"Amnesiac"
- Uma merda ou uma pérola?
por
Marcelo Costa 01/02/2002
maccosta@hotmail.com
Eu
já era fascinado por música quando tinha 12 anos,
culpa dos meus pais que tinham tantos vinis quanto o que tenho
em CDs hoje, mais ou menos uns 1200. Mas o fato que importa
é que eu tinha 12 anos em 1982 e uma das coisas que mais
pensava é em como seria o mundo no ano 2000.
Sempre me imaginava com 30 anos em uma nave espacial vivendo
uma vida à la Jetsons. E quando pensava em música,
o que me vinha à cabeça era eletrônica.
Eu acreditava que no ano 2000 não existiriam mais pessoas
extraindo algo do formato guitarra/baixo/bateria (muito embora
eu nem devesse saber o que era formato guitarra/baixo/bateria)
e tudo seria musiquinha de robôs.
Bem, a década de 90 passou, a virada do milênio
também e as coisas continuam como sempre foram, para
o bem e para o mal. E conforme os anos foram passando, eu esqueci
quase que totalmente desse pensamento de criança. Quase,
porque Amnesiac trouxe esse pensamento de volta.
Amnesiac é o quase novo trabalho do Radiohead,
uma das bandas mais importantes dos últimos anos no mundinho
pop, fama conseguida principalmente com Ok Computer,
de 1997, que trazia canções pop com etiqueta de
arte. Quase novo porque a maioria das canções
é sobra das sessões do álbum anterior,
Kid A.
Desde Ok Computer que a banda tenta caminhar na contra-mão
da música. A fama conseguida com este álbum meio
que pirou o líder da banda, Thom Yorke, que, entre outras
coisas, desistiu de criar gemas pop e preferiu ater-se a sons
desconexos. A atitude do cara renderia um texto à parte,
mas o que importa aqui, e agora, é o que acontece quando
a luz do laser atinge o CD e o som sai das caixas.
Amnesiac é indefinível. A enquete que ficou
duas semanas na capa do S&Y colheu opiniões tão
antagônicas que parecia que o assunto tratado não
era o mesmo. Tem gente que chamou de maravilhoso e tem gente
que disse que é lixo. A audição nos deixa
em dúvida se estamos ouvindo a maior porcaria já
lançada ou o álbum mais visionário dos
últimos anos. Tanto pode ser um quanto pode ser outro
e nessa dualidade reside a chave da questão: Amnesiac
é uma merda ou é uma pérola? Ou é
uma merda e é uma pérola? Tostines é fresquinho
por que vende mais ou vende mais por que é fresquinho?
Sinceramente, não sei o que dizer. Na primeira vez que
ouvi, a reprovação foi total. Duas semanas depois
ele encheu de melancolia o melancólico ambiente em que
eu estava, e funcionou a perfeição. Acho que se
ouvir quando acordar, malho o CD na parede. Acho que se eu ouvir
ao entardecer, a noite será mais bonita. Dúvidas.
Um dos fatos que mais chama a atenção é
que a banda não guardou as canções mais
palatáveis das sessões de Kid A, como muito
se alertou na época. Amnesiac é sim um
Kid B, com o diferencial que o que havia de mais eletrônico
lá, há de mais triste aqui. E canções
como True Love Waits e I Promisse continuam inéditas
na discografia da banda.
No liquidificador anti-pop do Radiohead entram muitos chiados
e muitos efeitos e muito piano e muita repetição.
Depois de batidos por um bom tempo, recebem a voz doentia e
tristonha de Thom embalada por arranjos que desnudam totalmente
a melodia (quando a melodia existe) pisando aqui e ali no território
jazzístico. É claro que é uma apropriação
(o The Clash era especialista em fazer essas fusões)
e a voz anasalada de Yorke na faixa quatro, ou And Whose
Army?, funcionaria bem num pub abandonado. O grande detalhe
é que tudo é liricamente simples. A genialidade
dos arranjos busca, e consegue, modernizar canções
simples que devem ficar excelentes ao violão. Com isso,
uma aura cult paira sobre o som desses ingleses. O senão
é que, por várias vezes, certos arranjos só
funcionam na desconstrução da melodia, e aí
só fã mesmo para enxergar beleza (o amor cega,
podem acreditar).
Tudo soa inaudível e belo, numa situação
que não permite apenas amar ou odiar. Não sei
se a minha cabeça de menino de 12 anos teria paciência
para escutar Amnesiac (eu estava mais interessado no
citado The Clash), mas se naquela época eu tentasse descrever
como seria o som do 2000, acredito que sairia algo assim. Devemos
voltar no tempo ou continuar caminhando? Ouça e decida.
Eu vou ficar em cima do muro. E não tenho vergonha disso.
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