disseram: “Ah, não vai ser tão ruim”. E eu pensava: “Vai ser realmente ruim, vai ser muito ruim”. E eu estava completamente apavorada, pensando: “Oh, Deus, isso pode ser o fim de tudo, não sabemos”. Então, não tivemos a chance de fazer uma turnê ou realmente fazer algo com aquele álbum. Ele simplesmente saiu e foi isso. E, por isso, uma das razões para fazermos outro disco foi: “Ok, temos que fazer isso de novo agora”. Porque aquilo não foi justo, então resolvemos fazer tudo de novo, gravar outro álbum porque, desta vez, queremos sair, tocar ao vivo e que as pessoas ouçam e que isso seja importante para elas. Essa foi a razão. Se “Alphabetland” tivesse saído e tivéssemos conseguido fazer uma turnê e tudo estivesse normal, talvez não tivéssemos feito “Smoke & Fiction”. Talvez teríamos dito: “Ok, fizemos um bom trabalho, estamos prontos (para parar)”. Mas, por causa disso, acho que decidimos seguir um pouco mais para fazer tudo certo. Eu não queria fazer um álbum e depois dizer: “Ok, fizemos esse álbum e então aconteceu isso. Ok, acho que a banda acabou”. Isso não é algo bom. Então, acho que transformamos essa situação e dissemos: “Bem, vamos fazer algo diferente, vamos continuar”.
E vocês pensaram talvez de forma consciente sobre as diferentes fases da banda? Porque parece que o disco realmente captura a essência da banda em suas diferentes versões. Isso foi algo em que vocês pensaram enquanto estavam compondo ou apenas aconteceu naturalmente?
Acho que muitas pessoas apontaram algumas coisas que eu conversei com jornalistas e que acho que são verdadeiras, mas que não estávamos pensando na hora. Mas, quando você olha para trás, você diz: “Sim, entendo por que você diria isso. Definitivamente tem esse aspecto. Sim, é uma reflexão de certa forma”. Eu acho que a melhor forma de escrever músicas é se divertir e aproveitar o que você está fazendo. A maneira como eu escrevo músicas é que gosto de brincar com as palavras e de criar canções que sejam mentalmente estimulantes e interessantes, que façam as pessoas pensarem. Isso é tudo o que eu considero ao escrever uma música, não penso muito em como elas se encaixam ou no que elas são. A música “Big Black X” foi apenas algo em que estava trabalhando enquanto gravávamos. Depois de gravarmos as tracks básicas e voltarmos ao estúdio do Rob Schnapf, que também produziu o álbum anterior, eu estava apenas escrevendo. O John estava cantando e olhou o que eu estava fazendo e disse: “Oh, sabe de uma coisa? Vamos fazer isso como uma música”. Então gravamos as tracks básicas, mas nos preocupamos em como tudo iria se encaixar muito depois. Sabíamos que íamos tentar, então foi: “Vamos fazer isso e talvez entre no álbum, talvez não”.
Teve uma outra música em que trabalhamos, mas acabou não entrando no álbum. Era uma canção instrumental que eu queria fazer com saxofones, guitarras e vibrafones, algo assim. Mas não se encaixou no álbum e não saiu tão boa quanto esperávamos, porque isso acontece às vezes. Não temos muito dinheiro extra para ficar testando ideias, tipo: “Vamos tentar isso. Não funcionou? Bem, vamos voltar na próxima semana e tentar outra coisa”. É mais como: “Você teve sua chance, não funcionou. Vamos para a próxima música”. É assim que trabalhamos, porque simplesmente não temos tempo ou dinheiro para fazer de outra forma. Estúdio é caro. Então, o que acabou no álbum foi o que saiu melhor, e trabalhamos muito, muito duro nisso. Não foi fácil, mas foi prazeroso.
Isso é legal de saber. Porque é um disco muito prazeroso de ouvir, aliás. Você tem alguma música favorita que está mais animada para tocar na turnê?
