entrevista por João Pedro Ramos
Após uma trajetória de amadurecimento e autoconhecimento musical, a curitibana Olivia Yells nos entregou em outubro o clipe de seu novo single, “Sedate Me”, que captura o paradoxo entre o desejo de sentir tudo e, ao mesmo tempo, nada. Entre referências dos anos 1990 e influências sombrias que remetem a Hole e Black Sabbath, essa nova faixa é uma expressão crua de lutas pessoais e superação. Segundo Olivia, a composição foi um espaço onde ela pôde se confrontar com traumas do passado, em meio à busca por aceitação de sua própria trajetória.
Desde os 11 anos de idade, Olivia Yells encontrou na música um refúgio e uma forma de expressão, transformando experiências de vida intensas em composições profundas. Com uma carreira recente, mas já marcada por produções visuais impactantes e letras confessionais, Olivia é uma força emergente na cena independente. Suas influências vão do punk e riot grrrl noventistas até o pop das estrelas da Disney que marcaram sua infância. Em um caminho que reflete suas vivências e inspirações, a artista tem sido aclamada pela autenticidade de suas performances e pelo impacto visual dos clipes, nos quais consegue imprimir sua identidade de forma visceral.
No videoclipe de “Sedate Me”, por exemplo, Olivia Yells explora o conceito de “sujeira” e os contrastes de sua letra com cenas carregadas de simbolismo e inquietude. A direção, assinada pela própria Olivia ao lado de sua parceira criativa Maju Tohme, traz referências visuais da “final girl” dos filmes de terror e da dona de casa dos anos 50, criando uma dualidade que reflete a complexidade de sua música. Na conversa abaixo, Olivia fala sobre o novo single, rememora o que a levou a fazer música, lista nomes novos interessantes da cena da Curitiba e conta como é ter canções suas tocando na BBC!
Primeiramente, eu gostaria de saber um pouco mais sobre o novo single, “Sedate Me”.
“SEDATE ME” é a indecisão entre querer sentir o tudo e o nada. Essa é uma canção que eu escrevi pensando na possibilidade de se sentir sedada após anos de muita luta contra experiências pessoais traumáticas, onde sempre achei um espaço pra me culpar por elas, e também um pouco sobre assumir entender de onde eu vim, como me criei e acreditar nas minhas escolhas mesmo em momentos horríveis. O Bruno Sguissardi, meu produtor musical, me pediu referências musicais pra construção do som e eu sugeri algo sonoramente parecido com “Doll Parts” do Hole. Dali partimos para ideia: “E se fizermos essa melodia melancólica com letra pesada se juntar à uma batida dançante?” Essa produção me surpreendeu muito, chegou a um patamar com um gostinho de filme “Coming of Age” e tem atraído muita gente nova pra escutar meu som.
E como foi a concepção do clipe que acaba de ser lançado? Como rolou a produção?
Tudo sempre começa comigo e com a Maju Tohme, minha melhor amiga e diretora criativa, sentando juntas e fazendo um brainstorm de ideias a partir da minha visualização inicial da música e análise da letra. Nesse clipe nós buscamos muito tentar trazer vários tipos de “sujeira”, uma vez que o pré refrão diz “Eu vim da sujeira, da sujeira eu fui feita”. Incluímos cenas como: cozinhando algo caoticamente, destruindo um bolo, cavando um buraco na terra e usando sangue falso — tudo isso amarrado em duas narrativas que se cruzam: a “final girl” (a garota que sobrevive em filmes de terror) e a “housewife” (a dona de casa dos anos 50). Esse é o maior clipe que já fizemos até agora no meu projeto, 11 pessoas extremamente talentosas participaram desse set lindo que durou dois dias e meio.
Sua carreira é recente, mas já conta com clipes sempre muito bem produzidos, como você citou. Eu vejo gente falando que a cultura do videoclipe está em decadência, pós-MTv. Qual a importância dos clipes para você?
Eu acredito muito na força do clipe para ressaltar e nos conectar ainda mais com as histórias embutidas dentro das entrelinhas das músicas. A quantidade de material visual que você pode tirar de letras é simplesmente incrível – e essas narrativas sempre trazem o ouvinte/espectador para mais perto ainda. Videoclipes, ao meu ver, servem para fisgar de vez o público. É um espaço para que ele te conheça melhor, às vezes de forma mais crua, fazendo com que a ponte de conexão/identificação se torne ainda mais forte e efetiva.
