por Marcelo Costa
Em 2014, quando o Sesc Pompeia me convidou para ser o curador do Prata da Casa naquele ano, logo na primeira reunião me pediram três nomes para a programação de maio. Eu estava “desarmado”, não tinha preparado nada, e saquei o que eu me veio na cabeça como nomes que dariam uma amplitude para os meses anteriores: Bruno Souto (que havia estreado solo com um baita disco em 2013), o rapper Don L e o noise Giallos. A ideia que passou na cabeça na hora era ampliar o leque o máximo possível, e dai em diante trabalhar com isso.
A aposta deu certo tanto para ver que a turma bacana do Sesc Pompeia (que topou aqueles três nomes) estava na mesma vibe que eu quanto no resultado impecável da qualidade dos shows, e nesse quesito a Giallos honrou a responsa com uma apresentação poderosa, que não só credenciou-os para a Mostra Prata da Casa (com o que de melhor havia rolado no ano), como ainda se transformou no registro ao vivo “Giallos Live at Pompei”, que ganhou tiragem limitada em fita k7 e está disponível para download.
Agora é a hora do próximo passo com Flávio Lazzarin (bateria), Luiz Galvão (guitarra) e Claudio Cox (vocais) apresentando o novo álbum, gravado e produzido no Escritório por Lê Almeida e João Casaes em janeiro de 2016 e lançado pela Tranfusão Noise Records. Intitulado “Amor Só de Mãe” (“Uma frase do universo carcerário”, adianta-se para explicar Claudio Cox), o álbum traz 10 faixas cruas em exatos 15 minutos e 19 segundos de cada lado do K7 (o álbum pode ser baixado aqui) ousando invocar “essa coisa do amor em tempos de ódio e intolerância”.
Na conversa abaixo, Claudio Cox conta sobre a amizade e chance de trabalhar com Lê Almeida (“Comemoramos naipe gol em final de campeonato, saca?”), reflete sobre o conteúdo das letras do álbum (“Não foi só o fator externo politico social que influenciou, nossas vidas particulares também sofreram mudanças, altos e baixos como a de todo mundo”), conta sobre o EP “Anjos Negros” (gravado pelo projeto Converse Rubber Tracks) e avisa: “A gente gosta de tocar, mano. (…) Festivais, casamentos, até em velórios tamo dentro (risos)”. Papo bom!
Como foi a experiência de gravar com Lê Almeida? Como funcionou a coisa toda?
Cara, foi incrível. Primeiro que antes de tudo a gente construiu uma amizade, isso vem desde de 2012 quando tocamos pela primeira vez juntos. De lá pra cá fomos pro Rio tocar duas vezes e fizemos outras coisas com ele aqui em São Paulo, quando ele fez o convite pra gravar e lançar o disco pela Transfusão, comemoramos naipe gol em final de campeonato, saca?! A gente tem essa característica do Lo-Fi desde o começo da banda, mas agora íamos falar com uns dos mestres do assunto e tal, foi foda. E a gravação rolou nesse clima leve de camaradagem, chegamos com todos os arranjos prontos e ensaiados, ele já sabia que nossas gravações eram todas ao vivo e tal, daí ele direcionou no lance de equipamento e na gravação em si. Ele sugeriu que gravássemos num porta-estúdio Tascam de 4 canais K7 e nós abraçamos a causa na hora. O resultado, na minha opinião, é o registro mais autentico da banda.
Amor Só De Mãe?
As letras desse disso são todas influenciadas por esse momento politico social que a nossa sociedade vem atravessando nos últimos anos e tal, não só as letras, a música também absorveu essa carga pesada, agressiva, é como um pequeno recorte histórico desses últimos anos, eu acho. Falamos sobre a pedagogia da morte – um paralelo entre o “memento mori” do séc XV com o “bandido bom, bandido morto” do séc XXI –, sobre racismo, sobre consumo, sobre posicionamento politico, sobre religião, enfim. A letra da música tema fala sobre como a ideia do “deus pai” perpétua esse status quo machista e também como a religião – no nosso caso, o cristianismo – invade as nossas liberdades de escolha e etc. – temos como exemplo essa onda cristã parlamentar aqui no Brasil. O título “Amor Só De Mãe” – que é uma frase do universo carcerário – surgiu como uma bomba na canção pelo contexto da letra e tal, mas ganhou um significado mais amplo como nome do disco porque invoca essa coisa do amor também, amor em tempos de ódio e intolerância.
