Entrevista: Leif Vollebekk fala sobre Prince, Tom Petty, “I Ching”, filosofia e seu novo disco, “Revelation”

entrevista por Alexandre Lopes

“Está tudo bem se eu desligar minha câmera? Eu fico um pouco envergonhado se olhar meu rosto constantemente”. O encontro que o Scream & Yell teve via Zoom com o cantor, compositor e multi-instrumentista canadense Leif Hollenbeck começou assim, de uma forma inusitada. Mas ao longo dos 15 minutos que tivemos para conversar sobre seu novo álbum, “Revelation” (2024), lançado no final de setembro, o suposto gelo se quebrou e o artista se mostrou uma pessoa muito amigável e solícita, a ponto de contar sobre como um sonho com Jeff Buckley deu origem a uma canção, aceitou de bom grado comparações com Tom Petty e divagou em comparações profundas entre música e filosofia.

Originário de Ottawa, Leif reside em Montreal. Após dois álbuns, “Inland” (2010) e “North Americana” (2013), o artista passou a chamar atenção em 2017, com o disco “Twin Solitude”. Seu primeiro lançamento pela Secret City Records, o registro figurou na lista de finalistas do Polaris Music Prize e recebeu uma indicação para o Juno Awards, batendo mais de 60 milhões de streams. Com “New Ways” em 2019, o cantor acumulou participações em trilhas de séries como “Feel Good” e “Lovesick” da Netflix, “The New Pope” da HBO, “The Bold Type”, “Wisdom of the Crowd”, entre outras. Após turnês pela América do Norte, Europa e Austrália, Leif retorna agora com “Revelation“.

Gravado no icônico Sunset Sound e no Dreamland em Woodstock, “Revelation” traz arranjos cinematográficos, detalhes de orquestrações e composições sensíveis, com temas espirituais e realistas. O primeiro single, “Peace of Mind (Evening)”, resume a obra em um formato pop singelo e etéreo sobre pensamentos que surgem ao longo de uma viagem cotidiana de carro. Mas “Revelation” vai além disso: o processo criativo das letras foi influenciado pelos escritos Carl Jung em uma edição do “I Ching”, um dos mais antigos e importantes livros de filosofia chinesa, passando pela alquimia e o mistério do divino. O resultado é um álbum que convida ouvintes a uma meditação sobre a existência em constante mudança.

Para “Revelation“, Leif Vollebekk contou com um time de músicos incluindo o renomado baterista Jim Keltner (Travelling Wilburys, Carly Simon, Bee Gees, John Lennon, Steely Dan, Neil Young, entre tantos outros), a guitarrista Cindy Cashdollar (Bob Dylan, Van Morrison e Rod Stewart) e o baixista Shahzad Ismaily, além de backing vocals de Angie McMahon e Anaïs Mitchell. A produção ficou por conta do próprio Vollebekk e a mixagem ficou a cargo de Tchad Blake – conhecido por seu trabalho com artistas como Tom Waits, Arctic Monkeys e Tracy Chapman.

Durante nossa conversa, Leif estava em Berlim no meio de uma turnê pela Europa e expressou seu desejo de se apresentar na América do Sul, especialmente no Brasil, em 2025. “Adoraria ir ao Brasil! Eu realmente amo tocar essas músicas e seria ótimo fazer isso por aí”, disse, empolgado com a possibilidade. Confira o papo na íntegra abaixo.

Você está lançando seu quinto álbum, chamado “Revelation”. Por que esse nome? Existe algum tipo de conceito por trás dele?
Bem, eu não sei exatamente o porquê. Sei que é uma palavra que me interessou muito enquanto trabalhava neste disco. Quando penso sobre isso, sempre me lembro de como é ouvir um álbum e o que me excita nisso. Meus álbuns favoritos têm títulos que são realmente abertos e permitem que minha mente divague. Por exemplo, a maioria dos álbuns do Bob Dylan, como “Time Out of Mind” ou “Desire”. E a Sharon Van Etten tem um álbum chamado “Epic”, e eu me lembro de pensar que eu adorava que ela escolheu esse nome. Isso me fez sentir que ela estava brincando, mas também sendo amigável e dizendo: “Ei, eu realmente me importo com este álbum”. Então, há algo em “Revelation” que simplesmente parece que é o que este álbum era e queria ser.

Você mencionou Bob Dylan e consigo perceber algumas influências dele nas suas músicas e coisas assim. Estive ouvindo o álbum e é realmente lindo. Parabéns!
Obrigado!

A primeira faixa, “Rock and Roll”, me lembrou um pouco da vibe de uma música do Tom Petty chamada “Walls”. E quero deixar claro que isso é um elogio, não me entenda mal!
Oh meu Deus! De qual álbum é essa música?

Acho que é uma faixa de trilha sonora de um filme. O clipe é em um circo e costumava passar na MTV há muito tempo.
Oh meu Deus, vou ouvir isso imediatamente depois da entrevista!

