CALMANTES
COM CHAMPAGNE
Entrevista
por
Marcelo Costa 14/06/2002
Há
mais ou menos dois meses que estou ensaiando para estrear minha
coluna. Um misto de insegurança com falta de tempo ia
encaminhando a idéia para a gaveta toda hora que eu pensava
em colocá-la em prática.
E
a idéia é super simples. Uma coluna suícida,
dessas em que eu posso falar das coisas que gosto e descer a
lenha no que acho errado sem ter que ficar explicando ou justificando
muito a outrém. É o que eu acho, foda-se. :)
Claro,
tudo muito bem argumentado.
Mas
como escrever a primeira coluna, aquela que apresenta o colunista?
Eu já estava com pautas para a segunda, a terceira e
quarta colunas, mas para a primeira, nada.
Nisso,
um graduando em jornalismo de uma faculdade do RJ, Leonardo
Spinardi, me pediu uma entrevista. Meio que sem pensar, abri
o arquivo word e fui respondendo as perguntas. Envie as respostas
para ele na segunda e, depois, imprimi para ver quanta besteira
eu tinha dito.
Lendo,
vi que tinha conseguido ser super claro nas minhas idéias
e que tudo que eu gostaria de falar numa primeira coluna esava
ali. Contato com o Leonardo e liberação da entrevista
para o S&Y.
Abaixo,
meu bate papo com Leonardo Spinardi. (valeu Leo!) A primeira
Calmantes e Champagne. As coisas surgem nas horas que a gente
menos espera.
Abraços
Marcelo
Costa
Por quê a escolha pelo jornalismo
cultural?
Soaria
tolo se eu dissesse que escolhi o jornalismo cultural. Tanto
quanto dizer que o jornalismo cultural me escolheu. O lance
é que há uma passionalidade em se escrever sobre
música, cinema e literatura que simplesmente me atrai.
Além, são áreas que gosto e que conheço
bem. É mais ou menos como se trabalhar com o que gosta,
ou seja, o trabalho perfeito.
Quando
começou a escrever seus primeiros textos sobre cultura
pop?
Em 1996. Foi nesse ano que um amigo sugeriu a criação
de um fanzine, em papel mesmo. O fanzine fez um relativo sucesso
no meio independente. Quando decidi"migrar" para a internet,
deixei mais de 9.000 exemplares do fanzine em papel espalhados
pelo cenário independente. Pode parecer um número
pequeno para quem vê de fora, mas quem conhece a paixão
com que as pessoas que lêem fanzines recebem um novo exemplar,
sabe o real valor desse número. Depois houve algumas
portas abertas por amigos, desde o pessoal do COL
(grande Cardoso) até o Carlos Eduardo Lima (hoje colunista
S&Y), que me apresentou a Rock Press.
Como
nasceu a idéia do zine Scream & Yell? Por quê
este nome?
A
idéia surgiu de uma vontade minha e de um amigo já
falecido (João Marcelo Gonçalves) em retratar
coisas que estavam acontecendo na nossa cidade (na época
eu morava em Taubaté, Vale do Paraíba, uma cidade
perdida entre duas grandes capitais – SP/RJ) e que não
tinha nenhuma válvula de escape. Claro, também
para poder falarmos de coisas que gostávamos e que não
tínhamos onde expor. O nome foi idéia do João
Marcelo, uma brincadeira com duas palavras diferentes mas com
praticamente o mesmo significado em inglês.
Hoje
o S&Y já conta com uma estrutura bastante sólida
e sempre atualizada para um zine eletrônico. Como se dá
a divisão e o contato com os colaboradores?
Os
colaboradores me procuram e, claro, eu já tenho os meus
preferidos, aqueles com quem posso contar se precisar de uma
entrevista ou de uma pauta. A divisão acontece naturalmente.
A maioria dos colaboradores está começando a faculdade
de jornalismo e o espaço que o S&Y tem vem de encontro
com as necessidades de expor um texto e, principalmente, de
exercitar o que está aprendendo em sala de aula. É
claro que existem pessoas aqui que não são jornalistas,
e eu não me preocupo com isso. Tento sempre me ater a
qualidade do texto. E, sempre, pensar que assim estou abrindo
um espaço, um canal, uma válvula de escape para
este colaborador. Muitos agradecem várias vezes pelo
fato de eu aceitar e publicar um texto seu, mas, na verdade,
eu é quem deveria agradecer por receber tantos e bons
textos continuamente.
Pode
parecer apenas um hobby ou passatempo, mas existe um compromisso
do S&Y com a divulgação do rock nacional?
Existe
um compromisso com a divulgação da boa cultura
e o rock nacional está englobado nisso. Quando falamos
de um filme, de um livro ou do disco, estamos dando nosso aval,
na maioria das vezes passional, a essa determinada manifestação
de arte. É claro que há a idéia principal
de nunca menosprezar ninguém. Assim, podemos tratar de
igual para igual um banda de rock nacional iniciante com a última
sensação da música norte-americana. Disso
tudo fica sempre a idéia de divulgar a boa cultura.
Você
acredita que a experiência adquirida nos zines acaba servindo
como um laboratório para se trabalhar em publicações
maiores ou não se tem tanta liberdade nestas publicações
para expor as idéias da mesma maneira que em um zine?
Acredito
que a experiência adquirida em um zine permite ao profissional
encontrar seu estilo. É claro que ele sempre terá
pressão sobre seus textos em um veículo maior,
em um jornal como a Folha de São Paulo, por exemplo,
mas a experiência adquirida em se escrever e escrever
e escrever permitirá a este profissional abordar o assunto
de uma maneira em que a sua idéia livre se encaixe nos
padrões rígidos da instituição a
que ele trabalha. Ou seja, ele aprenderá a fugir das
amarras de um texto, ou, principalmente, de um editor chato.
Como
surgiu a oportunidade de capitanear a linha editorial da nova
publicação musical, a revista Zero (que veio para
ocupar a lacuna deixada pela finada Showbizz), e qual o motivo
de sua saída antes mesmo da primeira edição?
Quem trabalha com jornalismo nunca fica sossegado. Trabalhando
em veículos vários, eu e o Alexandre Petillo (ex-parceiro
no S&Y e atual editor da Zero) sempre tínhamos vários
planos, muitos deles impulsionados pela ótima acolhida
que o S&Y sempre teve, ou por nosso envolvimento crescente
com jornalismo. A idéia surgiu como surgem todas as idéias,
geralmente de uma necessidade. Nesse mesmo pacote tínhamos
plano de fazer um programa de TV, um programa de rádio
e outras coisas. A revista seguiu e o resultado está
em todas as bancas do país. Um projeto honesto, independente
e sonhador, o que valoriza por demais a publicação.
Minha saída foi fruto de alguns desentendimentos pessoais
(sempre acontecem) e de uma pequena insatisfação
com o rumo que a revista poderia ter. No fim, foi bom para ambas
as partes. Com minha saída, os editores que ficaram tiveram
mais liberdade para seguir a linha que estão seguindo
e eu posso adotar meu pensamento no S&Y. Alias, se eu seguisse
na revista, provavelmente não conseguiria editar o S&Y.
Então, agora eles tem uma revista e e eu tenho um site,
ambos de qualidade. O público acabou ganhando.
Você
acredita que a publicidade pode prejudicar a fidelidade da linha
editorial de uma revista?
Sim.
Infelizmente uma publicação vive de anúncios.
É sonhador demais fazer um fanzine. É bonito,
é livre. Mas uma revista precisa atender a várias
expectativas. Dos parceiros, do público, dos investidores.
Com isso, muitas vezes a parte editorial fica prejudicada. Não
é o fim do mundo, desde que se tenha jogo de cintura
para lidar com o mercado, com os anunciantes e com o texto final.
O pensamento básico é que, sim, é possível
conseguir boas pautas de onde menos se espera. Então,
qual o problema de se ter um RPM na capa se a pauta for bacana.
O entrevistão com o Nahim, no número 1 da Zero,
prova isso.
Em
uma publicação de grande porte, como lhe dar com
a responsabilidade de ser um formador de opinião e antecipar
vanguardas, sem se deixar cair no modismo (hypes) comprometendo
a qualidade da informação e a linha editorial
do veículo?
Sendo
honesto, sempre. O jornalismo cultural está com muita
tendência a modismos, já que cada jornalista quer
ser o porta voz da próxima revolução cultural.
A maneira de lidar com isso é sendo honesto consigo mesmo
e honesto com o público.
O
Brasil não possui uma tradição no consumo
de cultura pop, diga-se rock neste caso. Qual a proposta que
você adotaria para uma publicação musical
de seu próprio domínio, para que conseguisse sobreviver
neste tipo de mercado?
Ser
independente. Em uma editora independente, uma revista pode
alcançar margens de vendas que variem de 7.000 a 30.000
exemplares. Essa margem nunca seria aceita em uma grande editora.
No mais, cultura pop tende a crescer, já que é
uma cultura predominantemente popular, mas isso depende de toda
uma engrenagem. Se uma publicação independente
como a Zero conseguir sobreviver mês a mês com uma
tiragem de 20.000 e que vá aumentando 10% ao mês
(por n fatores), logo essa publicação poderá
ter um público maior e que ninguém tem autoridade
para quantificar. Pode ser 30.000, pode ser 60.000. Podem ser
100.000. Leitores existem aos montes, mas muitos não
têm acesso a uma revista (outra vez, por n fatores).
Você
acredita que a segmentação pode ser a solução?
Não.
Acredito que a segmentação encontrará cada
vez mais públicos menores porque a tendência é
segmentar eternamente. Então hoje nós temos uma
revista de música. Amanhã vamos ter uma revista
de música, focada no rock. Depois de amanhã o
foco será música/rock/anos 90/ e depois música/rock/anos
90/nacional/ e assim por diante. É uma estrada sem fim.
O que é preciso é apenas escrever bem, ter boas
pautas, seduzir o leitor. E, sobretudo, dar a esse leitor subsídios
para descobrir que a publicação, 1) está
nas bancas 2) tenha um preço acessível a esse
leitor.
Como
consumidor, o que você espera das novas publicações
sobre cultura pop como as revistas Frente e Zero?
Espero
que elas cresçam e durem. E, principalmente, inspirem.
Eu estou aqui, hoje, porque era leitor da revista Bizz. Hoje
eu trabalho com jornalismo porque pessoas como Ana Maria Bahiana,
André Forastieri, André Barcinski, Marcel Plasse,
José Augusto Lemos, José Emílio Roundeau
e outros me inspiraram. Por isso existe uma seção
como a "matérias
antológicas" aqui no S&Y. É um reconhecimento,
mesmo. E eu espero que essas novas publicações
façam com a juventude de hoje o que a Bizz, o caderno
Ilustrada da Folha de São Paulo, a Som Três, fez
comigo no meio dos anos 80: ter vontade de ser jornalista.
Para
você, que trabalha diretamente com o cenário do
rock alternativo brasileiro, como você vê a estrutura
deste espaço?
Está
melhorando, aos poucos, como tudo que acontece em um país
subdesenvolvido. Alguns selos independentes começam a
se firmar no mercado, como a Monstro
Discos de Goiânia, a Midsummer
Madness do RJ e o selo Bizarre em São Paulo. Ainda
faltam lugares para shows, mas as bandas brasileiras precisam
dar a cara a tapa. Precisam começar a tocar em qualquer
lugar, como a turma de Brasília fazia em 1983, como os
punks em São Paulo faziam nessa mesma época. Muitas
bandas estão acomodadas achando que só de gravar
um disco já está ótimo. Não está.