As músicas que eu mais gosto e que saíram melhor para mim no estúdio como vocalista foram “The Way It Is” e “Ruby Church”, porque realmente gostei das partes que criei para essas faixas. Acho que elas são bem diferentes de tudo que fiz antes e estou meio orgulhosa delas nesse sentido, porque fiz coisas diferentes. Essa é uma das razões pelas quais amo essas músicas. Mas realmente gosto de tocar “Smoke & Fiction” ao vivo. Não vamos conseguir tocar todas ao vivo, algumas não se encaixam tão bem. Mas não há nenhuma música que eu não goste. Porque às vezes você pensa: “É, era uma ideia até que legal, mas acabou não funcionando tão bem”. Mas eu acho que todas essas músicas ficaram ótimas, estou realmente feliz com todas elas. E muito contente com a resposta que estamos recebendo dos nossos fãs. O feedback tem sido ótimo, e isso tudo realmente nos deixa felizes.
E, já que será a última grande turnê, vocês estão planejando um setlist especial cobrindo todos os discos? Como estão trabalhando isso, estão pensando em mudar o dia um pouco a cada show?
Não (estamos planejando nada), tocar ao vivo é diferente de tudo o mais. Serão apenas as músicas que gostamos de tocar ao vivo. Então, o set incluirá algumas músicas antigas, porque temos que tocar determinadas músicas, realmente precisamos. Mas nós tocamos as músicas que funcionam melhor ao vivo, e algumas músicas simplesmente funcionam melhor que outras. Elas são mais divertidas de tocar ao vivo e é o que as pessoas querem ouvir. Temos sorte porque a gente não precisa tocar nada que a gente não queira. Não é como: “Ah, temos que tocar essa música, eu odeio essa música”. Podemos tocar as músicas que realmente queremos. Temos muitas músicas, então os shows são ótimos. Não temos nenhuma preocupação com isso.
E você acredita que tem alguma chance de vocês fazerem shows fora dos EUA nessa última tour, talvez voltar para a América do Sul?
Nós fomos muito sortudos de o Pearl Jam ter levado a gente para tocar com eles na América do Sul, América Central e México porque não conseguiríamos ter ido de outra maneira. E eles não precisavam levar a gente. O Pearl Jam não precisa ter ninguém abrindo para eles, nunca, e isso foi apenas algo que eles fizeram por respeito e pela bondade no coração deles. E amo o fato de eles terem feito isso por nós porque foi uma das melhores experiências da minha vida. Ainda mantenho contato com algumas pessoas que conheci nessa turnê, no Chile. O público era apenas… foi um milagre, sabe? Foi incrível. Nunca tivemos nada parecido acontecendo conosco antes. Algumas pessoas disseram “Ah, vocês deveriam voltar”, mas é meio caro para nós fazermos isso. E realmente não temos o dinheiro, não conseguimos arcar com isso. Não ganharíamos dinheiro suficiente. E, de novo, é aquela coisa de ser mais velho, sabe? Não podemos simplesmente entrar na van e fazer uma turnê pelo país assim. É muito difícil. É como se não tivéssemos só que conseguir levar o equipamento, foi o Pearl Jam que tornou isso possível. Seria muito difícil de outra forma. Mas eu ainda tenho esperança. Espero que haja um festival ou algo que possa nos trazer de volta. Eu adoraria isso. Acho que seria maravilhoso, porque todos nós realmente tivemos uma ótima experiência, sabe? E se pudéssemos fazer isso de novo, faríamos.
E como você vê o legado da banda, agora que estão meio que fechando o livro quase 50 anos depois que começaram a tocar juntos?
Sabe, é algo em que as outras pessoas pensam mais do que a gente mesmo. Eu penso mais no que vamos fazer na próxima semana. Nós nunca paramos realmente de tocar, mesmo quando o Billy não estava na banda por um breve período, nós continuamos tocando. E não é algo como “Oh, lembra quando nós éramos jovens e costumávamos fazer isso?”. É mais algo como “Nós ainda estamos fazendo isso”. Então para nós não é muito como uma retrospectiva. Olhando para trás, é mais como se pensássemos sobre as coisas engraçadas que aconteceram ou como “Lembra disso ou daquilo?”. Então não é muito um lance de nostalgia porque nós sempre seguimos em frente.
