entrevista de Bruno Lisboa
Desde a sua saída da banda Cachorro Grande, Rodolfo (Rod) Krieger radicou-se em Portugal atuando como musicista e produtor em terras lusitanas. Musicalmente, ele segue buscando uma simbiose sonora a qual elementos do space rock e batidas eletrônicas são associadas a influências folk-psicodélicas dos anos 1960/1970.
Seu primeiro single solo, “Louvado Seja Deus” (2018), contou com Arnaldo Baptista, dos Mutantes. Dois anos mais tarde veio o primeiro álbum, “A Elasticidade do Tempo” (2020). Em 2022, co-produziu o disco “Mbaraeté”, de Owerá, artista com o qual tem excursionando. Já em 2023, Krieger formou a banda Quebra Coco, power trio instrumental, que tem o acompanhado nos shows solo.
Seu segundo álbum, “A Assembleia Extraordinária” (2024), foi lançado em outubro acompanhado de uma série de vídeos. Na conversa abaixo, Rod Krieger fala sobre suas origens musicais, o processo de composição e gravação do novo disco, participações especiais, suas influências, a experiência atrás das câmeras, sua vivência em Portugal, planos futuro e mais. Confira!
Quem já teve a oportunidade de conhecer o seu trabalho sabe que suas referências estão ligadas ao space rock, a música eletrônica e ao psicodelismo. Como se deu sua formação musical e em que momento você percebeu que ser um musicista seria uma opção para toda vida?
Ontem mesmo estava tentando me lembrar de quando virou essa chave, se foram nos primeiros acordes que arrisquei em um violão, ou quando escutei os primeiros LP ‘s ainda muito criança. Penso que foram várias pequenas coisas que somadas se transformaram no que venho trabalhando. Recordo de um momento que foi muito marcante, o show de lançamento do “Titanomaquia”, dos Titãs, em 1993, em Porto Alegre. Foi meu primeiro show de rock com apenas 11 anos, e ver aqueles caras em cima do palco me fez pensar que eu tinha mais a ver com eles do que com os meus colegas de sala de aula, que estavam mais preocupados em correr atrás de uma bola e a socar uns aos outros. Quando entendi que eu não precisaria mais me adequar aos padrões impostos pela sociedade e que existiam outras opções para seguir além das que me ofereciam na escola aquilo me bateu de uma maneira muito forte. Na música os Titãs também misturavam música eletrônica com o rock e outros gêneros, talvez porque todos eles sejam influenciados pelos Beatles e pelos Mutantes. E sobre isso tudo virar uma opção para toda a vida, nunca se tratou de opção, eu nasci assim, eu sou isso, não tem mais volta. É algo que transcende o meu poder de escolha. Eu entendi que é isso que me faz feliz, e a única coisa que eu quero para a vida toda é ser feliz, então cá estamos.
“A Assembleia Extraordinária”, seu segundo disco, é uma obra que, à primeira vista, soa como uma continuidade natural do primeiro disco. Como foi o processo de composição e gravação do novo álbum? Quais semelhanças e diferenças você poderia citar a respeito da gravação de ambos?
Pode parecer loucura, mas também estive pensando muito nisso ontem. Juro! Estava fazendo uma retrospectiva tentando entender quando o disco começou exatamente a ser escrito e a conclusão que cheguei é que “A Assembleia Extraordinária” nasceu em meu cérebro no dia 21 de março de 2020, um dia depois do lançamento do lançamento do “A Elasticidade do Tempo”, e penso que o álbum seguinte já está fermentando dentro de mim. O próximo disco começa no momento em que a gente lança o atual. Já estou com duas ideias na minha cabeça que farão parte do próximo disco que vai ser lançado sabe se lá quando.
E, apesar de tudo fazer parte de uma coisa só, por isso algumas semelhanças entre os dois lançamentos, um disco é muito diferente do outro. No primeiro álbum, eu tinha recém-saído de uma banda de rock na qual dividia ideias com mais outros quatro compositores, então, na hora de registrar as faixas do meu disco de estreia, sozinho, sinto que fiz uma coletânea de mim mesmo. Bateu uma vontade de apresentar tudo que sabia, foi como se eu tivesse colocado tudo que aprendi no liquidificador e feito uma massa sonora de referências adquiridas durante a vida. Além do mais, ter gravado em um estúdio com outros músicos sempre acaba influenciando no processo.
Já no “A Assembleia Extraordinária” foi um processo bem mais minucioso, gravei todos os instrumentos em casa, com calma e em um período bem mais espaçado, pelo fato de estar em uma aldeia isolado da sociedade, apenas com a minha companheira e meus animais de estimação, me fez realmente entender os tempos e os processos. Tinha a liberdade de gravar a hora que bem entendesse, e as músicas não foram arrumadas dentro do estúdio ou editadas na hora da mixagem, o que está ali está ali porque tem que estar, as letras foram escritas ao longo do processo. Aprendi a respeitar os prazos nesse disco, lição que quero continuar exercendo em meus trabalhos
Quais foram os maiores desafios técnicos e pessoais que você enfrentou durante a produção do álbum?
Atuei em praticamente tudo nesse álbum, fui compositor, músico, arranjador, filmei e dirigi os videoclipes e agora estou editando o filme do disco. Nada disso foi pensado e a coisa foi tomando essa proporção ao longo do processo e, de acordo com a necessidade, eu ia realizando as tarefas, muitos êxitos foram concluídos durante o processo de aprendizado. Talvez este seja um ponto muito importante destacar, que “A Assembleia Extraordinária” marca uma virada de chave, onde eu me encontro com um novo universo que é o audiovisual. Consegui dar cara para a minha música com as minhas próprias mãos e esse universo novo está sendo encantador, estou vivendo cada segundo dessa nova jornada e sinto que esse é um caminho sem volta.
Musicistas como João Nogueira, João Mello e Fábio Kidesh são alguns dos artistas que contribuíram para o resultado final. Como se deu a aproximação de vocês e quais contribuições eles trouxeram para o disco?
O Fábio Kidesh já é um caso antigo, nos conhecemos quando precisei de ajuda para comprar um Sitar, ele me orientou com todo o processo da compra e me iniciou no instrumento. Durante o aprendizado era comum rolar algumas jam sessions e alguns temas dos Beatles, ali surgiu uma parceria profissional e uma grande amizade, sou apaixonado pelo instrumento e sempre que posso trago o Kidesh para meus projetos. Já o João Mello é um rapaz que estou de olho faz muito tempo e temos diversos amigos em comum. A demo de “Cai o Sol e Sobe a Lua” já tinha aquele espaço para o solo e eu queria usar algum instrumento diferente, algo mais clássico, muito por causa da minha referência do Rogério Duprat. E um dia vi o João tocar uma flauta em alguma dessas redes sociais, apenas tive o trabalho de convidá-lo e dar liberdade artística para fazer o que quisesse. Quando ele devolveu os takes não fiz nenhuma alteração, foi amor à primeira escutada. Assim como as teclas do Nogueira. Quando enviei pra ele a demo da música pedindo para ele fazer um preenchimento atmosférico envolvendo sintetizadores, mellotrons, etc, ele me enviou takes maravilhosos que caíram como uma luva. Nos conhecemos também através das redes sociais, somos ambos aficionados pelo Arnaldo Baptista e nessas conversas surgiu a ideia de fazer algo.
Você promove o encontro entre batidas eletrônicas com elementos inerentes ao pop e ao psicodelismo no novo disco. O que inspirou essa fusão de estilos e quais foram os artistas que nortearam o seu fazer artístico na atual fase?
As influências sempre foram as mesmas, Jimi Hendrix, Bob Dylan e Arnaldo Baptista. O que muda é a roupagem que eu dou para essas harmonias. Por exemplo, todo esse lance de música eletrônica já era um desejo antigo, mas não foi algo planejado para o álbum, a ocasião do momento fez com que eu tivesse esses recursos (eletrônicos) a minha disposição, o disco foi gravado no meu estúdio em casa. Foi o momento de eu me conectar com os aparelhos e ver o que saía. Não teve um momento que eu decidi que o disco seria isso, os meus processos vão se desenvolvendo diariamente e nele eu coloco a bagagem de uma vida toda. Eu sempre chapei nas coisas do Ian Brown, do Prodigy, das paradas que o Damon Albarn vem fazendo e todos nós bebemos da mesma fonte que vai acabar lá no Kraftwerk e no Can, o Thom Yorke e a turminha dele também estão ligados nisso tudo. Então é uma soma de tudo.
