por Adriano Mello Costa
“Um Homem Chamado Ove”, Fredrik Backman (Alfaguara)
O passar do tempo costuma deixar coisas pelo caminho, e o mundo atual parece ter deixado no passado a habilidade que as pessoas tinham de consertar algo quando quebra, de construir coisas com as próprias mãos, de aprender serviços manuais corriqueiros de manutenção. Hoje ou a pessoa contrata alguém para fazer o trabalho ou troca imediatamente o que quebrou. Isso incomoda bastante Ove, o personagem central do livro do sueco Fredrik Backman (“En Man Som Heter Ove”, 2012), que virou sucesso editorial com tradução para 20 e tantos países (Brasil incluso: 352 páginas e tradução de Paulo Chagas Souza) e início de adaptação para o cinema. Ove, o protagonista, tem 59 anos e é avesso a conversinhas, bate-papos e futilidades. Para ele, tudo é bastante direto e simples, o que acaba por lhe dar um entendimento bem peculiar sobre diversos assuntos. Sua única preocupação no momento é conseguir morrer. Se matar. Sim, isso mesmo. Desde que a esposa faleceu e ele foi aposentado pela empresa que dedicou vários anos, Ove não encontra mais nada que indique valer a pena viver. Porém, se matar não parece tão fácil. Sempre algum vizinho maluco (na sua concepção) o interrompe. Ove é um protagonista honesto e com um senso de justiça forte, mas que tem pensamentos não muito confortáveis sobre questões como imigrantes e cor da pele, por exemplo. Fredrik Backman utiliza-se da simplicidade de Ove para opinar sobre questões delicadas que até servem de desafogo para algumas boas piadas, mas incomodam bastante num livro sobre seguir em frente e sobre o poder da compaixão e da bondade.
Nota: 6
“Mosquitolândia”, David Arnold (Intrinseca)
A separação de um casal nunca é tarefa fácil para os dois lados envolvidos tanto quanto para os filhos – aliás, principalmente para os últimos. Mary Iris Malone, a personagem principal de “Mosquitoland” (no original), está passando justamente por isso. Além dos pais se separarem, ela ainda teve que mudar de casa, saindo do estado do Ohio para viver com o pai no Mississippi. Na trama, a jovem de 16 anos, depois de saber de algumas notícias que lhe tiram do eixo (e que classifica como “bombásticas”), resolve deixar o pai e a madrasta para trás e migra de ônibus em direção à mãe. Durante os 1.524 quilômetros que a separam desse objetivo muita coisa vai acontecer. Com 352 páginas e tradução de Alyne Azuma, em “Mosquitolândia” (2015), David Arnold usa a clássica história de crescimento pessoal durante uma viagem mostrando que ninguém sai igual no final do caminho – aqui se utilizando de diversos enxertos de cultura pop e uma protagonista que, mesmo sem ser espetacular, agrada com o humor enviesado, o jeito indie e a maneira de se posicionar perante o mundo. Dono de uma escrita fácil e ligeira, o autor insere no meio dessa viagem por crescimento assuntos relativamente mais densos e essa aposta acaba retirando um pouco o livro do usual dentro da categoria de obras juvenis. Não é obra para ganhar muitos superlativos, longe disso, mas é funcional e ritmada, forçando o leitor a ir até o final e o recompensando com algumas risadas no decorrer do percurso.
Nota: 6,5
“Sobrevivente”, Chuck Palahniuk (Editora Leya)
“Survivor” (no original) foi o segundo livro do escritor Chuck Palahniuk, lançado em 1999 na badalação da adaptação para o cinema de “Clube da Luta”, que ele havia publicado em 1996. Editado no Brasil em 2012 com 359 páginas e tradução de Tatiana Leão, ganhando reimpressão em 2014, apresenta uma história contada de trás para frente (as páginas são numeradas de modo decrescente), começando quando Tender Branson está prestes a afundar um avião sequestrado. Para saber como o protagonista chegou a esse ponto, o autor regride a trama e conta uma história repleta de loucuras e personagens peculiares. Tender Branson, por exemplo, nasceu e foi criado numa seita religiosa de regras duras e estapafúrdias. Aos 17 anos saiu da comunidade para trabalhar e enviar dinheiro para a seita, continuando assim a servi-la. As coisas seguem até uma tragédia se abater sobre a igreja, ele ganhar liberdade e conquistar uma psicóloga meio tresloucada enquanto trabalha como zelador e mordomo de um casal igualmente maluco para a noite atender telefonemas de pretensos suicidas (o número saiu errado em um jornal), os quais ele só incentiva. Enquanto Branson conta a vida para a caixa preta do avião, Palahniuk despeja frases contra a religião, o circo da mídia, o american way of life e à sociedade que absorve e aceita aquilo que lhe é entregado sem questionar. “Sobrevivente” tem leves semelhanças com “Clube da Luta” e, por se tratar do segundo romance do autor, ainda mostra uma grande ferocidade crítica. Tender Branson pode não ser um Tyler Durden, mas poderia normalmente ser seu melhor amigo.
Nota: 8,5
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop