entrevista por Bruno Lisboa
O carioca Daniel Rezende é escritor, crítico musical, professor universitário, mas, antes de tudo, um apaixonado por cultura pop. São de sua autoria obras como “Rock Alternativo: 50 Álbuns Essenciais” (2018), “Rock Feminino” (2019) e “Neil Young: Um Gênio em 50 Canções” (2020), todos livros lançados de forma independente que trazem como elemento comum o fato de externarem sua paixão pelo rock, em suas mais variadas formas (Daniel falou mais sobre eles em sua primeira entrevista ao site).
Seu livro mais recente é “De Onde Vem a Calma: Ventura e o Carnaval particular dos Los Hermanos” (2023), trabalho que procura analisar o fenômeno Los Hermanos a partir do terceiro álbum do quarteto carioca, disco que em 2023 celebra 20 anos de seu lançamento. Lançado pela Editora Barbante, “De Onde Vem a Calma” integra a coleção Sound + Vision, que já lançou luz sobre discos da Patife Band (“Corredor Polonês”), do The War On Drugs (“Lost in The Dream”) e de Ivete Sangalo (“Me Tirar da Solidão“).
Na conversa abaixo, Daniel Rezende fala sobre o seu método de pesquisa e escrita, o efeito dos Los Hermanos no rock nacional, a parceria com a Editora Barbante, o papel da crítica cultural na atualidade, o mercado editorial brasileiro voltado para a área musical, planos futuros e muito mais. “De Onde Vem a Calma” pode ser encontrado na loja online da Editora Barbante. Confira o papo abaixo.
Como pesquisador que é, gostaria, primeiramente, de saber como é o seu método. Como você delimita qual será o seu objeto de análise e como se dá o processo de pesquisa / escrita?
Acho que o fato de ser pesquisador me auxilia muito na delimitação do objeto de análise. No meu primeiro livro, que trata de álbuns essenciais de rock alternativo, tive muito cuidado em definir critérios de inclusão e exclusão no gênero e procurei explicar esses critérios com detalhes para o leitor na seção introdutória. Esse rigor que herdei da pesquisa científica me auxilia a organizar melhor o campo de análise e a justificar as escolhas. No caso do livro sobre os Los Hermanos, eu me enquadrei no estilo da coleção Sound + Vision, da Editora Barbante, como o foco em um álbum e a estrutura de capítulos referentes a cada música do disco. E, assim como nos livros anteriores, procurei temáticas com lacunas dentro da produção editorial e com potencial para alcançar um bom número de leitores. Os Los Hermanos são uma banda muito importante no cenário nacional e não havia nenhum livro escrito a respeito deles, então logo vi que seria relevante. Além disso, o disco escolhido, “Ventura”, completa 20 anos no mês que vem, o que pode aumentar a visibilidade do livro. Quanto às fontes de pesquisa, depende muito do tema. Nesse último livro me baseei em reportagens, entrevistas, resenhas dos álbuns, vídeos e até posts dos fãs nas redes sociais. Queria um painel amplo que abrangesse a criação do álbum, a repercussão e influência sobre outros artistas, as polêmicas, a importância do fandom, etc. Um cuidado importante em pesquisa na internet é garantir a fidedignidade das informações, buscando várias fontes. Tenho muita atenção com isso.
Falando ainda sobre escrita, tenho observado, de uns tempos para cá, como grande parte dos autores tem optado por uma linguagem mais simples e direta, visando o leitor comum. E, de certa forma, vejo muito disso não só em “De Onde Vem a Calma” como também em suas outras obras. Como você vê essa tendência?
Não tinha pensado nessa tendência, mas acho que é uma observação pertinente. Da minha parte, eu tive que fazer um exercício de me libertar da escrita acadêmica, com a qual estou mais acostumado, e adotar um estilo mais livre e até relaxado em certos momentos. Acho a acessibilidade importante para esse tipo de livro que visa analisar uma obra artística popular. A linguagem rebuscada não se encaixaria tão bem. Isso não significa fazer uma análise rasteira e óbvia, pelo contrário. É possível trazer conceitos e teorias como base analítica e ainda assim apresentá-los de uma forma simples e que permita a compreensão de vários públicos.
O livro “De Onde Vem a Calma” é um retrato abrangente não só da banda homenageada como também funciona como um registro cultural recente. Como se deu a sua relação com a banda? E ainda: por que você acha que o grupo se tornou um fenômeno pop brasileiro no século 21?
Quando estava escolhendo o álbum/artista que eu iria abordar, os Los Hermanos foram minha primeira opção por eu ser um fã da banda e já ter ido a vários shows deles. É claro que dá para escrever um bom livro sobre um artista sem ser um grande fã, mas a minha relação forte com a banda me parece um diferencial e eu deixo isso transparecer isso em vários momentos do livro. Eu sou um fã um pouco tardio, pois me apaixonei pelo grupo meses após o lançamento de “Ventura”, em 2004, e não cheguei a ir a nenhum show enquanto eles estavam na ativa lançando discos. No entanto, tenho vários momentos marcantes da minha vida em que as músicas dos Los Hermanos serviram como trilha sonora, e tenho vários amigos que são fãs da banda. Além disso, orientei uma dissertação de mestrado, concluída em 2018, que aborda o fandom dos Los Hermanos e a importância de fatores identitários para o consumo de produtos e serviços relacionados à banda, como camisetas e tatuagens. Nessa ocasião, o meu orientado, André Neves, chegou a entrevistar o Marcelo Camelo por e-mail, e ele foi muito atencioso. Com relação ao grupo ser um fenômeno pop brasileiro do século 21, eu concordo totalmente. Por meio de uma trajetória ímpar, com escolhas que vão contra o lugar comum das estratégias de sucesso engendradas pela indústria musical (relação difícil com a imprensa, briga com gravadora, paralisação das atividades no auge da popularidade), a banda conquistou um séquito de seguidores fanáticos e que cresce de forma exponencial. A turnê de 2019 teve mais de 200 mil espectadores no total dos shows, uma marca impressionante para um grupo de rock com mais de 20 anos de estrada no contexto brasileiro. Além disso, a lista de artistas que eles influenciaram é quilométrica.
