Entrevista: Water From Your Eyes fala sobre a timidez no palco e como transformar pedras em joias musicais

entrevista por Alexandre Lopes

Formada em Chicago por Rachel Brown (vocais) e Nate Amos (guitarras, produção), Water From Your Eyes se mudou para o Brooklyn novaiorquino, e passou a contar com mais dois membros nos shows: Al Nardo (guitarrista) e Bailey Wollowitz (baterista), ambos da excêntrica banda Sloppy Jane.

Segundo Nate, a nova formação contribuiu para que a experiência no palco fosse mais divertida, mesmo ainda contando com muitas backing tracks. “Tudo é feito para rolar de uma vez, então acaba se tornando quase como um videogame; está rolando e a gente só tem que acompanhar e fazer o nosso melhor. Mas antes a gente tocava sem bateria nem outra guitarra e as faixas de apoio eram mais expostas. Agora, com a adição da bateria, isso fez com que tudo se tornasse uma outra camada, ficou ainda mais divertido de uma forma diferente”, analisa o músico.

Conhecido por sua mistura de indie pop, art rock e experimentações sonoras – eles preferem se denominar como dance-punk – o grupo lançou “eryone’s Crushed” em 2023 pela Matador Records, mas já tem um disco novo pronto (“Não sei se podemos falar sobre isso. Não foi lançado ainda, vai demorar um pouco, mas sim, o próximo trabalho está em andamento…”, confirma Nate). O duo reforça a ideia de que prefere discos a singles: “Definitivamente somos uma banda de álbuns, mais do que uma banda de músicas individuais, sabe? E isso é o que mais importa: que o álbum seja bom e que tudo faça sentido junto”, explica Nate.

Em um papo com o Scream & Yell via Zoom, Nate e Rachel contaram mais sobre como funciona o processo de composição da dupla, o truque que Rachel usa para driblar a timidez no palco e também criam metáforas para definir as diferenças entre seus projetos solo e o Water From Your Eyes. Confira a conversa completa abaixo.

Então, essa é a primeira vez que vocês estão vindo ao Brasil. Queria saber o que vocês sabem sobre o país, se gostam de música brasileira, filmes daqui, algo assim?
Nate: Eu gosto de música brasileira, isso é provavelmente a principal coisa que eu penso. Eu não tenho muito uma imagem mental de São Paulo, então estou muito, muito empolgado.

Rachel: Eu ia dizer, eu adoro aquele filme… qual é o nome? ‘Cidade de Deus’, eu acho. É um dos poucos filmes brasileiros que realmente conseguiu se destacar nos EUA. Tenho uma amiga muito legal de São Paulo… Na verdade, uma das minhas melhores amigas da faculdade, que é de lá. E eu lembro que, quando estávamos estudando juntas, conversamos sobre música e tal, e ela disse: “Ninguém nos EUA sabe nada sobre música de fora dos EUA.” E eu disse, “É verdade, isso é muito verdade.” E ela falou que todo mundo no Brasil ama música de todos os lugares, que todo mundo está interessado no que está acontecendo em todo lugar. E isso é muito diferente dos EUA, que é tão autocentrado. E eu sempre me lembro de ter ficado, naquele momento, tipo, ‘Uau, eu não faço ideia do que está acontecendo em tanta parte do mundo por causa da nossa cultura.

No festival em que vocês vão tocar, vão ter algumas bandas brasileiras, como a Raça e Ana Frango Elétrico. Vocês já ouviram falar delas antes?
Nate: Eu não conheço, mas estou animado para ouvi-las.

Rachel: Sim, eu estou animada para ver… mas para ser justa, eu não conheço a maioria das bandas de nenhum lugar…

Nate: Eu também estou meio na mesma situação. Eu geralmente escuto música que foi feita há uns 40 anos atrás.

