Balaclava Fest 2024 cumpre papel de entreter e desafiar o público. Dinosaur Jr. e Water From Your Eyes se destacaram

texto de Alexandre Lopes
fotos de Fernando Yokota
(exceto quando indicado)

A 14ª Edição do Balaclava Fest promoveu uma bela maratona sonora diversificada num. domingo, 10 de novembro, no Tokio Marine Hall, em São Paulo. Reunindo artistas nacionais e grupos internacionais, o line-up conseguiu agradar desde interessados em novidades, com vertentes experimentais da música atual, até o fã indie mais chato, contando com a chancela de um grande clássico do rock alternativo norte-americano – o Dinosaur Jr.

Foto de Mayara Giacomini / Camila Cara

Mas o festival começou com um atraso: previstos para às 15h40, os mineiros do Paira deram início ao seu show às 16h no palco Hall. Normalmente formado por André Pádua e Clara Borges nas guitarras e vozes, o duo surgiu com uma formação expandida, incluindo baixista e baterista. É interessante como a fusão aparentemente improvável de guitarras emo / post rock e batidas eletrônicas de drum ‘n’ bass funciona bem, principalmente nas composições “Como Um Rio” e “Preciso Ir”. E a formação de banda completa com certeza beneficiou as faixas mais agitadas, como “O Fio”, e momentos mais esporrentos, como “Música Lenta”. A apresentação durou apenas 32 minutos, mas o Paira conseguiu deixar uma boa impressão para quem chegou cedo no festival.

Paíra

Às 17h, o Raça subiu ao palco Hall com uma vibe mais crua e direta. O quinteto paulista começou o show com faixas mais enérgicas, incluindo uma participação especial de Carlos Dias, vocalista do Polara. O microfone do baixista chegou a falhar durante uma música, mas isso não comprometeu o andamento da apresentação. A banda foi ganhando mais força a partir de “Nem Sempre Fui Assim”, com o auxílio de um percussionista que incentivou a plateia a se envolver mais. Músicas como “Debochado” e “144” marcaram a transição para um som mais diverso, incorporando influências de MPB e maior presença de synths. Perto do final, o Raça contou ainda com a participação do músico argentino Gal Go no saxofone e vocais, mas o show precisou ser encerrado mais cedo, por volta das 17h40, para compensar os atrasos do cronograma.

Raça

Um pouco antes do Raça anunciar o fim da apresentação, as portas que levavam para o palco principal foram abertas e uma parte do público deslocou para procurar um bom lugar para ver Ana Frango Elétrico. A banda iniciou os trabalhos no palco Balaclava com um tema instrumental até Ana surgir, usando algo parecido com uma capa de chuva transparente por cima da roupa, emendando “Coisa Maluca”. Ao lado de uma banda extremamente competente, contando com guitarra, baixo, bateria, percussão e teclado/synths, Ana pôde se concentrar mais em sua voz peculiar e na performance de palco, fazendo algumas intervenções em um synth. A iluminação vermelha e laranja mantinha a banda com uma presença quase misteriosa, como silhuetas. A partir de “Camelo Azul” a luz mudou para a cor do título da música, revelando um pouco mais do palco e com o repertório sendo impulsionado por coro do público. A apresentação ainda teve grandes momentos, como “Insista em Mim”, “Debaixo do Pano” (de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo) e versões de “Não Tem Nada Não/Gypsy Woman” de Marcos Valle e “Dr. Sabe Tudo” de Rubinho Jacobina. Depois de “Mulher Homem Bicho”, Ana apresentou seus músicos e encerrou com a dançante “Electric Fish”.

Ana Frango Elétrico

Por volta das 18h40, o palco Hall recebeu a londrina Nabihah Iqbal, que trouxe uma mistura de guitarra, baixo e bases eletrônicas ao vivo. Com uma performance marcada por texturas sonoras e visuais imersivos, a cantora – acompanhada da baixista Shoko Yoshida – explorou desde a leveza de “Sunflower” até o hit de sonoridade synthpop oitentista “This World Couldn’t See Us”. Iqbal percebeu que tem fãs de verdade no Brasil ao receber ajuda com os vocais durante “Zone 1 to 6000”. E a versão cavernosa de “A Forest”, do The Cure, causou um momento de reconhecimento entre alguns curiosos que conferiam o show sem conhecê-la. Procurando conversar mais com a plateia, perguntou “vocês gostam de Cure? Ouviram o disco novo?”. A despedida veio com “A Tender Victory”, embalando o público com uma atmosfera etérea, chegando a lembrar Cocteau Twins.

