por Maurício de Almeida
Escrita por Arthur Miller em 1964, e encenada no mesmo ano em Nova York com direção de Elia Kazan (que colaborou no roteiro) e Barbara Loden, Jason Robards Jr. e Faye Dunaway no elenco, “Depois da Queda” (“After The Fall”) é uma das peças mais pessoais do dramaturgo, e surge agora numa montagem traduzida e dirigida por Felipe Vidal – a primeira e única montagem brasileira aconteceu no mesmo ano de seu lançamento, 1964, com direção elogiada de Flávio Rangel e Maria Della Costa e Paulo Autran no elenco.
“Depois da Queda” é uma peça em parte baseada na tumultuada relação entre Arthur Miller e Marilyn Monroe, na qual o autor apresenta em feixes de memória fatos marcantes da vida de Quentin (alter ego de Miller), aqui interpretado por Lucas Gouvêa (o elenco ainda traz Simone Spoladore como Maggie, e Thais Tedesco como Rose/Holga, a mulher por quem Quentin se apaixona e decide reavaliar sua vida). Na vida real, Miller casou-se com Marylin em 1956 e divorciou-se em 1961. No ano seguinte ele casava com Inge Morath (e Marilyn morreria).
O roteiro de “Depois da Queda” revela pequenos flashes da vida de Quentin: a infância, a relação dos pais, a morte da mãe, o primeiro casamento, o conflito entre amigos comunistas numa América Macartista e o desenrolar de seu com Maggie. Assim, o que se percebe é o personagem num intenso e profundo exercício de se compreender no mundo. E, nesse itinerário quase onírico, ele se depara, revive e analise tais passagens de sua vida, buscando nelas explicações ou pistas para uma espécie de autoconhecimento.
As mulheres são ponto de partida nessa busca de Quentin. Desde a relação com a mãe, passando por amantes esporádicas, a relação complicada com sua primeira esposa e o casamento com Maggie, Quentin acredita que as principais pistas de quem é serão encontradas nos relacionamentos que estabeleceu, sejam eles rápidos e insignificantes ou intensos e, portanto, significativos. Na verdade, ao revivê-los e observá-lo agora como um espectador, Quentin encontra justificativas, admite falcatruas e falsidades para, em última instância, compreender as razões que o levou a se comportar como fez naquelas situações.
É fato que a peça se debruça principalmente sobre o casamento de Quentin e Maggie, isto é Miller e Monroe – “a união do cérebro com o corpo da América”, como disse Normal Mailer. Num arco que abarca o primeiro contato entre eles até a última noite do casal, Maggie é apresentada como uma mulher insegura, carente e, ao final, vítima agonizante de seus caprichos e traumas. Desta forma, a relação do casal embrenha-se numa dinâmica obscura de obsessões, dependências e conflitos.
No entanto, “Depois da Queda” não é uma peça sobre Marilyn Monroe. Antes, é um exercício de sinceridade em busca de respostas após o estopim Marilyn Monroe: sua morte anunciada, sua morte acontecida e, acima de tudo, o papel de Arthur Miller no relacionamento, que presumidamente colocaram ao dramaturgo as mesmas questões de Ferreira Gullar em “Poema Sujo”: Que faço entre as coisas? De que me defendo?
Com quase três horas de duração, e dividida em duas partes, “Depois da Queda” traz uma Simone Spoladore encantadora de cabelo louro oxigenado e pele branquíssima num personagem frágil, inocente e pecador. Lucas Gouvêa responde a altura vivendo o alter-ego de Miller, que em certo momento é aconselhado pela mãe: “Você tem que aprender a decepcionar as pessoas. Principalmente as mulheres”. A montagem ainda destaca uma ótima trilha sonora e um cenário assinado por Aurora dos Campos.
Vencedor dos prêmios Pulitzer, Tony e Círculo de Críticos de Teatro de Nova York com “Morte de um Caixeiro Viajante”, autor de “As Bruxas de Salém”, “Panorama Visto da Ponte” e outras peças que o consagraram como um dos maiores dramaturgos do século XX, em “Depois da Queda” vemos Arthur Miller num acerto de contas visceral com o passado na tentativa de seguir adiante, mas não qualquer acerto de contas: de um lado temos um dos maiores autores da América; do outro, um dos maiores símbolos sexuais da história do cinema. Tudo isso torna “Depois da Queda”, em excelente montagem, imperdível.
– Maurício de Almeida assina o blog Une chanson pour moi
“Depois da Queda” está em cartaz em Brasília, no Teatro do CCBB, até 11/11/2012. Depois segue para o Rio de Janeiro onde será encenada no Teatro Glaucio Gill, dias 16 e 17/11/2012. Mais informações no site oficial: http://depoisdaqueda.com/