Três shows: This is Marília Mendonça, Nando Reis, Egberto Gismonti

This is Marília Mendonça no Allianz Parque (05/10)
texto por Bruno Capelas / fotos de Divulgação/Spotify

Morta precocemente em 2021, aos 26 anos, em um acidente de avião, Marília Mendonça é desde 2014 a artista brasileira mais escutada no Spotify – e se 10 milhões de ouvintes mensais não podem estar errados, a plataforma de streaming resolveu fazer um de seus grandes eventos globais da temporada em homenagem à Rainha da Sofrência. Apresentado no palco do Allianz Parque, This is Marília Mendonça reuniu cerca de 25 mil pessoas para ver uma série de artistas dos mais variados gêneros prestar tributo à cantora e compositora capaz de “colocar invenção na linha de montagem”, como bem definiu Maurício Pereira. Como em todo tributo, os resultados foram mistos. De um lado, Péricles fez boa figura ao colocar voz e balanço em “Presepada”, enquanto Ludmilla, de casaco à la Cowboy Carter, soube adaptar o universo de Marília para sua persona mais assanhada (“Apaixonadinha”) ou romântica (“Todo Mundo Menos Você”). Do outro, Jão sofreu ao reler “Estranho” e Luísa Sonza deixou a desejar com suas interpretações – ainda que a escolha de “Ausência” e “A Culpa É Dele” tenha sido correta para quem exibiu um chifre em rede nacional. Outros dois momentos baixos do show foram com Alok (e uma colagem eletrônica pouco distante de clichês) e Xamã, que a despeito de boa persona, fez um freestyle que destoou do resto do espetáculo. Mais próximos ao universo sertanejo, Tierry, Luiza Martins e Yasmin Santos tiveram bons momentos ao reler canções como “Não Sei O Que Lá”, “Amante Não Tem Lar” e “Como Faz Com Ela”, se distanciando da interpretação sofrível de Luan Pereira no hit corta-pulso “Todo Mundo Vai Sofrer” – não que a plateia tenha notado. Se por um lado faltaram canções importantes (sendo “Saudade do Meu Ex” a ausência mais sentida), não ficaram de fora vídeos promocionais, momentos de lágrimas (destaque para quando o filho da cantora, Léo, subiu ao palco no colo da avó) e momentos que buscavam justificar a importância de Marília, talvez sem entender o ponto principal: seja em suas próprias composições ou coletando versos de outros, a goiana de Cristianópolis tinha uma capacidade de comunicação com seu público que é rara de encontrar, a despeito de playlists, algoritmos e a máquina do agro tentarem provar o contrário. Foi algo que ficou evidente ao final do show, quando em vez de um grand finale, o que apareceu foi uma versão improvisada e coletiva de “De Quem É A Culpa”, já com vários dos participantes muito longe da Pompeia e vocais divididos sem muita vontade. Uma baita oportunidade perdida.


Nando Reis no Espaço Unimed (12/10)
texto por Bruno Capelas / fotos de Fernando Yokota