Gostaria que você falasse um pouco sobre os trabalhos que já lançou e como cada música reflete sua evolução musical.
Quando eu comecei a pensar no meu primeiro EP, eu sabia que estaria diante de um compilado de canções muito antigas minhas que eu precisava que fossem lançadas antes para fazer um certo “chão” pro meu trabalho, sabe?
“Name” foi lançado no final de 2022 como o primeiro single do meu EP “Waiting Room”, e ela foi escrita em 2017 – talvez uma das minhas músicas mais antigas já lançadas. Essa canção reflete um pouco da visão de forçar-se a se abrir para algo que você ainda não está preparado emocionalmente para estar. Sonoramente é uma música sombria, um vocal mais frágil que vai criando suas amarras aos poucos, backing vocals que soam como corais que abraçam um instrumental bastante ‘inseguro’, marcada pela linha de baixo como lead.
Logo em seguida lancei o meu segundo single, “Tired”. Esse vem com um contraste gigante diante de “Name” – nuvens de distorções graves com referência ao Black Sabbath e um vocal completamente raivoso. Essa, particularmente, é a música que mais chegou perto da sonoridade que eu eu ando mirando hoje em dia.
Finalizo o lançamento de singles do meu EP de 5 músicas com uma que ficou de fora dele chamada “THEORY OF ENDS” – mas que mantém a vibe de letras doloridas, com instrumentais sonoramente sinistros e, dessa vez, com uma batida punk riot grrrl anos 90 que eu sempre me identifiquei muito.
E aí, partimos para “CLEAN”, o single que inicia os primeiros passos do meu próximo projeto: algo que vem mais cru, com letras recentes e mais pessoais ainda, contudo mantendo a linha inicial do sinistro que me parece ser algo que vem como minha marca. Gosto de ressaltar sempre os backing vocals fantasmagóricos que soam como se fossem vozes em um purgatório, o que faz uma grande referência à minhas infância católica que vem com um ponto de partida pra análise da minha vida (e um dos pontos centrais do meu próximo trabalho)
Por último, “SEDATE ME” vem para trazer um pouco do ‘pop’ pro meu rock malvadinho e sinistro. Acredito que essa é uma das músicas mais diferentes que eu já lancei e, talvez uma das minhas letras que mais doem. A batida dançante em contraste com a letra extremamente melancólica traz aquele agridoce para a coisa que, particularmente, acho que completa essa assinatura que tenho tentado criar pros meus sons.
Você começou a escrever com apenas 11 anos de idade. Você lembra o que te incentivou a se expressar pela música?
Eu sempre fui uma criança mais tímida, esse fator acabou influenciando muito em como eu me portava socialmente, principalmente com coisas posteriores que me aconteceram depois (por exemplo, ter passado por bullying no período da escola). Eu já tinha um certo interesse pela música, meu passatempo favorito era ficar dentro do meu quarto ouvindo meus CD’s e vendo meus posters de cantoras pop ansiando por um dia poder ser como elas. Eu não entendia muito bem o que elas diziam nas músicas, mas lembro de ter ajuda dos meus irmãos para pesquisar um pouco mais sobre suas vidas e suas letras mais a fundo. Até que percebi que algumas delas falavam muito sobre suas vidas e suas batalhas pessoais, e isso para mim foi tão importante e poderoso! Era exatamente o que eu queria fazer! Comecei a pegar as estruturas das músicas delas na internet e escrever meus próprios versos sobre minhas próprias dificuldades – mas, por hora, sem melodias. Eu consegui musicar minha primeira música sozinha apenas em 2015 quando comprei um violão usado e aprendi alguns acordes mais simples. Esse momento mudou tudo na minha vida!
E quais foram os artistas que mais te influenciaram nesse começo (incluindo as cantoras pop dos posters, claro)?
