por Bruno Capelas
À medida que as décadas passam, é comum ver artistas pop de renome dividirem suas apresentações em dois tipos de experiência. Há o grupo de músicos que fazem tudo o que o público quer – algo que pode gerar tanto um espetáculo alucinante, como um show de Paul McCartney, quanto um exercício sobre o tédio, no caso de uma banda como o Deep Purple. E existem aqueles rockstars que parecem se negar a fazer tudo exatamente dentro do combinado, uma escolha que pode tanto levar uma platéia ao êxtase quando decepcioná-la profundamente – como Bob Dylan. Quando Robert Plant, o ex-vocalista do Led Zeppelin, subiu ao palco do Espaço das Américas, em São Paulo, nessa segunda-feira (22), foi fácil perceber que ele é um exemplar – cada vez mais raro – do segundo grupo.
Acompanhado de sua nova banda, a Sensational Space Shifters, Plant fez um show que é coerente com sua idade e seu espaço na música pop atual. Há 33 anos, ele era parte de uma das maiores bandas de todos os tempos, uma rara combinação de energia contagiante que estava sempre prestes a explodir – e de fato explodia –, um amálgama de quatro músicos que poucas vezes será visto de novo no mundo. Mas as coisas mudaram: a voz de Plant não é mais a mesma, nem ele tem mais a mesma vitalidade de quando era a cara da Wanderléa – e, a se julgar pela apresentação em São Paulo, o homem das madeixas loiras sabe muito bem disso.
Sendo assim, Plant e sua banda investem em um show viajante, cheio de passagens instrumentais intrincadas, repleto de influências da música indiana, africana, celta e espanhola – que lembra o que o Led Zeppelin fazia no palco, mas acaba tendo resultado muito diverso. No lugar da energia irradiante de Jimmy Page, Robert Plant, John Paul Jones e John ‘Bonzo’ Bonham, surge um grupo que ama a tensão, em um jogo de ataque e defesa, entrega e recusa, um vai-não-vai que cria um espaço absurdo de força dentro da apresentação. É o que acontece, por exemplo, na versão ‘cachorro louco sem rumo’ de “Black Dog”, para a qual os fãs do Led Zeppelin torceram o nariz por seu clima hipnótico e psicodélico, distante do balanço intrincado da versão de estúdio.
Assim como a antiga banda de Plant, a Sensational Space Shifters também parece prestes a decolar – mas nunca o faz, dando fim às suas músicas antes que esse momento mágico aconteça. Parte desse mérito cabe ao multinstrumentista Juldeh Camara, vindo da Gâmbia, que divide os vocais com Plant em bons momentos do show, e se dedica também a explorar sonoridades de percussões africanas e do ritti, um violino de apenas uma corda.
Entretanto, quando a combustão finalmente acontece, na última música do show, “Rock’n’Roll”, é de maneira avalassadora. Com poucos segundos, a canção conquista a platéia que pedia “mais rock” e se sentia entediada durante boa parte do show. Tal tédio, vale dizer, resultava em conversas altas, que atrapalharam alguns dos momentos mais sensíveis e tocantes da apresentação, como “Song to the Siren”, uma cover de Tim Buckley que o cantor havia registrado em 2002, no álbum “Dreamland”, e retomou para essa turnê; e a elétrica releitura para “Spoonful”, de Howlin’ Wolf.
Quando vai colocar a sua voz para dentro do ambiente sonoro fornecido por sua banda, Plant a utiliza de maneira correta dentro daquele espaço, e também de forma coerente com o que pode demonstrar em palco. Ele quase já não tem mais os agudos que o tornaram um dos vocalistas mais imitados de todos os tempos, mas compensa isso com uma entrega fascinante durante quase todo o show, esforçando-se para fazer a platéia embarcar em uma viagem por seu próprio mundo musical. Além disso, espertamente, ele guarda a garganta para os momentos finais da apresentação, quando, em um arranjo fidelíssimo ao original, arrepia até o último fio de cabelo com “Going to California”, do mítico ainda “IV”, do Led Zeppelin, e composta para Joni Mitchell.
Faz-se necessário dizer, porém, que talvez tenha existido um desencontro entre a proposta do show e o tipo de ambiente que o recebeu. Como já ficou evidente em outras apresentações realizadas neste mesmo recinto em 2012 (Morrissey, Noel Gallagher, Los Hermanos), o Espaço das Américas não prima exatamente pela qualidade sonora, nem oferece a seus visitantes condições ideais para que eles entrem no clima do show, especialmente pela grande quantidade de luzes no meio da pista. Em um local menor, mais aconchegante, com cadeiras no lugar de uma pista repleta de máquinas fotográficas e braços estendidos, e com uma acústica bem tratada, talvez a força do show de Robert Plant e da Sensational Space Shifters tivesse sido melhor compreendida pelo público.
Mas, após noventa minutos de show, com direito a bis e versões fiéis às originais de “Gallows Pole”, “Ramble On” e “Bron-Y-Aur”, o que fica na cabeça é a sensação de que Plant recusa-se a ser um mascate do rock, tocando suas antigas canções como se novas fossem, com diferentes arranjos e significados. Algo muito mais nobre do que apenas repetir o que está nos sulcos de seus antigos álbuns e foi gasto até a última passada de agulha das vitrolas. Ele não deixa de agradar aos fãs do Led Zeppelin que se dispuserem a abrir seus ouvidos. Para quem se deixar levar e flutuar pelos sons da Sensational Space Shifters, meus amigos, vale dizer: a viagem vai para além das montanhas e muito mais.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde 2010 e assina o blog Pergunte ao Pop.
Robert Plant e a Sensational Space Shifters tocam ainda em São Paulo (23, no Espaço das Américas), Brasília no dia 25 de outubro (Ginásio Nilson Nelson), Curitiba no dia 27 de outubro (Teatro Guaíra) e Porto Alegre no dia 29 de outubro (Gigantinho).
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Pelo o que eu ouvi na internet, o show pode ser bem resumido no primeiro verso de Rock ‘n’ Roll.
E eu acho isso digno em um artista, que com o tempo ele não se contente em ser apenas o melhor cover dele próprio. Afinal, o show é com o Robert Plant de 2012 e não com o de 1969.
Showzaço, destaque também para a versão de Friends, se hipnotizante no Led III, com o Sensational Space Shifters fez a platéia levitar.
Parabéns ao crítico Bruno Capelas pela excelente qualidade e sutileza de sua crítica em relação a este show. Acostumados a ver críticas simplistas, com trabalhos assim, desenvolvemos nossa percepção do fazer artístico ao ler textos com tanta qualidade.
Faltou vibração ao texto. Dedicar um parágrafo todo ao lugar supostamente inapropriado acaba diminuindo, mesmo sem querer, o espetáculo. E não começaria um texto citando Dylan e McCartney.
Shows brilhantes como este merecem textos que encham os olhos d’água. Desculpe, pode ser demagogia. Mas o texto do Regis Tadeu foi muito mais eficiente. Pelo menos enxergo assim.
Muitas vezes já percebi que o publico costuma ser mais conservador que o artista. Ele raramente permite que o artista fuja do que lhe é proposto. mais do mesmo sempre. parece ser isso o que o publico quer. admiro quem foge disso, como Plant.
Ótimo texto. Respeita a história de Robert e lança um olhar interessante e claro sobre a proposta do cantor: “sim, nós temos uma pitada de Led mas o sabor é outro”. Parabéns.
Puxa, até que enfim uma resenha digna do show e de Robert Plant. Parabéns !!!