Você lembra da primeira vez que você e o John perceberam que tinham essa harmonia vocal entre os dois que combinava tanto? Tipo, quando foi a primeira vez que vocês cantaram juntos e perceberam que tinham algo especial?
Você não pensa realmente nisso porque naquela época todo mundo estava apenas fazendo o que tinham vontade de fazer e era apenas algo como “Vamos tentar isso”, “Ah, ok, acho que soa bem”. E ninguém tinha realmente muitas ideias calculadas. Eram apenas pessoas testando coisas e todo mundo podia fazer tudo, todo mundo estava fazendo todo tipo de música. O que era bom é que você não precisava ser uma ótima vocalista. Ajudava poder contar com o John, o Billy e o DJ, que são ótimos músicos, isso realmente era algo importante. Mas também me fez pensar algo como “Uau, por que estou em uma banda com esses caras? Eles são muito melhores do que eu. Eu nem sei o que estou fazendo”. Então eu apenas corria pelo palco e cantava e fazia qualquer coisa que eu quisesse, apenas sendo muito selvagem. Esse era o meu ponto forte, apenas estar lá e realmente me conectar com as pessoas, me divertindo de verdade e levando elas, sendo meio que uma líder do que nós estávamos fazendo, para que as pessoas pudessem ter uma experiência. Porque o punk era sobre isso, sobre a experiência, sobre o momento. E felizmente isso foi antes da Internet, das câmeras e de tudo mais. Então tudo era aquele segundo e depois acabava, tinha passado. E você tinha de lembrar o que você tinha visto, você não podia reviver aquilo quando voltava para casa. Você tinha apenas que sair e fazer de novo. E ninguém sabia o que cada um faria da próxima vez que te visse. Eu não sabia o que ia fazer, o que ia vestir, como ia me comportar, se ia beber demais ou se ia agir de uma forma ou de outra. Eu não tinha limites e realmente não controlava o que fazia. Eu simplesmente saía e fazia o que achava que deveria ser feito no momento, e acho que é por isso que era ótimo. A música ao vivo é assim, sabe? Então, foi um tempo realmente maravilhoso e imaginativo, de liberdade para todos. Com o tempo, acho que me tornei uma cantora muito melhor, e agora sou realmente uma boa cantora, o que é bom, porque não posso mais ser selvagem e correr em círculos como costumava fazer. Não consigo mais fazer isso, não tenho mais essa capacidade. E não é a mesma coisa. Não existiam barreiras entre o público e a banda. Era como uma coisa só, eles estavam bem ali na frente, e agora há todas essas barricadas, todo mundo tem essa ideia de que precisamos ter barreiras, então o público fica a 1,80 m de distância por causa da segurança. Não podemos deixar as pessoas tocarem na banda. E eu entendo isso, estou bem com isso agora, porque não quero me machucar, porque as coisas podem ficar bastante intensas. Então é diferente, diferentes forças em diferentes momentos. Se você viver o suficiente, pode passar por diferentes coisas. E a sua carreira se torna algo diferente, sabe?
Em uma entrevista recente, você mencionou a Lucinda Williams como uma das suas cantoras favoritas. Por isso, queria saber se você lembra quais eram as suas cantoras favoritas quando começou a cantar?
