por Marcelo Costa
Texto escrito para a revista Rock Press, edição 32, fevereiro 2001
O mundo pop tem dessas coisas. Eu já tinha preparado a minha listinha definitiva de melhores álbuns de 2000 quando um amigo me diz que o novo álbum da PJ Harvey é simplesmente sensacional.
O ceticismo habitual sorriu, mas não é que “Stories From The City, Stories From The Sea” (2000) é sensacional mesmo? O novo álbum de Polly Jean Harvey é um encanto matador apaixonado que trafega entre o barulhento e o intimista.
PJ retorna feliz (das trevas, diriam alguns) deixando para traz as experimentações que marcaram seu álbum anterior, “Is this Desire?” (1998), e se apoiando com joelhos, cotovelos e voz gritada em rocks ultra-básicos. Resumindo: barulho e letras que valem a pena.
Logo de cara, na lata, “Stories From The City, Stories From The Sea” já vale a pena. É “Big Exit”, faixa 1, rock dos bons. Uma guitarra limpa e ruidosa carrega a voz de Polly que clama por uma pistola, tentando entender o sofrimento humano. [I wanna pistol/ In my hand/ I wanna go to/ A different land]. Sua Fender Telecaster 1967 soa raivosa, como alguém que range os dentes, mais por proteção que por ataque.
O álbum foi gravado em Dorset, na Inglaterra, e em Nova York, nos Estados Unidos. Essas são as histórias da cidade e as histórias do mar que PJ vem nos contar. PJ vive, desde o nascimento (ela está com 31 anos) em Dorset, cidade inglesa beira-mar em que nada acontece além das ondas quebrarem na praia. Quando começou a preparar o repertório para o novo álbum sentiu que as canções estavam com muito clima de maresia. A saída foi um refúgio em Nova York, contraponto perfeito. A escolha reflete no clima do álbum, que fica entre asfalto e água, entre peixes e ratos, entre barulhos de sirenes e ondas que se quebram em rochas, entre helicópteros e pássaros. Sobre tudo isso a bela voz de Polly Jean Harvey cantando com as unhas no coração do ouvinte.
O principal reflexo de “Stories” é que parece que o mundo começa a sorrir para Polly. Nada parece confirmar os boatos de que ela, que ficou dois anos sem gravar, estivesse drogada, anoréxica, louca. Se esteve já faz parte do passado.
Agora cavalos estão livres em seus sonhos (“Horses In My Dreams”) e ela até se sente à vontade para destilar poesia suave em baladas lentas. Eu acho o disco feliz. Ela, em entrevistas, diz que feliz é exagerado demais. Prefere o termo positivo.
Em “Good Fortune” diz que sente a inocência de uma criança e na seguinte (“A Place Called Home”) até acredita que, com seu amor, achará um lugar de esperança. Em “One Line” declama, sobre o backing de Thom Yorke do Radiohead (que toca teclado em outra e canta “This is Mess We’re In”), “And I draw a line/ To your heart today/ To your heart from mine/ A line to keep us safe”. O amor. O amor que é segredo sujo em “This Is Love” e que a faz flutuar em “We Float”, faixa que encerra um álbum matador.
O mundo pop tem dessas coisas. Mulheres que fazem a gente sonhar e mudar tudo de uma outra para outra. Deixem-me mudar a minha lista de melhores 2000: “Stories”, o melhor álbum do ano.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne