Soundtracks da Quarentena #06, por André Takeda
“Prom Theme”, Fountains of Wayne
Na parede da minha sala no trabalho não existem diplomas nem certificados, e sim posters de “The Breakfast Club” e “Pretty in Pink”. É mais que uma maneira de dizer que sou um legítimo filho da cultura pop dos anos 80 ou de mostrar que posso ser cool dentro de uma estrutura corporativa. Na verdade, exibir minha paixão por John Hughes é a afirmação de que ninguém jamais vai poder tirar o adolescente de dentro de mim.
“Maturidade é uma fase, adolescência é para sempre”, já dizia Jules Feiffer na frase que cito no começo do meu romance “Clube dos Corações Solitários”.
E há tempos que não me sentia tão adolescente como hoje, primeiro de abril de 2020. Estou aqui, em quarentena, no meu apartamento em Buenos Aires, com a minha esposa, tentando criar uma rotina de trabalho e, de repente, vem a notícia que o Adam Schlesinger faleceu aos 52 anos vítima do novo coronavírus. Pouca gente deve saber que ele é o autor de hits de filmes como “That Thing You Do!” e “Music and Lyrics”. Para mim, Adam sempre foi o compositor foda de uma das minhas banda favoritas dos anos 90: o Fountains of Wayne. Os dois primeiros álbuns são dois clássicos do power pop, com refrões grudentos e guitarras altas e distorcidas. Já não era um adolescente (ou melhor, tão adolescente) quando ouvia Fountains of Wayne sem parar, mas eu ainda achava que poderia fazer tudo na vida, me apaixonava como o Duckie de “Pretty in Pink” e buscava a minha Watts, a baterista de “Some Kind of Wonderful” – um filme escrito, claro, por John Hughes.
Lembro especialmente do segundo álbum da banda. “Utopia Parkway” não saía do meu discman no inverno gaúcho de 1999. Como sempre, eu complicava demais as coisas. Sabotei relacionamentos, empregos, amizades e mentia para mim mesmo que estava tudo bem. Mas, na verdade, eu era apenas um imbecil que enganava, com discos e mais discos de rock, uma dor que nunca iria embora. Minha mãe tinha falecido há três anos e eu achava que já estava tudo bem, que três anos era o suficiente para acabar com o luto. Sim, um verdadeiro imbecil.
Hoje, quando fiquei sabendo da morte do Adam, comecei a buscar as minhas favoritas do Fountains of Wayne. “Sink to The Bottom”, “She’s Got a Problem”, “Denise”, até que me lembrei de “Prom Theme”. Uma música que fala justamente do final da adolescência e o começo da vida adulta: “we’ll never be the same, we’ll forget each other’s names, we’ll grow up and lose our hair, it’s all downhill from there”. Mas é a noite do prom, do baile da formatura, e ainda existe uma última festa antes de tudo mudar para sempre. “But tonight we feel like stars, we’ll play our air guitars, cause we’re 18, it’s a perfect night to sing our prom theme”.
Óbvio que minha obsessão por John Hughes me fez ter esse sonho estúpido de ir a um prom bem high school americano. Mas tudo o que tive foi uma cerimônia e uma festa. Sem limusines, reis, rainhas, vestidos e tuxedos. Já que eu era o “cara que escrevia” da turma, acabei sendo escolhido para ser o orador. O primeiro discurso que escrevi era uma crítica ridícula ao ensino brasileiro. Como sempre, minha mãe foi a primeira a ler o texto. Lembro como se fosse hoje da nossa conversa na cozinha.
“Tu não vai ler isso, vai?”
“Claro que vou.”
“Mas tu adora o Aplicação, os teus colegas, tudo.”
“Sim, mas e daí?”
“Tu tem certeza de que é assim que tu quer se despedir deles?”
Ela tinha razão. Ela sempre tinha razão.
Mudei meu texto e escrevi algo, para variar, piegas.
Eu não tive um prom, mas eu tive uma lição de vida com a minha mãe. E ela ainda costurou a roupa que usei na festa, uma camisa com colete inspirado no David Bowie da “Sound and Vision Tour”.
“Prom Theme” tem uma parte instrumental que adoro, com cordas e uma guitarra com um efeito meio wah-wah. Assim, perfeita para deslizar com a garota dos seus sonhos pela quadra de basquete transformada em pista de dança. Sem saber que tudo vai mudar depois daquela noite. Que talvez a sua mãe pudesse ir trabalhar em outro país menos de um mês após a sua formatura. E que vocês só voltariam a se encontrar cinco anos mais tarde, e que teriam apenas mais seis meses juntos.
Posso estar sendo imbecil, piegas ou tudo isso ao mesmo tempo. Mas hoje Adam e seu Fountains of Wayne me fizeram entender porque nunca me despeço do adolescente que ainda existe aqui dentro. É porque é ele que guarda as melhores lembranças da única pessoa que foi capaz de me influenciar mais que John Hughes. Sim, estou falando da Dona Teresa.
Descanse em paz, Adam. Muito obrigado por tudo. E, se tiver chance, toque “Prom Theme” para a minha mãe.
Você encontra “Prom Theme” do Fountains of Wayne no álbum “Utopia Parkway”.
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André Takeda (siga @andretakeda) é autor dos livros “O Clube dos Corações Solitários” (2001), “Cassino Hotel” (2004) e “A Menina do Castelinho de Jóias” (2011). É colaborador de primeira hora do Scream & Yell (leia a série “Um Adolescente nos anos 80” na primeira versão do site) e já liberou para download no site a coletânea de textos “Ao Vivo” em PDF. Baixe aqui. Favorite a playlist “Soundtracks da Quarentena” no Spotify!
Porra, bicho :~~~~~~~~~~
Que lindo!
Encontrar os textos do André Takeda aqui tem trazido um pouquinho de luz no meio do cinza dessa angústia toda.
Belo texto amigo. Parabéns