CALMANTES COM CHAMPAGNE
Coldplay, Travis, Starsailor

por Marcelo Costa
31/08/2002

Porque você não gosta de Coldplay e Travis?

Vou acrescentar Starsailor ao pacote, por conta própria. Bem, as três bandas acima citadas correspondem ao que, no interior, chamamos de bandas "coxinhas". São bandas cujos integrantes parecem ter vivido com os avós, foram criados em apartamentos, comeram maça raspadinha na colher e aquelas papinhas gosmentas da Nestlê. Nunca jogaram futebol na rua, brigar então, nem pensar. Ou seja, são moleques que deviam estar trabalhando em escritório, serviços públicos ou fazendo qualquer outra coisa que não arte.

Eu sempre acreditei que música não é algo que você escolhe. Ela escolhe você. Não há como você de uma hora para outra decidir gostar de música clássica, por exemplo. A música te seduz de uma forma que você não conseguirá viver sem ela. Não é uma profissão. Muitas vezes, inclusive, é a falta de. Se música é assim, rock and roll é uma droga mais viciante ainda. Não dá para qualquer Zé Mané pegar uma guitarra se achando o Rei Elvis.

Existe algo no ato de fazer música que só quem tem o dom consegue encontrar. Por outro lado, o movimento punk e seu "faça você mesmo" "permitiram" que qualquer pessoa pudesse fazer e acontecer. Até ai, tudo lindo. Em um mundo perfeitamente democrático (sic) é cool que todos possam exercer seus quinze minutos de fama. 

O grande senão disso tudo é quando bandinhas medianas são elevadas a categoria de mitos. Essa mitificação, vendida em capas de revistas inglesas e comprada por jornalistas de todo mundo, é um dos maiores engodos da indústria musical. Criam-se mitos para venderem revistas, discos, camisetas e o que mais o merchandising permitir. O capitalismo sorri quando você coloca as maõs no bolso, saca a carteira e de dentro dela um punhado de papel. 

As três bandas desse texto são exemplos máximos disso. Três bandas medianas que até escrevem boas canções, mas que nunca entrariam numa lista de TOP 1000 de todos os tempos. 

E com exceção do Starsailor (que é um lixo), eu gosto muito das outras duas. Acho The Man Who um álbum perfeito (embora acredite que o Travis nunca mais vá conseguir encontrar tal beleza pop) e A Rush of Blood in The Head, o novo do Coldplay, é muito bacana (God Put A Smile Upon Your Face é uma beleza e é uma das canções que mais ouvi esta semana).

Um amigo, frente as análises deste site dos álbuns recentes do Wilco e do Flaming Lips, disse que se estes discos são conceituais, os discos do Travis e do Coldplay também são. Grande engano. Coldplay e Travis são monotemáticos. Eles só sabem escrever canções sobre amores perdidos, amores encontrados, amores debaixo da chuva e amores amarelos. Nenhum problema nisso, mas, convenhamos, existem mais palavras no dicionário. Não dá para os colocar no mesmo patamar de gente como Jeff Tweedy (Wilco), Wayne Coyne (Flaming Lips), Jonathan Donashue (Mercury Rev) e Thom Yorke (Radiohead) pois estes últimos estão trilhando o caminho tênue que separa a música pop consumível de massa para a música pop inventiva que pode (e deve, e merece) encontrar o sucesso, mas habita, seja lá de que forma, o território da arte. 

É essa diferenciação que coloca o Belle & Sebastian no grupo dos artísticos ao invés de emparelhá-los com a tríade-mor Travis/Coldplay/Starsailor. Ou seja, há tanto uma via temática quando musical em discussão. 

Tudo isso passaria desapercebido por mim se eu fosse um ouvinte comum apenas interessado no novo lançamento do novo sucesso estampado na capa da NME, mas eu não sou. Ser jornalista é, de algum modo, tentar entender a realidade que nos cerca. Tentar entender o que um álbum como Yankee Hotel Foxtrot representa não só para a música pop 2002, mas para a política, a economia, a história. 

Aceitar de forma inocente que tudo é lindo, maravilhoso, hiper-maxi-sensacional é um dos maiores pecados que o mundo moderno nos faz cometer.  É tudo tão rápido, tão apressado, tão urgente, que ouvimos/lemos/olhamos produtos sem analisá-los da forma correta. Por isso "a melhor banda de todos os tempos da última semana" dos Titãs. Por isso, bandinhas razoáveis como o The Hives sendo vendidas como "a sua nova banda favorita". Por isso a popularização de acústicos MTv e de um movimento como o "new acoustic". Haveria espaço para Beatles e Beach Boys hoje em dia? Incrível que, nos anos 60, segundo mestre George Martin, o melhor da música pop tornou-se a música do povo. Se Travis, Coldplay e Starsailor são os representantes da música do povo em 2002, é fácil perceber que estamos a beira do fim do mundo. 

Por outro lado, não há nenhum problema em gostar de Travis e Coldplay, desde que se saiba que ambos são apenas meros coadjuvantes de uma história que está sendo escrita todos os dias, com guitarras, baixo, bateria, teclados e computadores. A prova cabal, só com o tempo: quem lembrará dessas bandas daqui há dez anos? Quem lembra de Happy Mondays, Inspiral Carpets, Soup Dragons? 

Marcelo Silva Costa, 32 anos, tem oito cds do Travis, quatro do Coldplay, quinze do Elvis Costello e vinte e nove do Neil Young. Tá, tá, tá, trinta e dois dos Bunnymen...
maccosta@hotmail.com


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