Bem, eu apenas gostava do que estivesse tocando e realmente amo música antiga. Não sou muito fã das novidades. Sempre me vi como uma pessoa visionária que vive no passado, e é exatamente isso que sou. Gosto de coisas antigas, de música antiga, de cultura antiga. Sou muito histórica em relação a essas coisas. Nós íamos ver qualquer um que estivesse tocando, assistimos a todas as grandes bandas. Tivemos sorte por estar vivendo em Los Angeles naquela época. Tivemos a chance de ver Devo, The Damned e todas essas pessoas na primeira vez que elas vieram para LA. Claro, isso foi uma grande influência para todos, poder ver todos aqueles artistas incríveis. Mas eu nunca quis ser como ninguém, eu não tinha a habilidade de imitar ninguém. Não sou o tipo de cantora que pensa: “Ah, se eu fizer isso, vou soar como aquela pessoa, vai ser ótimo.” Eu simplesmente fazia o que fazia porque não conseguia fazer nada diferente. Era tudo que eu tinha. Eu esperava que as pessoas gostassem, mas não sabia se elas realmente iriam gostar. Eu gostava de todas as bandas. Eu realmente amava Blondie, mas nunca quis ser como o Blondie. Nunca foi meu desejo ser como eles. Eu só queria ser eu mesma.
E o que você acredita que tornava a cena punk de Los Angeles tão especial? Porque quando você compara com outras cenas importantes da época, como Nova York e Reino Unido, a cena de LA sempre pareceu um pouco mais aberta e estranha, no bom sentido, com um pouco mais de liberdade.
Bem, isso é algo que o John fala e que eu aprendi com ele. Nós tínhamos carros; em Nova York não. Eles tinham que levar os equipamento no metrô para chegar ao show. Era frio, era escuro. Nós não éramos ricos, não tínhamos dinheiro, mas podíamos sair no quintal, comer laranjas ao sol e pegar o carro para ir a Hollywood e assistir a um show. Podíamos enlouquecer e nos divertir muito indo a qualquer lugar que quiséssemos. Quando você vive em Hollywood ou em algum lugar assim e pode dirigir até o oceano porque quer, você chega lá e é algo incrível, especialmente se você não teve o oceano onde cresceu. E você vê isso, ouve “Moonlight Drive” do The Doors e pensa: “Uau, é exatamente como era quando os Doors estavam aqui. Isso é incrível”. Havia todos os tipos de pessoas na rua: motociclistas, hippies, pessoas de cabelo comprido Todas essas culturas se misturavam enquanto caminhavam pelas ruas.
Outra coisa especial sobre LA era o nosso senso de humor. Não éramos sombrios, não tínhamos aquela vibe pessimista, niilista, do tipo “Ohhh”. Quando tocamos em Berlim pela primeira vez, há muito tempo, em nossa primeira turnê, o clube tinha paredes pretas e era muito escuro. Todo mundo estava fumando e vestindo roupas escuras. Quando subimos ao palco e começamos a tocar, algumas pessoas na plateia começaram a gritar algo para mim. Eu estava acostumada com isso, mas não conseguia entender o que elas queriam. Então começaram a jogar moedas, tentando acertar a gente. Fiquei pensando: “O que vocês acham que é isso aqui ?”. Finalmente, uma mulher gritou para eu dizer ao Billy Zoom (guitarrista da banda) para ele parar de sorrir – “Por que ele está sorrindo? Diga a ele para parar de sorrir!” E eu fiquei pensando: “O quê????” Eles queriam que fôssemos mais sombrios, de heroína, com aquele estilo realmente profundo e estranho. Mas nós nunca fomos assim. Eles não gostaram de nós, e não sei, tocamos lá depois, claro, e acho que nos saímos melhor, mas nunca foi nossa intenção ser uma banda sombria. Então, eles não nos entenderam da primeira vez que fomos lá. Foi uma experiência única, era a nossa primeira vez lá, talvez só tivessem visto bandas desse estilo e não entendiam por que éramos considerados uma banda punk. Isso foi interessante e engraçado.
Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e porque eles fizeram isso.
