Texto por Manoel Magalhães
fotos por Ana Schlimovich
Já dizia Michael Stipe em 1992: “Se você está certo que já teve o bastante nessa vida, siga em frente”. Kate Nash, 23 anos apenas, como qualquer cantora pop inofensiva poderia dar-se por satisfeita com o sucesso de seu primeiro disco e caminhar lentamente para o nada, mas alguma coisa estranha move a menina ruiva para o buraco, para o desencontro inevitável, para algo que nem ela deve saber exatamente qual é.
Em sua noite no Circo Voador, no Rio de Janeiro, um grande grupo de menores de 18 anos se amontoava na frente do palco para vê-la de perto – colados na grade, mesmo faltando algumas horas para a apresentação começar. Qual Kate Nash? A da balada “Foundations” ou a que pode ir além com “Mouthwash”? O lugar – frequentado também por atores, diretores e personagens de séries adolescentes do canal Multishow – reafirmava dúvidas sobre quem faz Kate Nash? Multishows e MTVs da vida passando seus clipes pelo mundo afora ou os milhares de adolescentes que carecem de uma cantora que vá além de dançar em clipes pirotécnicos, alguém que cante algo transformador para pelo menos um minuto de suas vidas, algo que nunca parece ser pedir demais de um artista. Ela talvez também não ache.
O show começou por volta das 23h e ao ver Kate invadir o palco, vestida de Minnie Mouse, o público que já lotava o Circo urrou ao som de uma banda tocando alto e muito bem, um avanço da cantora em relação ao primeiro disco, onde foi acompanhada na turnê por músicos com um jeitão bem mais amador, o que reafirma a intenção de crescer, não só no sentido básico do show bussness, mas na necessidade de libertar-se como intérprete, e assim foi o início, com Kate tocando guitarra e gritando livremente, fazendo o palco parecer seu.
Daí para a já citada “Mouthwash” foi um pulo que merece destaque, já que os versos cantados em uníssono pela plateia que pulava e batia os pés dizem bastante sobre a cantora inglesa: “Este é meu rosto / coberto de sardas com uma ocasional espinha e algumas veias / este é meu corpo / coberto de pele e nem todo ele você pode ver”. Kate talvez esconda muitas coisas por traz da carapuça óbvia, mas ainda procura o melhor jeito de expressá-las. Até por isso o show soa muito irregular, alternando momentos inspirados e o tédio de repetições de coisas familiares demais ao universo pop adolescente. A vontade de crescer nem sempre se traduz em crescimento, mas já que o processo é inevitável, Kate mescla o que quer mostrar ao que claramente os outros esperam dela.
Em determinado momento, sozinha no palco com a guitarra, ela pede silêncio para cantar baixinho algo mais introspectivo, e ri por não conseguir calar os gritos de gostosa, adjetivo que provavelmente ainda não tinha aprendido em português. Entre erros nos acordes e gargalhadas, levou a música de um jeito despretensioso e em nenhum momento perdeu o controle da audiência, mesmo quando foi preciso parar para afinar a guitarra.
Nas músicas que tocou em seu pequeno teclado iluminado geralmente acertava mais a mão com o público do que quando tentava uma pegada rock`n`roll, apesar de aparentemente ficar mais solta e confortável com isso. Kate Nash talvez guarde Courtney Love no coração, mas seu público emociona-se mais quando a faceta é de pós-adolescente inglesa que confessa suas dúvidas. O meio do caminho entre esses dois extremos parece ser o futuro da cantora e ainda é impossível prever se isso será sua grande qualidade ou a eterna busca por um amadurecimento impossível junto ao seu público, mas durante todo o show a indecisão está presente de uma forma criativa, fazendo com que acerto e erro soassem naturais.
Já no final do bis, terminando o show com “Pumpkin Soup”, Kate bate as teclas descontroladamente, tocando qualquer nota enquanto uma chuva de papel picado toma conta do Circo Voador. Nash sobe em seu piano e pula, pula, até descer de volta ao palco para encerrar a noite. Depois disso, em um momento apoteótico com cara de epílogo da eterna viúva de Kurt Cobain, a cantora pula na galera fazendo stage diving como uma menina punk, perdendo-se na multidão enquanto os seguranças tentam, sem muito sucesso, resgatá-la.
Será que, ao pular, ela sabia em que lugar estava se metendo? Na cena seguinte, lá está a garota ruiva voltando ao palco sorrindo, com a alma lavada ao som da canção do Hole que inundava os alto-falantes do lugar. Kate Nash, em uma quinta-feira de verão no Rio de Janeiro, arranhou palavras em português, bebeu e brindou entre as músicas, tocou guitarra, piano e contorceu-se cantando sem instrumentos, mas foi no pulo sobre as pessoas embaralhadas ao papel picado que, simbolicamente, demonstrou sua vontade de viver as experiências – aproveitando a chance de estar na América do Sul, o outro lado do mundo, para aproveitar ao máximo os momentos e seguir em frente, sem pensar no que fazer com sua música ou com sua vida no dia seguinte.
O rádio do táxi na volta para casa tocava “Everybody Hurts”, do R.E.M., e Michael Stipe parecia confirmar algumas impressões sobre a noite. Seguir em frente é realmente necessário, mas assistindo a uma cantora jovem procurar no palco o seu sentido, o seu caminho, e ao mesmo tempo aproveitar a efêmera oportunidade de escrever em sua vida a história de uma noite quente no Rio de Janeiro, deixa a sensação de que realmente todo mundo sofre em algum momento, mas naquela quinta-feira, Kate Nash não parecia sofrer, ou pelo menos aprendeu a não demonstrar isso tão facilmente. Por enquanto, pelo menos. Será que é assim que as coisas funcionam?
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– Manoel Magalhães (@chelseanights) é músico e redator. Ex-Polar, prepara o lançamento do disco de sua nova banda, Harmada, e assina o blog Chelsea Nights
Texto muito bom! Eu estive neste show, gostei muito do estilo da Kate. De longe parece ser mais uma estrela pop dessas para consumo imediato, mas ela tem algo mais. Caso se interesse, escrevi uma resenha, por minha própria conta e custo, no site zona punk (http://www.zonapunk.com.br/ver_res_show.php?id=811). Claro que não ficou tão boa como a deste post, mas deu pro gasto. Um grande abraço.
Se eu já havia me arrependido de não ter ido ao show, depois desse texto é que passei a me odiar mesmo. Não imaginaria a Kate pulando na plateia assim, caramba, perdi um show e tanto mesmo. Gosto muito de espontaneidade e ela tem bastante disso, mas imaginei que ficaria tímida em uma apresentação aqui no Brasil. Que nada. Ganhou de novo meu coração, mesmo sem ter testemunhado este acontecimento. Ahhh :/