Rachel: Sim, eu também. [Risos] Estou me atualizando, me dá mais uns 40 anos. [Risos]

Estava lendo entrevistas antigas com vocês e, em uma delas, a Rachel disse que não ter expectativas é uma das coisas que ajuda a lidar com o dia a dia, mas eu preciso perguntar: quais são as suas expectativas para este show aqui no Brasil?
Rachel: Eu diria que eu espero que seja uma das melhores noites da minha vida.

Nate: Nós esperamos nos divertir muito, acho que todos nós estamos realmente empolgados.

Rachel: Eu sinto que todo mundo com quem eu já conversei que tocou no Brasil, ou até mesmo só foi ao Brasil, disse que foi uma das experiências mais incríveis que eles já tiveram, vindo de qualquer lugar do mundo. Então… eu sinto que vai ser tão incrível, eu simplesmente sei.

Eu estava assistindo à sua performance no Primavera Sound em Barcelona (acima) e achei impressionante como vocês tocam com uma banda de quatro pessoas, mas usam muitas faixas de apoio. Como vocês fazem isso? Precisam ensaiar o tempo todo? Como funciona para vocês?
Nate: Bem, quer dizer, a gente não precisou ensaiar muito esse ano, porque estamos fazendo tantos shows… o que é meio que a melhor forma de praticar bastante. Mas, sabe, temos alguns princípios de trabalho. Parte da ideia do show ao vivo, que eu acho que mantém ele divertido para a gente, é que não podemos ouvir nada que o público não consiga ouvir também. Todo mundo está ouvindo exatamente a mesma coisa e participando, tudo meio que flui. Não é realmente planejado para que a gente possa improvisar muito, tipo, o tempo entre as músicas ou qualquer coisa assim. Tudo é feito para rolar de uma vez, então acaba se tornando quase como um videogame; está rolando e a gente só tem que acompanhar e fazer o nosso melhor. O que, de certa forma, torna tudo muito divertido. Mas antes a gente tocava sem bateria nem outra guitarra e as faixas de apoio eram mais expostas. Agora, com a adição da bateria, isso fez com que tudo se tornasse uma outra camada, ficou ainda mais divertido de uma forma diferente.

Então, aqui vocês vão tocar como um quarteto?
Nate: Sim, certo.

Soube que vocês ficaram um pouco surpresos quando a Matador escolheu “Barley” como o primeiro single do álbum mais recente, porque nunca imaginaram que essa seria a faixa de trabalho. Quando vocês escrevem uma música, pensam ‘essa aqui poderia ser lançada como single’, ou sempre pensam no conceito de um álbum como um todo?
Nate: Definitivamente somos uma banda de álbuns, mais do que uma banda de músicas individuais, sabe? E isso é o que mais importa: que o álbum seja bom e que tudo faça sentido junto. A gente tem algumas ideias do que pode acabar sendo singles, mas quando você está criando algo assim, você fica tão imerso que é muito fácil perder a perspectiva. Com ‘Barley’, por exemplo, na minha cabeça, aquilo era essencialmente apenas uma música de introdução para o álbum. Eu não pensava nela como um single em potencial, porque nem sequer pensava nela como uma música, apenas como uma preparação. E olhando para trás agora, parece óbvio que seria o single, mas a gente precisou de outras pessoas além de nós para nos dizer isso, porque isso nunca sequer nos passou pela cabeça. A mesma coisa provavelmente vai acontecer de novo com o próximo álbum. [Risos]”

Falando sobre o próximo álbum, vocês já têm músicas novas? Têm planos de gravar outro em breve? Como está indo?
Rachel: Bem, temos um álbum pronto, não sei se podemos dizer isso…

Nate: Também não sei se podemos falar sobre isso. Não foi lançado ainda, vai demorar um pouco, mas sim, o próximo trabalho está em andamento…

Rachel: Está em andamento. Já está fora das nossas mãos.

Deve sair no próximo ano então?
Nate: Bom, se tudo correr conforme o planejado, eu espero que sim.

