Faixa a faixa: Natália Lebeis apresenta “Choque Eletrostático”, seu interessante disco de estreia

texto de Renan Guerra
faixa a faixa por Natália Lebeis

Muito se fala sobre o Brasil ser um país de cantoras e, com isso, uma série de definições se pré-estabeleceram em torno dessas artistas e do que elas “deveriam” fazer/performar. Porém, a partir dos anos 2010, tivemos uma leva de artistas, entre cantoras e compositoras, que possibilitaram pensar em outras brechas para desestabilizar esses ditames do que era ser uma “cantora brasileira”. De Ava Rocha à Maria Beraldo, de Juçara Marçal à Juliana Perdigão, de Jadsa a Juliana Linhares, experimentamos outras possibilidades sonoras que nos levam por caminhos mais ásperos e cada vez menos “corretos”. “Choque Eletrostático” (2024), disco de estreia da carioca Natália Lebeis, nasce dessa mesma fonte em que a única intenção real é ser sincero com as intenções da artista, sem necessidade de se afiliar a este ou aquele movimento e/ou gênero.

Natália Lebeis é nome já conhecido no circuito cultural alternativo e na indústria da música nacional, estando na coxia de festivais e eventos como Novas Frequências, C6 Fest e SIM São Paulo. “Choque Eletrostático” é sua primeira aventura na música autoral e, pra isso, ela já mergulha de cabeça em temas que passam pelo desejo, o sexo, o amor e as crises existencialistas. Para que sua poética ganhe corpo ela se joga em sonoridades que vão do rock aos synths, sem medo de abrir diálogos com o funk e as experimentações sonoras. Com uma bagagem como atriz e diferentes experiências no teatro, Natália amalgama essas referências para construir um universo bastante próprio, que passeia entre a lascívia e o humor, em canções envolventes, que tocam a estranheza, mas que ainda assim não possuem medo de soar pop e dançantes.

Para a produção desse projeto, Natália se uniu a Jonas Sá e Thiago Nassif, que também tocaram diversos instrumentos no disco. Participam do álbum nomes importantes como Pedro Sá (ex guitarrista da banda Cê, de Caetano Veloso), Bianca Predieri (baterista da Jadsa), Thomas Harres (baterista da Céu e Bala Desejo), Pedro Dantas (baixista de Jards Macalé), Claudio Brito (percussionista da Martnália) e Bellacomsom (artista sonora, experimental e inventora de instrumentos). E agora, para transformar esses sons no palco, Natália Lebeis também contará com uma banda de peso formada por Desirée Marantes (synth e guitarra), Rai Sinara (beats, efeitos e synth) e Bianca Predieri (bateria).

Para auxiliar nesse passeio sonoro por gêneros como o synthpop, o miami bass e a MPB, Natália Lebeis criou um faixa a faixa especial para o Scream & Yell, onde fala sobre as suas composições e o universo poético que forma “Choque Eletrostático”. Ouça o disco e leia o faixa a faixa abaixo!

01) “Égua Solta” – Eu sabia que o meu processo de composição pro disco deveria olhar pras minhas próprias experiências e visão de mundo. Eu não queria escrever histórias genéricas. tudo é sobre mim e sobre como enxergo as coisas. Digamos que “Ègua Solta” é a cereja do bolo porque foi uma das últimas letras que escrevi para uma relação abusiva que transformou profundamente a maneira como me relaciono comigo mesma. Foi um divisor de águas, que de alguma forma estabeleceu um marco zero na minha existência. “Égua” é basicamente eu dizendo “eu sou mais eu, eu não morri, e não só isso como cavalgo livre, cavalgo íntegra. felizmente estou aqui!” Não é o caso de inúmeras mulheres.