Acho muito legal falar disso porque a gente vive uma enorme crise política, com forte influência da grande mídia, mas os discos que saem parecem que não representam o momento. Enxergo um certo cinismo em “!CONTRA!” que, agora no “Amor de Mãe” me soa muito mais direto, olho no olho. O que vocês acham? Os tempos atuais pedem isso?
O !CONTRA! também é um disco que tem uma carga política grande, mas tem uma certa leveza na abordagem, o Luiz (guitarrista) usou um termo esses dias que define muito bem isso: “o !CONTRA! é um disco mais ensolarado”. Tinha um flerte com cinema fantástico, um sarcasmo colorido. Por exemplo, “El Santo Diesel” é uma música que já falava sobre a comercialização da fé, um tema duro, mas fizemos a música como se fosse uma vinheta comercial, tirando uma onda mesmo, tirando uma onda até do lance comercial na indústria da música e tal, aquelas regras de ter refrão e etc. E por incrível que pareça a parada funciona mesmo, foi uma das músicas mais comentadas do disco, mais pedida em shows, enfim, foi quase um sucesso (risos). Agora nesse disco estávamos em outra onda, e não foi só o fator externo politico social que influenciou, nossas vidas particulares também sofreram mudanças, altos e baixos como a de todo mundo, e isso acaba sendo introjetado de alguma forma na arte, apesar de mantermos um senso de humor incrível entre a gente, acho que acabamos despejando as nossas angustias no som, sei lá. O disco não foi pensado pra ser assim, as músicas foram surgindo, mais agressivas, as letras acompanhando, daí veio a produção sujona, quando vimos, pá! Aí, depois de pronto, até o fato de lançarmos dessa forma com essa mix Lado A e Lado B, foi pra bater de frente mesmo, o que a gente tem a dizer sobre o que está acontecendo agora é isso e é assim, na lata.
São todas canções novas, compostas pós “! CONTRA!”? Tem Cramps e Hot Snakes “perdidos” pelo álbum, certo?
Todas novas, porém, “Eles” é uma música do final de 2013, feita no calor daquelas manifestações, fala sobre manipulação de informação, como aquelas manifestações de esquerda, progressistas acabaram virando uma marcha conservadora pela mídia, enfim. E essa música acabou ganhando um registro ao vivo no nosso “Live at Pompeii” – show no Sesc Pompéia em maio de 2014, dentro do projeto Prata da Casa que registramos e lançamos em formato digital e K7 –, mas como ela tinha muita relação com todo o contexto do disco resolvemos fazer um registro de estúdio e incluí-la no disco. Os Cramps são uma das maiores referências, desde o começo da banda a gente toca versões de músicas deles, foi uma singela homenagem, escolhemos a “Lobisomem Adolescente” pelo contexto do amor também, o amor que mata. Já o “Hot Snakes” foi um acaso, surgiu como um sampler, “Pombo Bomba” era uma música que estava num projeto eletrônico que eu estou fazendo, um amigo fez a base e eu fiz a letra, gravei num esquema tosco em casa e acabei mostrando pro Luiz e pro Flávio, daí acabamos fazendo uma versão Giallos num ensaio, gostamos muito do resultado e gravamos.
