por Daniel Tavares
Ricardo Cassimiro Rosa está longe de completar 70 anos. Mesmo assim, o pandeirista toca em uma banda que já ultrapassou, há algum tempo, esta marca. Uma verdadeira instituição nacional, os Demônios da Garoa, grupo símbolo de São Paulo, são a banda do Brasil há mais tempo em atividade.
Arnaldo Rosa e Os Demônios começaram como Grupo do Luar em 1943. Hoje, com Sérgio Rosa (afoxé), Roberto Barbosa, o Canhotinho (cavaquinho), Dedé Paraizo (violão de sete cordas), Izael Caldeira da Silva (timba) e Ricardo Rosa (pandeiro) o conjunto transcende gerações.
Neste bate papo, Ricardinho conta sobre como é fazer parte de um conjunto tão importante para a música brasileira, explica de onde vem o “Quais, quais, quais, quais, quais, quais / Quaiscalingudum / Quaiscalingudum / Quaiscalingudum” e ainda revela quem era o Arnesto. E mais: fala um pouco sobre rock! Confira o papo!
Quando vocês escolheram esse nome, através de um concurso de rádio, o país era bem mais, digamos, tradicional do que é hoje. Vocês tiveram algum medo de usar um nome com “demônios”?
Não, pois éramos anunciados como os “endiabrados” do Grupo do Luar, pôr na época sermos jovens arteiros… Dai foi feito um concurso para que os ouvintes mandassem sugestões para nomes, e um fã, que até hoje não conhecemos, enviou Demônios da Garoa. Ele pegou Demônios pelos “endiabrados” e da Garoa por ser um grupo de São Paulo, que na época era conhecida como a Terra da Garoa.
Vocês são a cara de São Paulo. É assim que nós os vemos. Vocês também se veem assim?
De tanto que falam, nós estamos convencidos que sim… [risos]. Mas é com muito orgulho que carregamos esse título, que nos foi concedido pelo próprio povo de São Paulo. Por sermos fiéis representantes da música e da cultura desta amada cidade.
“Trem das Onze” é São Paulo em essência. Uma canção que também é a cara de São Paulo é “Sampa’, de Caetano (que é baiano). Como vocês enxergam ambas as canções, como vocês acham que elas se comunicam?
Ambas se comunicam no coração de quem ama e vive em São Paulo. São clássicos eternizados que marcam nossa cidade pelos quatro cantos do Mundo!
Um grande nome da música e grande parceiro da banda foi Adoniran Barbosa. O que vocês podem comentar sobre ele hoje?
O Adoniran foi um gênio! Ele foi o compositor que mais escreveu e descreveu a cidade de São Paulo e nós tivemos a grata satisfação de sermos parceiros e responsáveis por tornar suas obras em grandes sucessos. O Adoniran era uma figura ímpar, uma pessoa muito simples e de muitas manias, como por exemplo: ele não andava de elevador por medo de cair o fundo [risos]. O nosso Poeta não faz falta somente para São Paulo, ele faz falta pra Música Popular Brasileira.
No nosso site nós falamos muito de rock. Quase o tempo inteiro, na verdade. Não vejo nenhum traço desse estilo no som de vocês, mas preciso saber se vocês gostam de alguma banda, se escutam em casa, o que vocês acham do estilo?
Nós somos adeptos da boa música, independente do gênero. Temos vários amigos do qual somos fãs e que, inclusive, já participaram de projetos conosco, como por exemplo Arnaldo Antunes, que gentilmente nos convidou para abrirmos o seu DVD, e nós retribuímos convidando ele para participar do nosso. Em nosso repertório temos músicas de outros gêneros inclusive Rock, mas vamos deixar como surpresa.
E a Jovem Guarda?
A Jovem Guarda foi um fenômeno musical que passou e revelou grandes nomes da MPB, e nós curtimos muito!
E sobre o samba e o pagode que são feitos hoje, o que vocês acham? O que pensam sobre a música popular brasileira que toca nas rádios hoje?
Para nós não há diferença: samba é samba em qualquer lugar do mundo, porém alguns grupos buscam inovar e encontrar uma maneira diferente de executar. Não temos nenhum tipo de preconceito, muito pelo contrário somos amigos de vários artistas da nova geração que sempre nos tratam com muito respeito e carinho, e cabe a nós aconselhar e incentivar para que se dediquem a carreira com muito amor ao que fazem, para que possam ter carreiras vitoriosas, mas sempre privando pela boa música, por que coisa ruim existe em qualquer profissão e na música não é diferente!
O que um fã dos Demônios da Garoa pode esperar de um show de vocês?
Todos que estiverem presentes com certeza irão se emocionar e se divertir muito! Estamos levando para esse show a turnê dos 70 anos, apesar de já estarmos prestes a completar 74 anos de carreira! É uma turnê que resume essa trajetória regada a muitas risadas!
Qual o segredo de vocês para tocar por tanto tempo, tantas décadas e continuar relevantes?
Não há segredo. Apenas levamos a sério nosso trabalho, com muito amor, com muito respeito aos nossos fãs, que sempre nos incentivam e nos apoiam a continuar trilhando essa carreira linda de quase 74 anos!
A música de vocês tem uma simplicidade, uma essência popular não fabricada, uma verdade, mas também uma sofisticação natural. Como vocês conseguem combinar ambos os aspectos sem perder a identidade?
No início, o grupo buscou um estilo dentre todos os grupos que tinham para se identificar. Criamos uma identidade e aí nasceu o estilo gaiato, os “quais quais quais”, tudo isso baseado no linguajar do povo de São Paulo, Exemplo: “nóis fumo, nóis vortemo…” e todo esse estilo que se mantém até hoje foi criado por Arnaldo Rosa, meu avô, fundador dos Demônios da Garoa em 1943.
Há também uma característica na música de vocês que são os trechos onomatopeicos (podemos chamar assim?), os “cascalascasculas, cascalascasculas”, “pas pas pas pas pas pas” e até “lalaio lá, lalaiolaiolaio lá”. Como surgiu a ideia de inserir essas vocalizações nas músicas? Como vocês decidem o que combina e o que não combina com cada canção?
Isso é tudo criação dos Demônios da Garoa, pois o Adoniran mandava as músicas sem introduções, e o grupo se reunia nos ensaios para criar tudo isso que se canta até hoje, preservando todas as características que foram criadas, dentre elas os arranjos vocais, que é uma marca muito forte no grupo desde sempre. E até hoje, quando vamos gravar ou ensaiar alguma música, é feito um laboratório para que possamos encontrar onde abrir vozes, onde colocar gaiatice, e por fim fazer com que a música fique com a nossa cara.
“Mulher Rendeira” também é um símbolo do Ceará. “Iracema” também nos é um nome muito querido, o nome de um dos principais livros de um dos nossos maiores escritores, José de Alencar. Mas, sobre a música cearense – esta é uma pergunta que sempre faço para todos os artistas que entrevisto – que artistas do Ceará vocês gostam, escutam ou mesmo que tenham tido alguma influência na música que vocês fazem?
Gravamos “Mulher Rendeira” para a trilha sonora do filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto (lançado em 1953), e foi lá nas gravações que tivemos o primeiro contato com Adoniran Barbosa… O Nordeste é muito rico musicalmente, dono de uma cultura especial, e nós cantamos “Mulher Rendeira” até hoje em nossos shows, para homenagearmos esse povo querido que sempre nos recebe com muito carinho.
Por falar em Iracema, de onde vem histórias como a de Iracema (a atropelada na canção), o Arnesto, o Matogrosso e o Joca (de “Saudosa Maloca”)… São personagens que existiram mesmo? São pessoas que vocês conheceram ou de quem ouviram falar? De onde vocês tiram a inspirações para canções como estas?
Alguns personagens existiram, como o Sr. Ernesto, amigo de Adoniran e nosso amigo também. Apesar do samba ser do Arnesto, Adoniram fez para ele… E sempre que ele esteve em nossos shows participou com a gente cantando está música, e vivia afirmando que nunca deu mancada nenhuma, a letra é criação de Adoniran Barbosa… E nós levamos essa recordações em nossos corações pois Sr. Ernesto já partiu pra junto de Deus e de seu amigo Adoniran, mas nós mantem todo esse legado com muito respeito e agregando cada vez mais novos fãs!
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza.
Pude ver o show deles em uma formatura da Medicina da USP e é impressionante o trabalho de vozes do grupo, é impecável. E o repertório nem se fala, público dos 8 aos 80 cantando todas.