Ouça, acho que você pode gostar e me lembrou um pouco dela…
Bem, eu crio uma playlist para mim mesmo quando trabalho em um álbum ou estou escrevendo. Às vezes, faço uma lista de músicas que simplesmente amo, músicas que realmente me tocam. Havia muitas músicas do Tom Petty nessa playlist. É engraçado que você mencione isso, porque eu meio que tinha esquecido. Enquanto trabalhava neste álbum, em um determinado momento, senti uma conexão muito forte com Tom Petty. Uma das coisas que notei na playlist foi que havia muitas músicas do Tom Petty e, além disso, percebi que ele usa pandeiro em quase todas as suas músicas. Quase todas as músicas da playlist tinham pandeiro, especialmente nos refrões, junto com a caixa da bateria. E claro, a guitarra de 12 cordas – ele fez isso porque os Byrds também usavam. Então, me lembrei de que queria trazer um pouco do Tom Petty (nota:o baterista do disco de Leif, Jim Keltner, tocou com Tom Petty nos Travelling Wilburys). É engraçado que eu tinha totalmente esquecido disso, mas tem guitarra de 12 cordas nesta música pela primeira vez. Então, você me pegou, mas não conheço a música “Walls”. Prometo que não roubei dela, pois não estava na playlist (risos).

Li em algum lugar que essa música veio a você em um sonho, como se Jeff Buckley estivesse tocando para você. É isso mesmo?
Sim. Eu acordei um dia durante a pandemia e acho que estava pensando sobre como deveria estar em turnê naquele mês, mas tudo havia sido cancelado. Então, deve ter sido por isso que eu sonhei que estava em uma sala de ensaio com ele, e ele estava tocando essa música. Eu estava acompanhando e ele tocava muito rápido. Era só nós dois, e eu conseguia ver as mãos dele. Eu estava apenas seguindo o que ele fazia na guitarra. Então, ele começou a cantar “Rock and Roll” bem alto, e eu lembro que os pelos dos meus braços estavam em pé, foi tão emocionante. Quando acordei, pensei: “Que sonho incrível! Eu amo essa música”. Era tudo muito claro. De repente, percebi: “Espere um minuto, ele não escreveu essa música.” E eu fiquei pensando: “Quem escreveu essa música?” Acho que é por isso que a letra diz “não é uma das que eu escrevi”, porque eu realmente não sei quem escreveu.

Você se lembra se teve alguma outra experiência desse tipo com outra música antes?
Sabe, não! Aconteceu apenas dessa vez. O engraçado sobre essa música é que no final eu comecei a fazer um tipo de “shoo-doo-wop”, que me fez pensar no Little Richard. Eu pensei: “Isso é meio bobo, não dá para colocar isso em um álbum hoje em dia. Esse é um rock and roll old school, só o Little Richard pode fazer isso.” E então, três dias depois que escrevi isso, soube que o Little Richard tinha morrido. Estava nas notícias que ele havia falecido, e a manchete dizia: “O arquiteto do rock and roll morreu”. E o que é louco é que a música se chama “Rock and Roll”. Então, não sei se isso conta para alguma coisa, mas foi bem assustador. E, claro, no mês passado descobri que a música “Rock and Roll” do Led Zeppelin é, na verdade, John Bonham imitando uma música do Little Richard. O intro da bateria é isso, porque não é um tempo normal em 4/4; é como se fosse uma barra e meia ou algo assim, e depois duas barras completas. Então, achei isso realmente estranho!

Faz sentido, eu nunca tinha percebido a influência do Little Richard nisso.
Sim, é realmente impressionante! Se você ouvir, vou encontrar o nome da música para você. É a mesma coisa, é louco.

O seu novo álbum foi gravado no Sunset Sound, em Dreamland, em Woodstock, Nova York. Quanto tempo levou para gravar e como foi a experiência?
Bem, foi bem legal. A maior parte foi gravada no Dreamland. Eu fiz uma sessão bem curta no Sunset Sound para gravar com Jim Keltner lá, em um piano incrível. Eu fiz acho que quatro sessões de gravação ao vivo. Fiquei uma semana no Dreamland, configurei todos os microfones, ajustei os sons e fizemos takes ao vivo por quatro dias. Depois, tirei um mês de folga para levar tudo para meu estúdio em casa, onde fiz todas as outras partes. Foi bem maçante e demorou bastante. Depois disso, fiz três dias no Sunset, e um mês depois tirei outro descanso para ouvir. Gravei mais quatro dias no Dreamland e tirei dois meses de folga. Então, voltei ao Dreamland para uma última sessão. Mas, durante todo esse tempo, estava sempre trabalhando no estúdio em casa, fazendo pequenas mudanças. É tudo gravado ao vivo, mas é como disse para um amigo, é como tirar uma fotografia no estúdio. Eu canto ao vivo, a bateria é ao vivo, o piano é ao vivo, e não mudamos nada – sem notas alteradas, sem autotune, nada disso. No meu estúdio em casa, posso adicionar um sintetizador, um pouco de violino, um acordeão ou um trovão ou solo de guitarra. É como pintar em uma fotografia; quase como CGI – a atuação é real, mas depois mudamos o céu.

