por Adriano Mello Costa
“Drop Dead”, de Aluísio C. Santos (Quad Comics)
Perder alguém da família passa longe de ser uma coisa fácil de assimilar. Perder um pai ou uma mãe então é dureza demais. É isso que acontece com William, protagonista de “Drop Dead”, novo projeto em quadrinhos do paulista Aluísio C. Santos (Rockstar, Grim Leaper), uma das quatro cabeças criadoras do selo Quad Comics junto com Diego Sanches, Eduardo Ferigato e Eduardo Schaal. O álbum que tem 82 páginas foi aprovado pelo Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (ProAC) em 2015 e chega às bancas e revistas especializadas do ramo agora em 2016. Enquanto busca entender o acontecido, o jovem William alivia a pressão escutando música e andando de skate pela cidade, uma das suas paixões. Porém, do nada, ele começa a enxergar e interagir com pessoas falecidas que surgem na sua frente. Enquanto se esforça para não pirar, William tem que lidar com a mãe nessa nova dinâmica de vida familiar e correr atrás de explicações. “Drop Dead” insere uma temática mais distante dos trabalhos publicados pela Quad Comics, mesmo que flerte diretamente com o sobrenatural. Tem bom uso de cores e arte harmonizada com a história que se pretende contar, mas não deslumbra e fica apenas no correto, assim como o roteiro que não chega a lugar nenhum, o que acaba por ser o grande problema da obra. Da interessante concepção de apresentar um jovem abatido por uma perda de tamanho imensurável e, além disso, ter que descobrir como se posicionar perante relações delicadas e fora do comum, temos uma história que não prende o leitor plenamente. Aluísio C. Santos insere boas situações, sendo uma delas a playlist no Spotify que serve como trilha sonora e tem canções do Offspring, Nirvana, Suicidal Tendencies e Faith No More, mas fica apenas nisso em um tratado de boas ideias que infelizmente não atingem um resultado melhor.
Nota: 5
“O Legado de Júpiter”, de Mark Millar e Frank Quitely (Panini Books)
Uma pergunta recorrente para quem lê quadrinhos com pessoas com superpoderes, alienígenas invulneráveis ou magos quase invencíveis é como seria um mundo governado por eles, um mundo em que eles tomassem para si o poder na base da força e medo. Essa questão desde sempre é explorada e DC e Marvel, por exemplo, a usam em futuros distópicos ou realidades paralelas. Fora das duas gigantes muito já se leu nesse mesmo sentido, com um mundo não só governado por indivíduos imbatíveis como com estes como bala de canhão do governo. Difícil imaginar então que se extraia algo de novo e bom ainda dessas diretrizes, algo que ainda não tenha sido explorado. Mas Mark Millar (“Kick-Ass” e “Superior”) e Frank Quitely (“Grandes Astros: Superman”) conseguiram. Em “O Legado de Júpiter” os dois autores usam essa normativa para construir uma história que se à primeira vista não apresenta nada de realmente novo, mas que reúne tantas referências que, validadas pelas talentosas mentes e mãos da dupla, criam uma trama empolgante e cheia de boas ideias. Inserida no universo criado por Millar (o Millarworld), “O Legado de Júpiter” é publicada aqui esse ano pela Panini Books em um encadernado de capa dura com 140 páginas juntando as edições originais de 1 a 5 lançadas entre 2013 e 2015. Millar apresenta um mundo (abrilhantado pela arte sempre magistral de Quitely) que envolve não só aventura e super-heroísmo, mas também questões como família, herança, futuro, responsabilidade, economia e política envoltas com traições, drogas, redenções e golpes drásticos. Com início remetendo a dura crise dos EUA no final dos anos 20 e decorrer dos anos 30, pula para os dias atuais onde o autor aproveita e critica não só o comportamento da sociedade e sua postura, como também quanto pode custar a ambição em detrimento de tudo mais. Ao final da leitura do volume fica aquela ansiedade e vontade de ver logo o que vem pela frente, coisa bem rara de se conseguir. Um grande livro.
Nota: 9
“A Gigantesca Barba do Mal”, Stephen Collins (Editora Nemo)
O sentimento de rechaçar tudo aquilo que não se entende, tudo aquilo que não faz parte do que se exibe como “normal” acompanha a humanidade desde o início dos tempos. Nos últimos anos vemos toda essa intolerância e discriminação chegando a patamares elevados que se alastram como uma peste pelo mundo. Esse é o principal foco de “A Gigantesca Barba do Mal” (The Gigantic Beard That Was Evil, no original), graphic novel de 2013 que há pouco ganhou publicação nacional pela editora Nemo, com 240 páginas e tradução de Eduardo Soares. Primeiro trabalho extenso do ilustrador e cartunista britânico Stephen Collins, o álbum é uma fábula moderna que usa a sátira e o humor como combustível para nos contar uma história cada vez mais atual. Dave é o personagem principal, habitante de uma ilha chamada Aqui onde tudo anda extremamente igual todo dia. Tudo é organizado, limpo e rotineiro. Mesmo sem entender o seu trabalho (e os demais também não), Dave segue satisfeito por apresentar resultados em reuniões monótonas, ter um lar e poder desenhar a rua da sua casa enquanto escuta “Eternal Flame”, das Bangles. Tudo fora de Aqui é conhecido pelos moradores como Lá, e esse Lá enche de medo a todos, o medo do desconhecido, do diferente, e a rejeição que brota disso. Esse receio todo se agrava ainda mais quando a barba de Dave não para de crescer e transtorna a todos. Vizinhos, governo, imprensa, todos começam a lhe tratar diferente, como um pária, um mal a ser erradicado. Ele mesmo se desespera, porque a barba cresce do nada, sem que ele queira ou tenha controle sobre isso. Em preto e branco e com foco nos enquadramentos, Stephen Collins é responsável por um dos trabalhos mais interessantes publicados esse ano aqui no Brasil. Leia um trecho!
Nota: 9
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop