Por Jorge Wagner
São tempos estranhos esses em que vivemos. Tempos em que dinossauros do mainstream nacional permanecem em evidência enquanto as melhores bandas do país, sem conseguir romper a teia do underground, nadam até entregar os pontos e morrer na praia. Tempos em que uma adolescente que se veste, age e fala como um velho senhor consegue projeção por conta de um (suposto) talento pouco mais que mediano.
Tempos em que, alheios a isso, há ainda quem acredite em guitarras distorcidas, melodias adocicadas, refrões grudentos, backing-vocals, palminhas, tênis All Star, declarações vs. decepções, paixões adolescentes. Nada de dramalhões desequilibrados em prol de um pretenso sentimentalismo, mas sim um mundo de músicos influenciados, em maior ou menos grau, por gente como, entre outros, Beatles, Weezer e Teenage Fanclub e que centram seus universos ao redor dessas pequenas bobagens juvenis. Bobagens, sim. Mas, em muitos momentos, divertidas e necessárias.
Soar maduro nem sempre é ponto positivo. Rivers Cuomo, por exemplo, ao assumir musicalmente seu “lado adulto”, transformou-se em um grande mala no último trabalho do Weezer (voltando a soar digno justamente em “Troublemaker” e “Pork and Beans” curiosamente seus momentos de recaída adolescente). E convenhamos que aquele estranho compositor carioca de barba grande e desgrenhada era muito mais divertido quando ainda acreditava em guitarras distorcidas, refrões, backing-vocals e em suas canções com nomes de garotas.
Com quase sete anos de formação e tendo na bagagem um disco distribuído pela Universal Music (‘Ramirez”, 2005), a banda carioca Ramirez – formada por Thiago Pedalino (guitarra e voz), Frank Dias (baixo e voz), Matheus de Giacomo (bateria) e Pedro Curvello (guitarra e voz) – reafirma em seu novo álbum “Desembarque” – lançado de forma independente em dezembro e disponível para download na íntegra no site da banda – que quer manter a veia teenage do primeiro ao último acorde. Alguns tentam acusá-los de pertencer ao “meio emo”, quando o rótulo de pop lhes parece muito mais cabível.
Embora haja um pouco mais de peso aqui e ali (fruto da passagem do guitarrista Pack, da banda Drive, que assumiu o posto que pertencia ao guitarrista Rafael Cosme e atualmente está sob a responsabilidade de Pedro), a essência do novo trabalho é exatamente a mesma do disco de estréia, tanto nos temas (apesar de existir nesse ponto uma evolução natural que atinge mais a forma que o conteúdo) quanto nas influências (powerpop, jovem guarda, Los Hermanos, algo de hardcore). E ser praticamente mais do mesmo, neste caso, é algo que se não vem para somar, também não chega a comprometer.
De verve powerpop e com a voz de Thiago remetendo aos bons tempos de Marcelo Camelo, “Não Sou Só Um” abre “Desembarque” com uma das melhores letras do disco, resultado da parceria de Pedalino com Marcos Sketch, que divide com Thiago a autoria de outras nove das doze faixas do álbum (Skecth também é co-autor de “Matriz”, do álbum anterior, responsável por divulgar a banda entre um grande número de adolescentes depois de ter feito parte da trilha sonora de “Malhação”, a novelinha global que não termina nunca).
“Aproveitar o Que Perdi” – segunda faixa do disco e uma das duas músicas que fogem da parceria Pedalino-Sketch (a assinatura fica por conta do ex-guitarrista) – soa um tanto deslocada, mas “Desfile de Motivos” surge como um dos pontos autos do álbum, candidata a hit com o melhor refrão de todo o disco (embora vídeos da música sendo tocada ao vivo há alguns meses mostrem que os vocais de Pack nos versos principais a fariam soar ainda melhor). “Bem Quiser” e “Sophia” mantém o bom nível da faixa anterior, sendo a primeira um rock à Ash e Weezer e a segunda uma balada de melodia agradável e que mostra que se Ramirez gravasse apenas coisas como “Desfile de Motivos” e “Sophia”, o Rio de Janeiro teria seu próprio Teenage Fanclub.
Das sete faixas restantes, apenas “Countrycore” – que de country tem apenas alguns slide-guitars e a palavra “banjo” lá pelos 43 segundos – e “Novos Tempos” (cover desnecessário de Fábio Jr. que encerra o álbum de forma pouco mais que chata) desanimam, enquanto “Em Roma e Lyon” e “O Melhor Que Há Para Nós Dois”, duas músicas razoáveis e ambas de influência sixtie, não possuem o mesmo charme de “Desenhos” (outra das melhores do disco), “Você Foi Longe Demais” (a mais pesada, dona das melhores guitarras de “Desembarque”) e “Frustrações Infantis” (cuja melodia inicial remete diretamente à “Fire Island’ – música do Foutains of Wayne já tocada algumas vezes pelo Ramirez – e que talvez agrade justamente por isso).
“Desembarque” é a prova de que é possível falar sobre os mesmos e bobos temas juvenis sem contanto soar ridículo. Pode até ser que os músicos do Ramirez percebam novas possibilidades e encontrem novos temas e caminhos para serem trilhados. E com essa mudança, talvez acertem a mão, talvez percam o rumo. Mas até lá, a banda segue mostrando que, se ainda não é, esta pronta para ser a melhor no que se propõe a fazer. Referências, refrões, distorções, confissões. Bobagens juvenis que não mudam o mundo e para muitas pessoas enjoam com razoável facilidade. Mas que continuarão tendo seu espaço nos players daqueles que se recusam a considerar gênio qualquer adolescente de talento mediano, idéias desconexas e declarações senis.
Links
– Baixe o disco Desembarque: http://ramirez.art.br/
– Jorge Wagner assina o blog Pedaços de Verdade
QUEM ESSE CARA PENSA QUE EH PRA FALAR ASSIM DA MALLU E DO CAMELO?
Fantástico texto, muito inteligente, exprime muito bem a realidade.
Ramirez é isso mesmo, mas talvez por isso me agrade tanto. Pode não ser maduro, pode não ser a coisa mais bela ou trabalhada do mundo, mas tem um som agradável, que pega, que te faz cantar e se divertir. O que é música senão isso?