Além do “Live at Pompeii” ainda tem o EP “Anjos Negros”, que vocês lançaram no ano passado. A gente não chegou a conversar desse EP e eu gosto tanto dele e, principalmente, da faixa título. Como surgiu a ideia de lança-lo como um EP? Lembro que a ideia de gravar com o Lê já estava acertada…
“Anjos Negros” e “Eles” foram as duas primeiras músicas pós !CONTRA!, tanto que também existe uma versão de “Anjos” no ao vivo. Acertamos com o Lê no final de 2014 pra gravar, entraríamos em estúdio ainda no primeiro semestre de 2015, mas ainda não tínhamos um disco composto, iríamos trabalhar nas músicas nos primeiros meses do ano e tal. Mas daí rolou o lance da Converse Rubber Tracks logo em março, lembro que fizemos a inscrição no site e não deu um mês os caras chamaram a gente pra gravar e já deram a data também. Porra, é um lance muito classe esse projeto da Converse, coisa que não se desperdiça, ficamos muito empolgados em participar, mas ao mesmo tempo não sabíamos o que fazer. Como não tinha muito tempo pra pensar, resolvemos gravar as coisas que estavam prontas até aquele momento, o que na verdade era o embrião do disco que gravaríamos com o Lê no meio do ano. E agora acho que foi a melhor coisa que fizemos, porque o EP acabou fechando uma história ali e serviu como inspiração pras novas composições e foi muito bem recebido pela rapaziada. “Anjos Negros” é uma música muito forte, um lance ancestral africano, de onde vem o jazz, o blues, o rock and roll, é uma reverência e também um pedido de desculpas pelas imbecilidades que homem ocidental tem feito com o continente africano durantes todos esses séculos, merecia um registro especial. O Jean Dolabella – um dos produtores do Family Mob, estúdio onde as bandas do projeto Converse são gravadas – disse uma hora lá que essa música era uma mistura de Hendrix com Coltrane, o Luiz só faltou chorar (risos). Gravamos ela num take só, todo mundo na mesma sala, o Calixto veio depois e botou o sax de primeira, sem nunca ter escutado a música, foi foda. As outras faixas vieram no mesmo clima, a letra de “Rinha” é uma espécie de continuação de “Anjos”, “10 pra 01” era uma pré! CONTRA!, que não entrou porque já tinha uma musicalidade diferente das outras e “20 Anos” é uma versão de uma dupla sertaneja dos anos 50 chamada Nenete e Dorinho que a gente tocava nos shows e revolvemos registrar. Nós também gostamos muito desse EP.
O “! CONTRA!” ganhou uma bela edição em vinil. O que vocês estão planejando para o “Amor Só de Mãe”? Fita cassete?
Por enquanto está inviável prensar em vinil aqui no Brasil, pelo menos pra gente como a gente, saca?! Parece que vão inaugurar uma nova fábrica em São Paulo e estão com a promessa de melhorar as condições, vamos ver. Esse sai em K7 e CD, mas tem o download grátis eterno.
Os lançamentos anteriores trouxeram participações especiais com sax, trompete e órgão. O “Amor Só de Mãe” tem o Lê tocando guitarra em uma faixa, certo? A ideia era um disco mais cru de vocal, guitarra e bateria, próximo do que vocês soam ao vivo?
Sim, foi essa a intenção mesmo, soar o mais próximo possível do que somos ao vivo no palco. Algumas pessoas comentavam dessa diferença, achavam a banda mais legal ao vivo do que no disco – e o olha que as nossas gravações são ao vivo –, mas também teve o contexto das músicas, esse é um disco mais denso, pesado – no sentido dos temas abordados nas letras –, e essa gravação deu um sentido de urgência, de desespero, angustia, não cabia muita coisa em termos de arranjos, tudo já estava ali. A participação do Lê também veio nessa ideia da urgência, dele fazer um lance num som que não era muito a sua característica, achei que ficou matador.
Vocês tem mantido uma rotina bacana de shows. Como estão os planos pra estrada? Onde vocês gostariam de tocar, cidades, festivais?
A gente gosta de tocar, mano. Onde aparece uma possibilidade nós vamos. Por enquanto a agenda está mais em SP (capital) e aqui no ABC, mas tem um convite pro interior no gatilho e estamos atrás de outros, vai rolar no CCSP junto com o Lê, lançando os dois discos “Mantra” e “Amor”, vamos pro Rio no final do ano, novembro eu acho, enfim, tá rolando. Tem um monte de cidade que gostaríamos de tocar: Recife, BH, Fortaleza, Natal (quaaase rolou esse ano), fizemos um show aqui em SP com uma banda de Goiânia chamada Bang Bang Babies e eles disseram que a gente tinha que tocar lá, que era nossa cara, queremos ir. Estamos atrás, agora com o disco novo na manga pode ser que role, festivais, casamentos, até em velórios tamo dentro (risos).
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Crédito das fotos: fotos PB por André Okuma e a foto colorida por Bruno Teixeira