O livro é um lançamento da editora Barbante e faz parte da coleção Sound + Vision, que tem como foco uma interface entre música, literatura e artes visuais. Como se deu a aproximação entre vocês para realização do projeto?
Eu fiquei conhecendo a Barbante em 2020 por meio de uma reportagem do Scream & Yell que abordava o trabalho deles. Comprei dois livros da Editora, escritos pelo dono da Barbante, Alessandro Andreola, e achei incríveis. Então fiz um post no Instagram e marquei o perfil da Barbante. O Alessandro me agradeceu e daí por diante passei a acompanhar os lançamentos deles. Em setembro de 2021, eu tive a ideia de entrar em contato com o Alessandro e perguntar se ele não queria editar meu livro “Rock Feminino”, que eu havia lançado de forma independente pelo KDP Amazon. Ele se mostrou aberto a uma parceria e me sugeriu que eu escrevesse um livro para a coleção Sound + Vision. Aceitei e apresentei alguns discos sobre os quais gostaria de escrever e em pouco tempo fechamos no “Ventura”.
Meu primeiro contato com o seu trabalho foi via o site Urge! Você, para além de escritor, atua também como crítico musical. Em tempos como os nossos, nos quais análises superficiais predominam, qual deveria ser o papel da crítica musical?
É um momento bem difícil para o jornalismo, e em especial para a crítica musical. Em outros tempos, a opinião de um crítico era importante para muitas pessoas a fim de minimizar os riscos numa compra de um disco ou CD, já que era difícil ouvir a obra antes de comprar. Hoje em dia, quase tudo está disponível no streaming e é fácil fazer a própria avaliação sem precisar de ajuda externa. E muitos ainda optam por seguir as recomendações dos próprios serviços de streaming. E além disso, como você falou, proliferaram perfis de conteúdo, alguns bons e outros duvidosos. Eu acho que existe um lado positivo nesse fenômeno. Eu só me tornei um crítico de um site relevante depois de divulgar minhas resenhas pelo Instagram, o que seria impossível em outros tempos. O grande problema é a falta de profundidade da maioria das análises, o que dificulta a formação de uma massa crítica, ou seja, de um público com maior capacidade de julgamento e que pode recorrer a uma variedade de parâmetros para fazer suas escolhas e desenvolver seu gosto. Na sociologia do consumo isso é chamado de “competência cultural”. Essa competência cultural não significa seguir a opinião da crítica, significa ter a capacidade de escolher com base em conhecimento aprofundado e fundamentado. Com o papel reduzido da crítica musical, o público está mais vulnerável à manipulação por parte das grandes empresas envolvidas na indústria musical (gravadoras, mídia, serviços de streaming, etc.), pois fica mais difícil desenvolver essa capacidade de julgamento.
Além dessa parceria com a Barbante você lançou livros de forma independente. Tenho visto, nos últimos anos, que o interesse das editoras/autores em colocar no mercado obras voltadas ao universo da música tem crescido. Como você vê esse fenômeno? Acredita que essa tendência veio para ficar?
Também vejo uma intensificação do número de obras que abordam o universo da música, tanto em editoras pequenas quanto nas maiores. As dificuldades são enormes devido aos altos custos envolvidos na impressão e distribuição dos livros físicos, mas existem empreendedores e autores que lutam bravamente para conseguir sobreviver nesse mercado inóspito. Existem alternativas interessantes, como a edição de ebooks, e eu espero que os livros sobre música possam se beneficiar também do crescimento do interesse por discos de vinil e outras mídias físicas. Competir com conteúdo gratuito da internet é um grande desafio, mas eu tenho esperança de que cada vez mais pessoas (re)descubram o prazer de ler um livro impresso e que os livros possam se tornar itens colecionáveis desejados por um número cada vez maior de fãs engajados com música. Estamos falando de um nicho de mercado, mas ele ainda pode crescer substancialmente no país.
O livro é, até onde sei, o primeiro livro sobre a banda carioca. Por mais que existam, como você já disse, estudos acadêmicos sobre o grupo, por que, na sua opinião, ainda não tínhamos no mercado alguma obra que se debruçasse sobre a trajetória deles?
Também fico me perguntando isso. Uma banda tão importante como essa já devia ter sido objeto de vários livros, na minha opinião. Será que a relação difícil com a imprensa influenciou? Ou a aversão deles à exposição pública? Só consigo pensar nesses dois motivos.
Por fim, quais são os planos futuros? Teremos mais eventos de lançamento por aí?
Pretendemos fazer outros eventos de lançamento em breve. Além disso, já tenho várias entrevistas agendadas em programas de rádio e podcasts. A repercussão tem sido muito positiva!
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br