Disco qualquer um grava hoje em dia. Mas só vai vingar
aqueles que tocarem e tocarem muito. Porque o fato de tocar
ao vivo melhora o som da banda, além de criar uma união
com o público. A cena independente deve melhorar ainda
mais. Não digo que ela será mainstream um dia,
mas que ela poderá sobreviver com a cena norte-americana
ou inglesa, sim.
O
surgimento de festivais como o Goiânia Noise (GO), o Porão
do Rock (DF) e o Mada (RN) pode ser considerado uma evolução
para o cenário alternativo. Como você enxerga esses
festivais e quais as principais bandas que tem se destacado?
Festival
é sempre um celeiro de boas bandas. O Los
Hermanos, para mim, a principal banda da atualidade do cenário
nacional, despontou em um desses festivais, o Abril Pro Rock
em Recife. Muitas boas bandas tocam nestes festivais. Eu mesmo
tenho uma dúzia de bandas preferidas. Das que já
vi ao vivo, o Wonkavision
de Porto Alegre tem um teor pop de primeira. Vi eles no Upload
Festival 2001 (que terá sua segunda edição
este ano) e foi muito bom. Algumas semanas atrás presenciei
a estréia do Supertrunfo (ex-Maybees) que trocou o nome
e a língua (eles cantavam em inglês, agora cantam
em português) para tentar alcançar um público
maior e o show foi sensacional. Tem a Walverdes
(de Porto Alegre também) que está lançando
seu primeiro cd (o anterior era um ep) e a gravação
está excelente. O som deles é bem cru, porrada
mesmo. Não acredito que toquem em rádio FM normais,
mas em rádios rock eles deveriam tocar, e já.
E o Momento 68,
um som meio anos 60, que lembra Beatles, The Who, psicodelia.
Tecnologia, o disco que eles estão lançando
agora e já é um dos melhores do ano. E eles serão
distribuídos no exterior pelo selo Voice Print, o que
é uma ótima noticia. Eu poderia ainda citar o
Blemish e a Wacko,
duas bandas que cantam em inglês mas que tem uma sonoridade
e uma pegada totalmente pessoal. A Wacko, inclusive, partiu
para tentar a sorte no mercado europeu. A banda está
residindo em Londres e não me surpreenderia nada se a
New Music Express falasse deles amanhã. O show deles
é caótico, violento, excelente. Das bandas que
recebi CD mas não vi show, adoro a Lasciva
Lula do RJ e tenho ouvido muito uma banda de Londrina chamada
Lorena Foi Embora.
Na
sua opinião, o jornalismo musical deve ser encarado com
distância e imparcialidade ou com paixão e contundência
como no jornalismo gonzo?
Nem
um e nem outro. Jornalismo cultural implica passionalidade.
Mas há maneiras de se ser passional e ser critico. É
só deixar a razão controlar a emoção.
Há muita diferença entre "O Los Hermanis fez um
show excelente" e "o Los Hermanos fez um show que eu achei excelente".
No primeiro caso, observamos a imparcialidade, já que
a frase excelente vem carregada de emoção. Mas
vem carregada também de critica. Na segunda temos uma
conotação masturbatória de um jornalista
que se julga mais importante que a noticia. Jornalismo gonzo
é muito bacana, mas não é jornalismo, é
literatura. Como dizia Lester Bangs (vide o filme Quase Famosos),
um dos jornalistas mais passionais que já existiu: "Estrelas
do rock são cool, jornalistas não". Pena que muita
gente por ai não tenha entendido esse recado.
Marcelo
Silva Costa, 31 anos, é editor do S&Y, acha que todas
as mulheres são loucas (não só as que ele
conhece), gostou pacas de Yeah Yeah Yeahs mas prefere perder
tempo ouvindo os Besides do Sugar acompanhado de milk
shake de ovolmatine a ficar ouvindo pela enésima vez
que Starsailor é que é legal. (não, não
é) :)~~ maccosta@hotmail.com
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