Eu ouvia muitos artistas como Selena Gomez, Miley Cyrus… por conta da Disney. Mas a que mais me brilhou os olhos e mexeu profundamente comigo por conta da forma que ela trabalhava era a Demi Lovato. Sempre muito aberta sobre suas próprias batalhas, sobre suas ansiedades e sofrimentos… aquilo me marcou de maneiras irreversíveis. Depois disso, comecei a me sentir bastante influenciada pelos gostos dos meus irmãos mais velhos. Eles ouviam muito rock clássico e indie rock. Quando cresci um pouco mais, fui introduzida ao “Guitar Hero” – e ali eu entendi de onde saiu tudo aquilo. Esse jogo me apresentou para vários tipos de rock e me deu um norte para onde eu queria chegar. Descobri uma das minhas bandas favoritas, o Queens of the Stone Age, que segue sendo uma das minhas influências mais fortes. Dali fui tentando me aprofundar mais e, mais velha, descobri um monte de bandas que mexem muito comigo musicalmente. Black Sabbath, Alice in Chains, Soundgarden, Nirvana, etc. Tive minha fase punk/riot grrrl em 2018, descobri Bikini Kill, Bratmobile, Hole… e depois PJ Harvey e Fiona Apple. Essas últimas são as que mais me influenciam hoje em dia.
Como anda a cena independente de Curitiba? Quais bandas e artistas da região mais te inspiram?
A cena aqui em Curitiba tá cada vez maior e mais potente, mas o que me deixa feliz pra caralho é poder ver cada vez mais minas em cima de palco. Esse é um dos meus maiores propósitos sendo musicista e botando minha cara tímida pra jogo: poder causar uma pulguinha atrás da orelha daquelas que tem vontade e gostariam de fazer o mesmo. Anna Gerber, Mariposa Alice, Disk Mandy, Vic Wendler, Banda Patada, Banda Demos e Favourite Dealer são nomes muito fortes e promissores da cena. Me inspiro um pouco em cada um deles e os vejo chegando em lugares gigantes!
Saindo um pouco de Curitiba para o mundo: queria saber um pouco mais como foi sua estadia na Inglaterra e como rolou de seu som ir parar na BBC!
Em dezembro do ano passado eu tive o privilégio de fazer uma viagem que eu sempre sonhei em fazer. Me programei para ir para Inglaterra com o objetivo de tentar ao máximo promover meu som por lá e fazer contatos. Esses dois meses e meio me renderam coisas tão fodas que até hoje não consigo acreditar. Eu consegui fazer dois shows e dividi palco junto de bandas como Emma and The Fragments, Room11 e The Kut! Consegui também deixar meus CD’s à venda na All Ages Records, em Camden Town, bairro conhecido por ter sido morada dos punks e da Amy Winehouse… Mas acho que o acontecimento mais marcante foi ter tido duas músicas minhas tocando na rádio BBC Introducing In Solent, a vertente da BBC que toca novos artistas. Recentemente eles tocaram “SEDATE ME” e me colocaram como a “Hot Tip of the Week” (A Dica Quente da Semana) e isso me trouxe um senso de validação de todo meu trabalho que eu mal consigo por em palavras. É simplesmente surreal ter crescido com tantas referências internacionais, ter demorado para entender suas letras pelas barreiras de linguagem e hoje em dia ter meu trabalho sendo tocado junto a outros artistas internacionais ascendentes com o mesmo objetivo que o meu.
Não sei a quantas pessoas isso vai interessar, mas vamos com uma pergunta não relacionada sobre um gosto que eu sei que temos em comum: como foi ver o Skating Polly ao vivo?
Foi foda demais! Que showzaço que eu experienciei, a energia deles é simplesmente algo contagiante. A Skating Polly é uma banda em ascendência e, desde que eu conheci, fiquei bastante vidrada na atitude que é uma marca da banda e o quanto era algo em comum entre nós. Eu conversei com Kelli e a Peyton depois do show, elas foram extremamente receptivas comigo e disseram que amariam tocar aqui no Brasil. Torcendo pra que a gente veja esse show juntos, João!
Pra terminar, algo que é sempre bom perguntar: o que você tem ouvido de novo e gostaria de recomendar para todos?
Eu tenho ouvido sem parar o último álbum do Jack White, o “No Name” e o “Girl With No Face” da Allie X. Uma artista que eu tenho ouvido, também, é a Amyl and the Sniffers, tô completamente obcecada por ela!
– João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecJionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui. Fotos de @leticiaf