Rachel: Estou cruzando os dedos para isso.

Vocês planejam tocar alguma dessas músicas novas no show aqui?
Nate: Não, a gente ainda não aprendeu nada disso.

Rachel: Além disso, a gente tem apenas mais três shows antes de uma pausa bem longa, então eu fico tipo, “por que a gente aprenderia algo novo?”

Nate: Houve momentos em que foi tentador [incluir novas músicas no set], mas eu acho que cada álbum é diferente e merece um tratamento um pouco diferente. Então, quando a gente começar a aprender o próximo lote de material, pode mudar fundamentalmente a forma como a gente aborda as coisas. E para esses shows em particular, nossa ideia é tocar esse set que a gente já tem praticado o ano inteiro e simplesmente… dar o nosso melhor com o material que a gente se sente mais preparado para tocar bem. A gente deve isso ao Brasil, dar o melhor show possível. E se tentássemos aprender um monte de coisa nova, provavelmente até seria legal, mas não acho que seria o melhor show possível. [Risos]

Ah, seria legal ouvir algumas coisas novas, mas vai ser incrível de qualquer forma. Então, eu gostaria de saber, como funciona o processo de composição para vocês? De fora da banda, imagino que haja muita colaboração, como se vocês gravassem algumas demos e passassem para a Rachel, ou a Rachel gravasse algumas demos e vocês escutassem? Como funciona?
Nate: Normalmente eu começo com uma instrumental e uma ideia da melodia vocal ou algo do tipo, e aí a gente se senta junto e a Rachel escreve a letra. Nem sempre foi exatamente assim, mas esse é o processo normal, porque dessa forma, quando eu peço para a Rachel trabalhar nisso, já estamos fora da fase em que isso poderia mudar completamente. Então, há uma certa coleta de ideias e estabilização de conceito que eu faço questão de garantir antes de a gente passar para a parte das letras, só para otimizar tudo. Eu gosto desse equilíbrio porque a música é bem… eu não diria ‘excessivamente trabalhada’, mas é muito bem trabalhada. E eu acho que para soar fresco, precisa ter esse equilíbrio. E eu acho que a forma como a gente tende a trabalhar com vocais e letras é meio que reativa à música, tentamos captar as ideias antes que elas fiquem ‘viciadas’ de alguma forma. E, para que isso funcione bem, minhas contribuições precisam ser muito bem fechadas. Caso contrário, esse momento de reação não funciona tão bem. Então, quanto mais preparado eu estiver do meu lado, mais precisa será a reação que eu sinto que consigo incentivar na Rachel.

Rachel, você concorda? Tem algo a acrescentar ao que Nate disse?
Rachel: Hum, sim! Quero dizer, é exatamente assim que o processo funciona, que é o Nate falando um monte de coisas, juntando um monte de conceitos, e aí eu falo: ‘Nossa, isso é incrível’, e depois eu digo algumas coisas… bem como nessa entrevista! [Risos] Isso foi ótimo, Nate.

Nate: Valeu, Rachel, valeu por amarrar tudo isso. Isso é o que a gente está falando: eu despejo toda a baboseira e aí a Rachel organiza e tudo fica bem. [Risos]

Rachel, você se considera tímida no palco, certo? Porque eu li que você costumava usar óculos escuros…
Rachel: Eu ainda uso óculos escuros, sim, sim.

Eu fiz isso uma vez também, em um dos primeiros shows que toquei com banda. E se o local é muito escuro, você coloca os óculos e não consegue ver o público, apenas silhuetas. É a mesma técnica que você usa?
Rachel: Sim! Quero dizer, na minha cabeça, eu penso que tenho que cantar de olhos fechados… Mas eu não quero que as pessoas me vejam fechando os olhos. Se eu não posso vê-los, então eles não podem me ver também. Eu tenho essa coisa… eu me sinto bem confortável falando na frente das pessoas. Não tenho problema nenhum em olhar para a plateia entre as músicas, mas é que, enquanto estamos tocando uma música, eu não consigo olhar, não consigo pensar em alguém me vendo. Caso contrário, eu fico muito nervosa e esqueço o que está acontecendo. Mas se você me deixar conversar por um tempo, eu fico completamente à vontade.