02) “Choque Eletrostático” –  Ela é um caldeirão de pensamentos, ora neuróticos, ora existenciais (que não deixa de ser neurótico rs), e sem aparente ligação um com o outro. São pensamentos intrusivos de uma cabeça ansiosa. Essa música diz muito sobre mim. Eu posso pensar as mais estranhas aleatoriedades e fazer as mais bizarras associações. por isso os surrealistas sempre me fascinaram. No teatro, os meus trabalhos autorais investigavam sempre a comunicação a partir de imagens que pudessem provocar uma percepção singular e individual em quem assistisse. É assim que eu gosto de me comunicar e não à toa essa música leva o nome do disco. Ela me resume.


03) “Fratura Exposta Na Boca do Estômago” – Quando eu cheguei em São Paulo em janeiro de 2020, comecei a assistir (de ouvinte) uma matéria no curso de música da USP sobre práticas experimentais. Isso me ajudou muito a conceber o disco. Um dia voltando da aula me veio esse pensamento aleatório “o amor é uma fratura exposta na boca do estômago”. Achei muito bonito e verdadeiro pra mim. Eu estava no ínicio do meu relacionamento com meu companheiro, o primeiro depois da relação abusiva que vivi, e sentia muitas coisas. Todas as coisas humanas que se possa sentir. Acho que o amor não é como uma rosa, ele tá mais pra uma fratura exposta de onde brotam coisas lindas e coisas nem tão lindas assim. Essa é a canção de amor do disco.


04) “Cidade Neon” – Digamos que “Cidade Neon” também é uma canção de amor. De um amor que não tem a ver com duração e sim com entrega. Que não tem a ver com romantização e sim com tesão, com papo reto. Por isso o funk choca tanto, porque ele revela um lado do amor que não se pode contar. E que no final, é o mais humano dos lados.


05) “Hoje Eu Não Estou” – “Hoje Eu Não Estou” é sobre se sentir do avesso, sobre se sentir fora do eixo, fora de ordem, de ponta cabeça rs. é sobre essa estranheza que muitas vezes sentimos. Eu me sinto muitas vezes não cabendo em mim, mas hoje em dia (depois de muita terapia!) eu tento respeitar e honrar esses momentos de absoluta estranheza. Não somos algo fixo. Um dia você está e no outro não está. Essa é a beleza das coisas.


06) “Eu Estava Ótima” – Bom, no meio do processo de composição do disco eu queria escrever uma música pro meu companheiro. Fiquei pensando e de repente eu me dei conta que a qualidade do nosso encontro se deu sobretudo graças ao meu amor próprio. Muitas mulheres entram e saem de relações cheias de feridas, mágoas, sempre em busca de um ideal que tem a ver com o outro, em busca do príncipe encantado. É claro, que numa relação sempre há expectativas e sempre teremos que lidar com nossas próprias inseguranças e fragilidades, mas nós não fomos educadas a nos priorizar e amar. Ao contrário, culturalmente, nosso papel numa relação é de submissão e subserviência. Isso gera muito rancor, muita contenção de desejo e frustração. Mais uma vez o amor romântico, na prática, não serve às mulheres e não serve à ninguém. A verdade é que amar dá um puta trabalho e é um grande exercício de autoconhecimento. É isso, eu estava ótima e isso permitiu que a gente começasse uma história bonita. sem ninguém em cavalo branco rs.


07) MEUCORPONUSEUCORPONUMEU  –    meucorponuseucorponumeucorponuseucorponumeucorponuseucorponumeu… simples assim rs.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

One thought on “Faixa a faixa: Natália Lebeis apresenta “Choque Eletrostático”, seu interessante disco de estreia

  1. sempre leio e vou com uma sede na fonte recomendada. e na maioria das vezes a decepção entre o lido e o ouvido é latente e patente. não consegui ouvir absolutamente nada que minimamente me levasse a um mundo novo, fascinante e desafiador. mais do mesmo, com uma sonoridade que não alça voo em nenhum momento, ficando ali num incômodo médio. hype futuro? bem provável.

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