The Hives ao vivo em São Paulo ou “tem horas na vida em que só a diversão salva”

texto por Leonardo Vinhas
fotos por Fernando Yokota

Dois fatos nos quais você pode sempre confiar: os Hives nunca farão um show ruim, e o público brasileiro sempre vai dar um jeito de encaixar um “ô, ô” em um riff, solo ou melodia. E graças a isso, já na segunda canção do show, “Main Offender”, ficava fácil sacar que a noite ia ser divertidíssima, que o vocalista Pelle Almqvist tinha a plateia nas mãos, e que essa audiência não ia defraudar a fama dos brasileiros como fãs ardorosos.

Na verdade, Almqvist já estava com o público nas mãos assim que entrou no palco, com a banda mandando uma versão de “Bogus Operandi” mais enérgica e esporrenta que a de estúdio, e quase todas as vozes presentes no Tokio Marine Hall cantando a letra. É razoável supor, inclusive, que ali não havia nenhum “espectador casual”. Com a banda tendo passado pelo Brasil há menos de um ano, quando fez um dos grandes shows da última edição do Primavera Sound, e preços não muito amigáveis, só os fãs se animaram a comparecer.

Mesmo com promoções nas semanas que antecederam a apresentação, ainda havia bastante espaço para circular no Tokio Marine. Isso provavelmente representa um problema para a Popload, que organizou o evento, mas foi, também, uma oportunidade rara de vê-los em solo brasileiro fora de um festival. Ainda que funcione muitíssimo bem em grandes espaços, o show do Hives é ainda melhor num espaço mais diminuto e com mais proximidade.

E como é esse show? Se você esteve no Primavera Sound, é, basicamente, o mesmo: apenas cinco músicas foram acrescidas às 11 tocadas na apresentação do ano passado. Os riffs de Nicholaus Arson e Vigilante Carlstroem são sempre altos, redondos e cantaroláveis, mas quem garante a sustentação do rítmico da banda é o baixista The Johan and Only (único a ficar mais “parado” no palco) e, principalmente, o baterista Chris Dangerous. E, claro, Pelle Almqvist, tão frontman quanto entertainer, um cruzamento improvável de Mick Jagger com Angus Young, pulando, berrando, cantando, descendo até o público, repetindo os cacoetes de sempre e lendo várias frases em um português entre o simpático e o ininteligível.

Em comparação com o Primavera, não houve nenhum discurso pró-rock nem as provocações para o público, afirmando que, a partir daquele dia, os Hives seriam “sua nova banda favorita”. Mas teve Almqvist dizendo que a banda só atrasou meia hora para subir ao palco porque nós, o público, éramos uns “viados atrasados do caralho” (fucking late pussies) e dizendo que adorariam tocar no Brasil todos os anos, e que isso é bem possível de acontecer. Brincou, inclusive, com o “come to Brazil” que sempre aparece nas redes sociais quando uma banda estrangeira anuncia uma nova turnê. Mas a brincadeira deles foi muito mais divertida que a ridícula “homenagem” do Offspring aos fãs brasileiros, também intitulada “Come to Brazil”.

É a segunda vez que uso a palavra “divertida” para caracterizar o show, e é exatamente isso que o Hives almeja: diversão. A pose de beberrão no começo da carreira talvez até escondesse, mas agora fica mais claro do que nunca que os integrantes dos Hives são todos uns nerds de música, que viram muitos vídeos e shows de várias bandas, entenderam que era isso que queriam fazer, dominaram seu ofício e botam isso pra fora cada vez que sobem ao palco.

Em entrevista à Rolling Stone brasileira, Arson e Almqvist (que são irmãos, diga-se) já haviam avisado que fariam “o de sempre”, que os hits são “nossa principal arma” e que não veem qualquer problema em repetir o que já funcionou. Muitas vezes, o rock’n’roll foi definido como algo arriscado, mas num show do Hives como o do dia 15 de outubro, o único risco que alguém corria era ser atingido no pogo por um homem careca sem noção (que não demorou a ser contido pela segurança da casa) ou ter seu celular derrubado pelo agito da multidão.

Mas, sendo bem honesto: com aqueles riffs, aqueles refrões, aquelas versões matadoras de “Go Right Ahead” e “Bigger Hole to Fill”, quem iria reclamar? Costuma-se repetir que os Ramones foram sempre os mesmos durante toda a sua carreira. É mentira: mudaram seu som algumas vezes, e seus shows nos anos 1990 eram sofríveis, fosse pela voz debilitada e adoecida de Joey ou pela postura burocrática de Johnny. Talvez seja melhor ajustar o clichê e dizer que os Hives, sim, são sempre os mesmos, e no caso deles, isso é ótimo.

Potência sonora, cara-de-pau e espírito moleque raramente vêm embalados em canções tão diretas e poderosas. E na mesma entrevista à Rolling Stone, Almqvist já havia dado a letra: “Se você já nos assistiu: será melhor que aquilo. E se você nunca nos assistiu: provavelmente deveria”. Dou fé. Você jamais sairá frustrado de um show desses suecos, por mais “óbvio” que esse show possa ser. Aliás, se tivesse outro show deles hoje, estaria ali de novo. Tem horas na vida em que só a diversão salva.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br



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