Ao vivo em Brasília, Acid Mothers Temple mistura rock espacial, krautrock, noise, fuzz e sintetizadores num show íntimo e intenso

texto de Diego Queijo
fotos de Jerônimo Gonzalez

Uma corrente contínua de barulho e eletricidade corta o silêncio dominical de Brasília. O Acid Mothers Temple aterrissou com sua atmosfera hipnótica e caótica na capital do país em uma noite quente, íntima e intensa de setembro. E aquela que é uma das bandas mais cultuadas por fãs de música experimental ao redor do mundo mostrou que a fama não é em vão. O grupo encerrou a primeira noite do Festival Convida – que ocorre ao longo dessa semana no Infinu – com direito a guitarra no teto e baquetas quebradas. Para o terror da vizinhança e a satisfação total dos presentes.

Mas vamos por partes. A abertura ficou por conta da banda uruguaia de pós-punk Hangwire, com um vocalista gripado se esforçando bastante, e da brasiliense OXY, que lançou seu EP mais recente chamado “Besides”.

O Infinu é conhecido por sua vibe cultural e é um dos poucos pontos fixos da capital federal que acolhe eventos que misturam arte, música e expressões alternativas, o que combina com a energia psicodélica e experimental que a banda japonesa levaria ao palco. Desde cedo, quem chegava encontrava uma tenda de merchandising do festival e da própria banda, com camisetas, CDs e fitas cassete. O público parecia composto por fãs de música experimental, artistas, músicos locais e pessoas da cena cultural de Brasília, como Philippe Seabra (Plebe Rude) e Guilherme Cobelo (Joe Silhueta). Todos engajados, uma vez que shows como esse ainda são raros na cidade.

Mas antes do show em si, Fábio Massari conduziu uma entrevista com o guitarrista Kawabata Makoto, figura central e líder criativo do Acid Mothers Temple, em frente ao palco. A história é de que André Barcinski e alguns amigos organizaram essa turnê para comemorar os 60 anos de Massari, por isso o convite para ele também vir a Brasília (o primeiro show, inclusive, foi dois dias antes no aniversário do Reverendo em São Paulo). O entrevistador gabaritado começou afirmando que o músico é um dos guitarristas mais espetaculares da sua geração, com “técnica, emoção e transcendência”.

Ao longo de 15 minutos, Makoto compartilhou suas experiências sobre a turnê e o processo criativo da banda. O show de Brasília é o último da mini-tour brasileira, antes de seguir para uma turnê de mais de 30 apresentações sem intervalos nos Estados Unidos. O guitarrista mencionou que foi calorosamente recebido pelo público brasileiro, tanto na primeira quanto na segunda visita ao país.

Sobre o processo de criação dos shows, Makoto revelou que o Acid Mothers Temple não usa setlists, ou seja, não preparam a ordem das músicas previamente. Eles improvisam, influenciados pela energia do público. A performance é única em cada show, e a banda não ensaia nem discute as músicas entre si antes de subir ao palco.

Ao ser perguntado sobre o estilo psicodélico da banda, o guitarrista comparou suas apresentações a uma “viagem espacial sem retorno”. Ele não sabe quantos discos já lançou e demonstra desapego em relação às gravações, enfatizando que uma vez que a música é lançada, “ela pertence ao mundo”.

Makoto também falou sobre as muitas referências musicais nos títulos de seus álbuns, mencionando bandas como Black Sabbath e Frank Zappa, mas explica que essas referências são apenas uma maneira de facilitar a lembrança, sem grande apego ou tributo específico.

No final, descreveu sua relação com a guitarra como algo muito natural, quase como uma extensão de seu corpo, embora tenha levado quatro anos para aprender a afinar o instrumento sozinho.

Ok. Com o público calibrado pelo conversê, vamos para o show.

Não há como não olhar para o guitarrista. Kawabata Makoto, com ares de guru saído de algum filme japonês dos anos 50, levanta e movimenta o instrumento com domínio total da eletricidade do lugar. À frente do palco, Higashi Hiroshi comanda os sintetizadores com poucos movimentos. Ao lado dele, Jyonson Tsu se destaca, não apenas no vocal, mas também tocando o bouzouki, um alaúde grego. Mas a base da energia magnética está concentrada na seção rítmica do baterista Satoshima Nani (impressionante) e do baixista Wolf.

E estava tudo lá. Experimentações e doses cavalares de improviso, misturando elementos de rock espacial, krautrock, noise, fuzz e sintetizadores. Em quase trinta anos de existência, a banda gravou muito mais músicas do que os próprios seriam capazes de lembrar. Mas o que eles tocaram? Aparentemente ninguém fazia ideia do que havia no repertório e a lista de músicas está agora com o universo, como sugerido por Makoto.

A banda apresentou um groove de disco-rock pulsante, cheio de ecos e reverb, que se transformou em um algo rápido, melódico e ensurdecedor. Acredite, o Infinu, casa que muitas vezes deixa a desejar na regulagem sonora, estava tinindo com um som preciso, encorpado e maravilhosamente alto. O que foi fundamental para criar a aura do ritual sonoro coletivo entre banda e público, a meio passo de distância. Íntimo e intenso. No fim, enquanto Satoshima Nani debulhava na bateria rachando baquetas, Makoto fez a guitarra percorrer o público feito bruxo que parecia ser (e que talvez fosse), antes de pendurá-la no sistema de PA sob a própria cabeça. Uma experiência rara, como um lembrete visceral de que a música, em sua essência, pode ser uma força crua e incontrolável, transcendendo o mero entretenimento e se tornando expressão quase primitiva. Algo que, muitas vezes, deixamos de lado em meio à rotina de superquadras, códigos e leis de silêncio, mas que, ali, ecoou com uma vitalidade que só a arte é capaz de proporcionar.

No fim, Fábio Massari foi questionado sobre qual show da perna brasileira da turnê foi o melhor. São Paulo? Jundiaí? Brasília? A resposta: “O melhor eu não sei, mas o mais bonito, por conta das melodias enfileiradas no final, foi Brasília”. Palavra de Reverendo.

Festival Convida

De 22 e 29 de setembro, a Infinu recebe uma série de shows que fazem parte do Festival Convida. A proposta é de uma extensa programação de shows, DJs e bate-papos. Além do Acid Mothers Temple, o line-up apresenta Ave Sangria, MC Tha com os brasilienses do 7naroda, Boogarins com o show em que tocam Clube da Esquina, Tuyo em sessão dupla e Donatinho com o show “Donatinho apresenta Donato 90”. Entre os brasilienses, na quarta, dia 25 de setembro, o duo formado por Ramiro Galas e pelo saxofonista Esdras Nogueira faz uma homenagem à dupla francesa Daft Punk. No sábado, dia 28 de setembro, o trio apelidado de Puta Gaivota do Mar, formado pela cantora paraguaia, Victoria Carballar responsável pelo projeto Puta Romântica, Gaivota Naves e Mar Nóbrega se juntam no palco da Infinu para uma apresentação que mescla músicas autorais de Gaivota e Puta Romântica. No dia 29 de setembro, o Aloizio Lows conhecido por seu trabalho solo e pelos bailes carnavalescos do bloco Divinas Tetas, expande sua criatividade como produtor musical ao lado de dois novos nomes da música brasileira: Pratanes (DF) e Bebé Salvego (SP).

A programação completa está aqui: https://www.festivalconvida.com.br/

– Diego Queijo é jornalista! Acompanhe: instagram.com/diegoqueijo

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