Tem algo que o público possa fazer para te ajudar a se sentir mais confortável durante o show?
Rachel: Pessoalmente, eu quero que a plateia faça o que quiser, desde que não seja prejudicial para as pessoas ao redor. Eu adoro dançar, adoro me divertir e também adoro me perder no meu próprio mundo. Eu espero que todos também estejam se perdendo no seu próprio mundo, onde eu espero que eles não se importem com o que eu penso sobre o que estão fazendo, porque eu estou tentando não me importar com o que eles pensam sobre o que eu estou fazendo. Eu quero que todo mundo apenas aceite uns aos outros e não pense muito sobre isso. É isso. [Risos]

Vocês têm projetos paralelos, como o This Is Lorelei e Thanks For Coming. Como esses projetos são diferentes do Water From Your Eyes? O que vocês acham que conseguem fazer nesses projetos que não se encaixaria no Water From Your Eyes?
Nate: Eu acho que, para ambos, esses projetos são mais pessoais porque somos só nós escrevendo as músicas, enquanto o Water From Your Eyes não é algo que a gente tenha realmente criado de forma intencional, parece que tem um pouco de vida própria. Então tem muito disso… ainda é pessoal, porque é algo que você está criando, mas parece menos diretamente representativo de nós como pessoas, o que é um sentimento muito libertador em um ambiente criativo. Então, é meio que ideia e processo fundamentalmente diferentes. Eu não sei, a maneira como sempre pensei sobre isso é que é como praticar esportes diferentes. Você ainda está usando seu corpo para fazer as coisas, mas você está fazendo uma atividade completamente diferente.

Rachel: E esse é um esporte coletivo.

Nate: Sim, exatamente! Enquanto nossos projetos solo são como… fazer cooper [risos]

É uma abordagem bem individual, como nos projetos solo.
Rachel: Sim, a música solo parece menos… eu acho que só posso falar pela minha música, que é como um veículo para minha vida emocional. Está muito ligada a mim e ao meu lado extremamente vulnerável, que no passado, quando comecei a fazer música, não estava confortável em compartilhar com as pessoas. Eu simplesmente odiava deixar as pessoas saberem como eu me sentia. Ainda tenho um pouco disso, não sei, eu meio que disfarço com risadas sobre as coisas, mas na verdade sou extremamente sensível. Se todo mundo no Brasil tiver que saber… eu sinto que o propósito desse projeto não é fazer música, mas sim expressar o meu mundo interior. Já no Water From Your Eyes, o propósito é fazer música, e tipo… eu acho que é como uma representação da nossa amizade, de certa forma. Não de nós como pessoas, mas mais da dinâmica que o Nate e eu cultivamos ao longo dos anos. E isso parece muito como se tivesse um apoio, porque não é algo que você está fazendo sozinho. Mas também é como se você pudesse expressar certas coisas, mas sabe que vai sair de uma forma diferente, porque tem outra pessoa envolvida, então não poderia ser a mesma coisa que estava começando sozinha. No meu projeto solo, eu sinto como se estivesse numa mina, minerando, pegando o minério bruto, ou qualquer coisa, pedras… não sei o que se minera [risos], e no Water From Your Eyes é mais como uma refinaria, onde estamos fazendo joias, transformando as coisas em joias juntos.

Ah, essa é uma boa definição!
Nate: Sim, nossos projetos solo são como montinhos de pedras que a gente coleta, e isso aqui é a gente tentando fazer uma escultura. [risos]

Rachel: Sim! [risos]

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.