Planeta Terra ... "2+2=5"
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
13/06/2003

Se você quer realmente saber como é Hail To The Thief, sétimo rebento do grupo inglês Radiohead, musicalmente falando, te aconselho a sair desta matéria e procurar informações em outro lugar. Não que eu não vá falar das músicas (eu vou), mas o enfoque principal desse texto é "como ter uma banda de sucesso (tanto da crítica quanto de público) sem arredar um milímetro de suas convicções pessoais". E isso, meu amigo, chega a ser muito mais importante do que a música em si. Claro, a máquina toda gira em torno de canções pop, e nisso o quinteto já provou ser brilhante. Dessa forma, por que eu ficaria aqui torrando meus neurônios para lhe dizer que o disco é bom? Não precisa, mesmo porque quase todo mundo na grande (e nanica) imprensa já disse.

De um rascunho grunge (a bela balada Creep) em um álbum de estréia que buscava o sonhado som próprio (o mediano Pablo Honey de 1993), passando pela segunda vinda, um álbum de pilhagem de canções do U2 (com personalidade, sim, mas pilhagem) resultando em um repertório conciso (o soberbo The Bends de 1995), a banda chegou ao terceiro e fatídico álbum (na história pop, conhecido como o álbum que define a carreira da banda) com muita moral para experimentar, atirar no escuro e, sobretudo, assumir os próprios erros. Bobagens. A banda acertou no alvo e praticamente não errou na obra-prima Ok Computer (1997) e tudo que aconteceu desde então encontra resposta (e reforço) em Hail To The Thief. Entre eles, dois álbuns "experimentais" (Kid A e Amnesiac) que serviram para delimitar o domínio da banda sobre seu público (algo que, provavelmente, eles abominem), sobre a crítica (que eles nem devem dar bola) e, principalmente, sobre a indústria cultural (a grande responsável por tudo que você "consume" culturalmente).

A transformação pode ser melhor percebida no filme Meeting People Is Easy, retrato de uma banda se libertando do mercado fonográfico (e de si mesma, por que não). Em singles, a postura política da banda começava a aflorar. Exemplo máximo: Air bag/ How Am I Driving? (CD especial para o mercado norte-americano). No formato 'extended play', a bolachinha traz(ia) sete canções, dessas, seis inéditas. No encarte, um texto do importante pensador de esquerda Noam Chomsky.

O que esperar da banda no passo seguinte? Rock indie de guitarras. Eles vão é aposentam o instrumento no armário por dois discos, defendendo a personalidade. Sim, porque comprar o disco de uma banda ou pagar o ingresso de um show não lhe dá o direito sobre a vida do artista (o que, por sinal, muitos fãs confundem). Arte não é a bolsa de valores (ou pelo menos não deveria ser) em que se compra uma ação e se passa a fazer parte de uma sociedade. Como diria outro, a relação de comércio se resume em você pagar alguém para fazer aquilo que você não consegue fazer, e isso vale desde encanadores a advogados, passando, sim, por artistas pop, o que não quer dizer que você está pagando para este último realizar os seus mais profundos desejos. Pausa. 

Enfim, chegamos ao fatídico onze de setembro de dois mil e um. A banda está no palco em Berlim quando as torres gêmeas são atingidas. Ele fazem o show completo até que no bis Thom Yorke começa a contar ao público sobre os ataques terroristas. É quase certo que, naquele momento, Hail To The Thief surgiu para o Radiohead. Porque foi logo após isso que a banda começou a compor e preparar material para o sétimo álbum de sua carreira. Porque, praticamente um ano depois a banda saiu do casulo com um repertório forte para shows em Portugal e na Espanha, tocando praticamente 90% do que viria a ser Hail To The Thief e pouco se fodendo para o fato de que todas as músicas fossem (e foram) parar na Internet. E, principalmente, porque esse é o álbum que deve (ou pelo menos deveria) fazer com que a banda reencontre as massas. Para isso, um disco que funde a inocência juvenil (aqui, vertida em experiência) dos dois primeiros álbuns com a virulência distanciada dos dois álbuns de esconderijo (Kid A e Amnesiac). O resultado é, ao mesmo tempo, simples e grandioso. Climas densos alternados com guitarras, às vezes, na mesma canção. As canções soam mais cheias, inventivas, variadas, tensas, emocionais. É o Radiohead atingindo a maioridade e se reinventando em um mundo que se reinventa a todo minuto. A banda, sempre na última onda (digital, ok computer) continua ditando as regras nesse pobre mundo pop. 

Com certeza você já leu em algum lugar, o título do disco é uma saudação ao ladrão e tem ligação com o presidente norte-americano George W. Bush e sua tão falada eleição forjada. Assim, na cara (ok, na capa), o Radiohead já arma o barraco para cima do tal homem mais poderoso do mundo. Tem que se ter culhão, ser idealista e, sobretudo, acreditar na honestidade e no poder da comunicação (ops) para pensar alto desse jeito. Porém, a própria banda sabe o quão pequena é frente a toda máquina corporativa mundial. 

Não à toa, se a palavra "amor" ficou de fora de Amnesiac, em Hail ela só aparece perdida e nua na última (e grande) música do álbum, A Wolf At The Door. Nas outras, "inferno", "veneno", "frutas podres", etc..., nos fazem lembrar que viver no Planeta Terra no ápice do capitalismo não é brincadeira, afinal, esse é o lugar em que "2 + 2 = 5". É o mundo desencantado e claustrofóbico de Thom Yorke se parecendo cada vez mais com o mundo de todos nós. Mas, claro, nem tudo está perdido. E a esperança é jogada nos braços das "crianças", provavelmente a palavra mais repetida em Hail To The Thief. Parece que Thom assume o mundo sombrio que vivemos sem desistir de lutar, sabendo que as crianças de hoje têm tudo para ser a salvação do amanhã. Na terceira faixa, Sail to the Moon, uma dica: "Talvez você seja presidente / E saiba o que é certo e o que é errado / E no meio da inundação / Construirá uma arca".

E o filho de Thom Yorke se chama Noé...

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