O primeiro disco que mudou a minha vida, que mudou a minha vida da forma mais importante e para sempre, foi o primeiro disco do The Doors (autointitulado, de 1967). Eu realmente gostava de onde cresci, que era uma área rural, não havia uma cidade de verdade. E eu nunca tinha ido a nenhum show, tinha uns 11 anos. Então, tudo que tínhamos era o rádio no carro, e não íamos a lugar nenhum apenas porque não era esse tipo de época, era só brincar do lado de fora de casa. Mas os Beatles já tinham aparecido, você podia ver na TV e ouvir no rádio. Tínhamos um toca-discos, mas estávamos a um milhão de quilômetros da Califórnia, dos Beach Boys e tudo isso. Não tínhamos conexão de uma forma realista. Era só música que amávamos, e pegávamos as revistinhas quando podíamos. Mas “Light My Fire” estava sempre tocando no rádio, e era a versão curta da música. Certa vez, estávamos no carro com os meus pais, e não era como se tivéssemos muito diálogo. Não havia muita arte, música ou livros em casa, e meus pais não eram muito calorosos, sabe? Então, eu estava sozinha no banco de trás quando “Light My Fire” começou a tocar. Minha mãe aumentou o volume porque sabia que eu gostava da música, e era a versão longa. Eu provavelmente tinha ouvido a versão curta umas cinco ou seis vezes, e fiquei literalmente maravilhada. Era como se eu estivesse diante das portas da percepção. O que eles fizeram foi muito mais do que música, e isso me mudou para sempre. Depois, minha mãe me deu esse disco de presente de Natal. Junto com ele, ela também me deu o disco do Glen Campbell e da Bobbie Gentry (clássico do country, lançado em 1969), que também foi outro disco que mudou a minha vida. Então, naquele ano, tudo mudou para mim com esses dois discos.
Depois disso, estou tentando pensar em mais algum, acho que foi quando comecei a sair com o John (Doe). Quando o conheci, ele começou a me mostrar discos de pessoas que eu não conhecia, como o Mose Allison, de que ele gostava. Mas nada se compara a aqueles primeiros dois. No entanto, eu diria que houve uma experiência coletiva de aprendizado quando conheci o John, porque ele me apresentou todas aquelas coisas, como Mose Allison, e isso provavelmente mudou minha visão sobre quem ele era e quem eu poderia ser e o quanto a música poderia ser ampla, indo além do Chuck Berry, do punk e tudo mais. Para mim, ter o rádio do carro nos anos 1960 era insano. Você ouvia uma música do Ray Charles, depois uma do Johnny Cash, uma dos Beatles, e então uma da Petula Clark, e ainda outras, como a Tammy Wynette. Todas essas coisas incríveis ficavam misturadas. E a qualidade das composições, das performances, dos arranjos e da produção era fantástica. Estar no carro ouvindo tudo isso foi algo que as pessoas de hoje não sabem como é. Era tudo muito transformador.
Você tem uma carreira e tanto com o X, gravando alguns dos discos mais importantes do punk e da música dos EUA nos últimos 50 anos, tendo inclusive gravado com o Ray Manzarek, do The Doors. Você também lançou discos solo, de spoken word, trabalhou no cinema como atriz, publicou livros solo e também com a Lydia Lunch. Por isso, queria saber do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Bem, eu também tenho uma carreira de arte muito boa, fazendo colagens, exposições e coisas assim. Isso ainda está em andamento. Mas acho que o que realmente importa é que eu superei meu medo de cantar em uma banda e continuei fazendo isso, sem me importar com o que as pessoas dissessem ou pensassem que eu deveria ou não deveria ser. Nunca fiz concessões. E, por não fazer concessões, às vezes eu errei e fui imprudente, e não tinha controle sobre o que estava fazendo em alguns momentos. Então, às vezes eu me metia em problemas, como entrar no carro com as pessoas erradas. Mas eu tinha essa mentalidade destemida, de aventura na vida, sem pensar no amanhã, e isso acabou me servindo bem. Não funciona para todo mundo; muitas pessoas não sobrevivem a isso. Então, sou grata. Não sei se estou orgulhosa, mas sou muito grata por ainda estar viva, por a banda ainda estar tocando, por termos conseguido fazer outro disco e por as pessoas gostarem. E as pessoas se importam, como você. As coisas que você diz são tão incrivelmente gentis, e eu acho que é verdade, sabe? Mas sim, acho que é importante manter a humildade, porque, na verdade, somos apenas uma banda. Apenas uma banda, você sabe o que quero dizer? (risos) Enfim, muito obrigada.
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!