Dentro do cenário pop nacional, há poucas figuras tão peculiares quanto Nando Reis. Há vários Nandos em um só, embora nem todos chamem a mesma atenção ou mereçam o mesmo espaço. Na noite do último 12 de outubro, foi possível entender a distância que há entre suas diferentes facetas no show de lançamento em São Paulo de “Uma Estrela Misteriosa Revelará o Segredo”, o ambicioso álbum quádruplo que o artista lançou ao longo dos últimos meses em vinil e nas plataformas de streaming. Escudado por uma luxuosa banda, que contava, entre outros, com Barrett Martin (Screaming Trees) na bateria e Peter Buck (R.E.M.) em uma das guitarras, Nando começou a noite com quatro faixas do novo trabalho, sob os olhos de um público atento, mas impaciente. Também, pudera: em pleno feriado, quem foi ao Unimed estava mesmo interessado nos hits que o cantor compôs ao longo da carreira em diferentes encarnações – do ex-baixista dos Titãs (“Marvin”, “Os Cegos do Castelo”) ao parceiro de Samuel Rosa (“Dois Rios”), passando pelo produtor de Cássia Eller (“O Segundo Sol”, “Luz dos Olhos”, “Relicário”). Isso, claro, para não falar de uma carreira solo que alterna momentos de brilho, sucessos de rádio (“Por Onde Andei”, “Pra Você Guardei o Amor” ou “Sim”, esta última acompanhada por Jão, convidado de surpresa) e muitas faixas esquecíveis, que revelam o que acontece com um hitmaker quando ele não é exatamente capaz de compor… hits. Várias delas geraram momentos de tédio ao longo da noite, especialmente quando Nando tenta exibir ambições mais elevadas do que uma canção de três ou quatro minutos de refrão assobiável – caso de “A Tulha”, um rock clássico com declamação de poesia bastante fora dos padrões, ou “Daqui Por Diante”, em que o discurso de atenção ao alcoolismo vale mais do que a música em si. Por outro lado, é justamente por buscar tais ambições que Nando é capaz de acertar o jackpot da canção de vez em quando – como mostrou o coro do público ao acompanhar “Dois Réveillons”, do novo álbum. Entre acertos e erros, foi uma noite divertida para entender o espremido espaço da canção pop de tradição roqueira no mainstream brasileiro. (Mas vale o aviso: para fãs de música, o ruivo comete uma falha imperdoável ao soterrar, entre camadas de violões e teclados, um dos maiores guitarristas da história. É de perder a fé.)


Egberto Gismonti no Itaú Cultural (13/10)
texto por Bruno Capelas / fotos de Fernando Yokota

Em 1976, Egberto Gismonti havia acabado de assinar com a gravadora alemã ECM para gravar seu primeiro disco ao lado de Nivaldo Ornellas, Robertinho Silva e Luiz Alves. Um problema burocrático com a ditadura militar, porém, impossibilitou a viagem do trio, fazendo com que o artista seguisse sozinho para a Noruega para a gravação. Ao fazer uma escala rápida “para tomar coragem” em Paris, Gismonti teve um encontro fortuito com o ator Zózimo Bulbul, que lhe fez dar de cara com o percussionista Naná Vasconcelos. “Cozinheiro” na casa de Bulbul, Naná decidiu de pronto acompanhá-lo à Escandinávia, encantado com a ideia de gravar um disco “sobre dois curumins passeando na Amazônia” – fruto das viagens de Gismonti pelo Alto Xingu pesquisando a música indígena. O resultado, além da obra-prima Dança das Cabeças, foi o estopim para uma bonita amizade de décadas, celebrada por Gismonti no palco do Itaú Cultural no último domingo, como parte da Ocupação Naná Vasconcelos, em exposição até dia 27/10. Em pouco mais de uma hora, Gismonti fez uma de suas mais belas apresentações nos últimos anos no Brasil: ele não só lembrou o amigo com incríveis histórias, como a que abre este texto, como também o honrou com intrincadas versões de algumas de suas principais obras, como “Frevo” ou “Dança das Cabeças”. Acompanhado do violonista Daniel Murray, Gismonti esbanjou delicadeza e profundidade tanto ao violão de dez cordas quanto ao piano, passeando pela história da música brasileira ao citar as pesquisas de Mário de Andrade, “Asa Branca”, Villa-Lobos ou “Retrato em Branco e Preto”, de Tom Jobim. Murray, por sua vez, não se fez de rogado, executando uma bonita releitura de “Água e Vinho” – inicialmente, um exercício de piano criado por Gismonti para a irmã de Nando e Geraldo Carneiro, que acabou machucando a mão da garota por seu desafio complexo. Ao final e sob uma chuva de aplausos, ainda houve tempo para um tour-de-force de dez minutos com “Lundu”, de “Dança dos Escravos”. O público até pediu mais – e talvez pudesse passar a noite toda ali –, mas Egberto só voltou ao palco para agradecer de novo. Uma noite inesquecível.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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