Para além da parte da parte musical você também roteirizou e filmou os vídeos que acompanham o álbum. Como foi essa experiência de atuar como diretor?
Magnífica, arrumei outra sarna para me coçar. Quando eu vi o primeiro vídeo editado foi como se eu tivesse entrado na Fantástica Fábrica de Chocolate, me senti uma criança. No “A Elasticidade do Tempo” tenho vídeos que sou apaixonado. Na época, tive a ideia de fazer um vídeo com cada diretor diferente, e de alguma forma, parece que tudo se encaixa. Aprendi muito acompanhando todo o processo de filmagem e edição e era comum em alguns momentos eu me imaginar naquela posição, até que isso foi crescendo subconscientemente dentro de mim e agora desabrochou. Já tenho planos de fazer coisas relacionadas a video, é só uma questão de me organizar, dar tempo ao tempo e respeitar os prazos.
O álbum, em síntese, é uma jornada marcada pela pessoalidade, ilustrada não só pelas letras, mas também pela musicalidade. Quais são as intenções que você alimentou para com o público a partir do projeto?
Antes eu tinha me transformado no Rod, o artista solo com um mundo de possibilidades e fiz o que achei que tinha que ser feito. Quando estava desenvolvendo A Assembleia Extraordinária o Rod já tinha um passado, eu sabia de onde ele vinha, por ter arriscado muito na sonoridade do disco anterior e ter trabalhado com diversas camadas de psicodelia. Neste disco consegui, selecionar detalhadamente as construções, explorando os vazios. Este, apesar de ter muitas interferências sonoras, é mais “limpo” que o anterior. O que vale também para a escrita, como já tinha colocado para fora tudo que tinha guardado no outro álbum, o processo de escrita foi sendo desenvolvido minuciosamente junto com as músicas. Talvez a psicodelia tenha vindo mais introspectiva, as palavras foram mais pensadas do que rimadas, acho que ainda estou em processo de evolução como escritor e me entendendo como artista, e esse disco é só mais um capítulo dessa história.
Já faz algum tempo que você está radicado em Portugal. Como tem sido a experiência de viver fora do país e, culturalmente, quais são as diferenças você apontaria para quem almeja viver como musicista por aí?
Conviver com a língua portuguesa observada de outra forma é muito interessante, apesar de no Brasil termos sotaques muito diferentes não é a mesma coisa. Escutar música portuguesa, principalmente os primeiros discos do Jorge Palma me deram um outro estalo na hora de escrever. “Cai o Sol e Sobe a Lua” é um reflexo disso, acho que a minha psicodelia ficou menos radiante e mais bucólica de alguma forma. Além do mais, por algum motivo me identifiquei com a cultura do país, criei grandes amigos aqui e gosto muito da maneira que os portugueses consomem e se interessam por arte, de como eles prestam a atenção e, às vezes, até questionam pertinentemente alguns pontos do espetáculo. Penso e digo para todos que querem vir para Portugal ou seja qual for o país, que é válido sempre arriscar e sair da zona de conforto e viver novas experiências, não existe o termo “dar errado” as coisas podem não sair como você planejou, mas sempre vale a pena arriscar.
Por fim, quais são os planos futuros? E quais são suas expectativas para a turnê que você realizará no Brasil?
Agora eu quero ir pra estrada e rodar por aí por um tempo, seja tocando o projeto Rod Krieger, ou com o Owerá – o qual acompanho nos palcos também. Estou afim de circular por aí e ficar entre Portugal e Brasil divulgando meus projetos. Além disso, estou registrando momentos dessa tour e o processo de desdigitalização do álbum, os quais vou anexar aos videoclipes e alguns depoimentos no documentário do disco. E será um doc surrealista no qual abordo a A Assembleia Extraordinária de Rod Krieger de uma outra percepção. A ideia é lançá-lo no ano que vem junto com o vinil.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br