Nabihah Iqbal

Quando os canadenses do Badbadnotgood subiram ao palco principal às 19h32, o público já estava sendo avisado que aquela seria uma experiência diferente por um disclaimer sendo veiculado no telão. A banda começou com “Eyes On Me”, mostrando seu jazz experimental e fusion, entregando um show com momentos bonitos e improváveis, como quando o baterista servia de mestre de cerimônias, anunciando o repertório e buscava algumas interações pouco ortodoxas com a plateia – como o momento em que perguntou “São Paulo, vocês acreditam em OVNIS?”. Em dado momento, a apresentação foi chegando a um nível de sonoridade meio Kenny G, com um longo solo de sax com imagens de oceano no telão. Teve gente que amou e teve quem reclamasse. Voltando a momentos mais dançantes e uma participação maior da guitarra, o baterista chegou a pedir para que a plateia descesse até o chão. A banda saiu do palco e retornou para um bis, com “The Chocolate Conquistadors”. O telão apresentava projeções similares aos experimentos com luzes que o Pink Floyd fazia no início de carreira no UFO Club em Londres, dando um fim lisérgico à apresentação.

Badbadnotgood

Se o show do BadBadNotGood chegou a dar um soninho com os solos de sax, quem foi em seguida conferir o Water From Your Eyes às 20h32 no palco Hall com certeza acordou. “Buy My Product” veio de primeira, dando um andamento inquietante à apresentação, seguida por “Adeleine”. Se Rachel Brown estava de xale e óculos escuros para disfarçar a timidez (como já adiantou em um papo com o S&Y), as lentes com certeza também ajudaram a diminuir o efeito das imagens fortes e coloridas no telão durante a pura chapação de “Barley” – com certeza o ponto alto da apresentação. ”Out There” e “True Life” esticaram os ritmos frenéticos, mas a linda “When You’re Around” e “14” também renderam momentos bonitos e ternos de contemplação. Antes de se despedir, Rachel criticou o imperialismo dos EUA, dizendo que não era uma boa semana para estar lá ou ser norte-americano (por conta da eleição de Donald Trump). Pensa num choque de realidade depois de um show desses…

Water From Your Eyes

Às 21h52, o Dinosaur Jr. subiu ao palco Balaclava, trazendo consigo a sensação de “jogo ganho” com todos os anos de serviço ao indie rock desde os anos 80 a seu favor – e uma parede de amplificadores Marshalls. Começando com “The Lung”, o trio formado por J Mascis na guitarra e vocais, Lou Barlow no baixo e vocais e Murph na bateria mandou mais uma apresentação quase impecável, tocando grande parte do álbum clássico “You’re Living All Over Me”, de 1987. Veja bem: eu disse quase impecável, pois a banda se deu o luxo de cometer um erro estranho durante “Out There”, a ponto de J pedir para a música parar, Lou se desculpar dizendo “estamos sem dormir direito há dois dias” e começarem a tocá-la de novo. Mas tá tudo bem, é bom lembrar que nossos heróis também são humanos e cometem gafes, a gente perdoa. Principalmente depois de uma “Feel the Pain”, que veio ovacionada pela plateia.

Dinosaur Jr.

“Start Choppin” foi introduzida com uma mini jam, com direito a uma palheta de Mascis sendo jogada para um fã sortudo no final. “Freak Scene” foi outro grande momento de interação do público, ao menos até o cover de “Just Like Heaven” (a segunda versão de The Cure da noite) fazer a alegria dos indies velhos. Já caminhando para o fim, “Gargoyle” virou uma jam com um solo enorme, enquanto algumas pessoas que talvez não fossem grandes entusiastas de momentos guitarreiros começavam a ir embora. O trio saiu do palco às 23h19, com Mascis dizendo “thanks a lot, see you next time”. Mas era apenas uma deixa para que a plateia pedisse por um bis. A banda então voltou e Lou Barlow perguntou o que os fãs gostariam de ouvir. Depois de algumas tentativas de tentar entender os pedidos, a banda optou por “The Wagon”, com direito a um fã de mochila invadindo o palco, sendo rapidamente contido pelos seguranças.

Dinosaur Jr.

Com um line-up que transitou por diversas sonoridades da chamada música indie, o Balaclava Fest cumpriu seu papel de entreter e desafiar o público – algo que anda bem em falta em outros festivais de grande porte. Embora tenha sofrido com pequenos atrasos e apresentado valores exorbitantes em cerveja, água e comida (não entrarei na questão do merch, pois este tradicionalmente é um departamento das bandas), o Balaclava Fest 2024 demonstrou que ainda tem sua relevância frente a tantos outros eventos concorrentes que surgiram após a pandemia. E que venham as próximas edições.

Foto de Mayara Giacomini / Camila Cara

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br

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