É como se você apenas adicionasse alguns detalhes.
Sim, exatamente. Uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos é “Purple Rain”, do Prince. E o que é louco sobre “Purple Rain” é que algumas músicas daquele álbum vêm de um show ao vivo que ele fez no First Avenue, em Minneapolis. Mas depois ele adicionou cordas, sabe? Ele colocou camadas extras. Tem algo nessa música que, toda vez que a ouço, parece nova. E eu sei que é por causa da energia de uma apresentação ao vivo, onde ninguém está realmente no controle. Ninguém planejou tudo aquilo; definitivamente não foi feita em um computador. É como se você pudesse quase entrar na sala toda vez que ouve “Purple Rain”. Você pode sentir que está na plateia, quase cheirando as roupas das pessoas e quase indo até elas, porque é algo que realmente aconteceu.

Tem um vídeo no YouTube com a performance de “Purple Rain” do álbum. Eu não sei se você já viu.
Bem, sim, é do filme, né? Mas o que é engraçado é que eles sincronizaram tudo muito bem. Na verdade, não sei se alguém percebeu isso, mas está na tonalidade errada porque aceleraram a música. O álbum está em si bemol, e se você assistir no YouTube, está em si maior porque eles queriam que a música soasse mais rápida. Uma curiosidade divertida! Você vai notar que ele está tocando diferente, mas não importa. É louco, né?

O processo de escrita para “Revelation” foi inspirado por uma exploração que começou com o I Ching. Carl Jung e outros textos antigos. Como isso surgiu? Você sempre teve interesse nesse tipo de assunto?
Não, na verdade, não muito. O que aconteceu foi que Carl Jung escreveu a introdução. Eu tinha um livro de ensaios dele, que acho que minha namorada me deu, mas não tenho certeza de como consegui. Enfim, um dos textos lá não era bem um ensaio; era a introdução ao “I Ching”, que foi traduzido por um amigo dele, Richard Wilhelm. É um livro que tem milhares de anos. É meio difícil de explicar. Ele escreveu a introdução para explicar o livro, e eu achei isso tão interessante que comecei a ler. Já li de cabo a rabo várias vezes. É um espaço mental muito diferente. O “I Ching” permite que você faça perguntas e ele te dá respostas, mas sempre sobre perseverança. Sempre que você pensa que algo é preto e branco, não é. E quando você acha que algo é bom, tudo bem, mas isso significa que logo pode acabar. Se algo é ruim, logo também passará. Você se acostuma muito com a mudança. Eu acho muito esclarecedor ler algo tão antigo e tão sábio.

Também li que você tem um diploma em filosofia. Você acha que essa formação se reflete na maneira como escreve suas letras?
Eu não acho. O que me levou a querer estudar filosofia é que, de certa forma, as músicas são como isso. Mas, sem querer soar arrogante, todas as boas músicas são como pequenas mudanças de perspectiva. E isso é real. Não gosto muito de muitos filósofos; acho que muitos deles estão cheios de besteiras, tentando criar sistemas e doutrinas que colocam você em uma caixa. Até mesmo Karl Marx, com seu materialismo, apresenta uma estrutura do mundo que é apenas uma perspectiva. Os verdadeiros bons filósofos, como Sócrates, fazem perguntas para você pensar sobre as coisas de uma maneira diferente da que está habituado. Eles abrem sua mente. E uma boa música faz isso. Especialmente as antigas músicas country. Elas te colocam em um estado diferente. As músicas do Bruce Springsteen, do Leonard Cohen, te levam a lugares. Você ouve sobre pessoas cujas vidas foram mudadas por uma canção, e isso é filosofia, eu acho. Encaro músicas como um meio filosófico.

Eu gostaria de saber quais são seus próximos passos. Você está em turnê para promover o álbum? Planeja vir ao Brasil?
Adoraria ir ao Brasil! No momento, estou em Berlim, onde vamos tocar. Ontem estivemos em Viena. Então, sim, estou em turnê; vamos tocar em Londres nas próximas semanas, depois em Paris, Oslo… Tenho mais 22 dias de turnê na Europa. Depois, vamos para os Estados Unidos. E no próximo ano, espero poder descer para a América do Sul, México… Ainda não sei quando, mas espero que aconteça. Eu realmente amo tocar essas músicas e seria ótimo fazer isso por aí.

Bem, foi ótimo conversar com você! Foi um prazer. Espero vê-lo em breve aqui na América do Sul e no Brasil também.
Espero que sim! Onde você está no Brasil?

Estou em São Paulo.
Que legal! Nunca estive ai!.

Bem, venha tocar aqui!
Com certeza! Me parece uma ideia perfeita!

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br

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