texto por Bruno Lisboa
O que Common, De La Soul, A Tribe Called Quest, The Roots e Erykah Badu tem em comum? Para além de serem ícones da música norte-americana, o que esse seleto time tem como elo é o fato de terem suas vidas / carreiras transformadas por J Dilla (aka Jay Dee).
Natural de Detroit, no Michigan, James Dewitt Yancey (seu nome de batismo) foi produtor, compositor, baterista e MC cuja meteórica trajetória foi responsável por moldar a cena rap/soul do final dos anos 90 e o início dos anos 2000.
Dono de um estilo peculiar, Dilla soube conciliar tradição e modernidade ao unir beats eletrônicos e a música orgânica. Tal mistura resultou num estilo e sonoridade únicos que definiria a sua geração.
O livro “Dilla Time – The Life and After Life of J Dilla, The Hip Hop Producer Who Invented Rhythm” (2022) é uma bela e abrangente homenagem ao artista que, como poucos, soube redefinir uma época.
Acertadamente, o livro, escrito por Dan Charnas em parceria com Jeff Peretz, é uma épica viagem que promove um olhar não só ao artista, mas também aborda o contexto social ao qual ele está inserido.
Tal escolha é mais do que acertada, pois Jay soube absorver, tal como uma esponja, muito do que sua cidade natal (e sua geografia tortuosa) tinha a oferecer como também mostra como ele foi atento as mais diversas manifestações culturais produzidas pelo mundo. Esses fatores, quando somados, foram essenciais para construção do seu diferencial enquanto produtor.
Para além dos bastidores das gravações as quais participou (como o essencial “Like Water for Chocolate”, d3 Common), o livro promove uma imersão em diversas parcerias que Jay lançou ao longo de sua curta carreira em trabalhos ao lado de artistas como Bilal, The Pharcyde, Busta Rhymes, Guru, Talib Kweli, Ghostaface Killah, Raekwon ( ambos do Wu-Tang Clan), e também aborda o período em que ele fez parte do influente grupo Slum Village.
Fugindo do formato “chapa branca”, Charnas não se omite em mostrar a alma de um homem e suas imperfeições, cujo machismo e a objetivação da mulher foram pontos de fragilidade de sua formação e, porque não dizer, da cena hip hop da época.
O período criativo ao lado dos Soulaquariuns, coletivo artístico encabeçado por Questlove, D’Angelo, James Poyser e o próprio Jay Dee também ganha destaque na obra, mostrando como uma criativa época deu origem a discos icônicos como “Mama’s Gun” (Erykah Badu), “Voodoo” (D’Angelo), “Thins Fall Apart” (The Roots), “Black On Both Sides” (Mos Def) e “Amplified’ (Q-Tip).
Dilla morreu cedo, aos 32 anos, em decorrência de lúpus e de uma doença hematológica grave, mas em sua curta passagem na Terra deixou um legado que reverbera até hoje. Prova disso é que o livro “Dilla Time” servirá como base para um documentário de mesmo nome com produção executiva de Questlove. E ter o nome do baterista do The Roots envolvido num projeto é uma garantia que algo bom vem por aí.
O livro ainda não ganhou edição nacional, mas vale o investimento.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014.