"Flores Humanas" - Mariana Davies
por Marcelo Costa
Foto - Bruna Peixoto / Divulgação

maccosta@hotmail.com
28/10/2004

Há quatro anos atrás, Mariana Davies surpreendeu boa parte da crítica ao debutar com um álbum que unia, em suas treze composições, apuro técnico, boas melodias, riffs de guitarra e refrões para serem cantados e cantados e cantados. O hit Por Hoje chegou a tocar bem em algumas rádios (e no 'folheteen' Malhação), mas não serviu para impulsionar a carreira dessa carioca que é apontada por muitos como o segredo mais bem guardado do rock nacional. O segredo tem tudo para ser desvendado com Flores Humanas (Indie Records), excelente novo disco que traz uma Mariana Davies abraçada ao som de guitarras tanto quanto à melancolia.

"Eu tive muito mais liberdade nesse disco", conta Mariana em entrevista, ressaltando que foi muito podada no primeiro trabalho. "No primeiro disco o pessoal da gravadora pediu para abaixar as guitarras, mexeu na mixagem", desabafa. "Neste segundo, eu e o Marcio Gama (engenheiro de som na estréia) fomos fazendo juntos. Não sei se foi falta de interesse da gravadora, que não quis pagar um produtor, mas isso acabou nos deixando livres para ousar mais e fazer do jeito que a gente queria", conta.

O resultado de tanta liberdade é um disco de rock com guitarras altas duelando com o vocal que declama letras quase que sempre melancólicas. "Procure ser você / Nem sempre dá para ser / Venha o que vier / Ninguém mais quer viver para sempre", diz a letra de Conto de Farsas, primeiro single de Flores Humanas. "Eu estava muito nessa parada de respeito, esoterismo. 'Não faça com os outros o que você quer que façam contigo'. Eu sempre tive muito isso como regra básica na minha vida, inclusive acho que isso não me levou a lugar nenhum, mas tudo bem", desabafa. "Mas a música fala sobre isso. É tipo 'quando você tiver menos vontade de me amar, é a hora que mais preciso'. São coisas universais que todas as religiões falam sobre o amor. E é a parada da farsa mesmo, de que você mostra uma coisa para a sociedade porque a sociedade quer ver você exatamente assim. Então você se acaba adaptando a isso, mas você não é isso", acredita Mariana.

Flores Humanas abre com a forte Entre Nós, que traz uma guitarra suja (à la Nirvana) brigando com baixo e bateria por destaque na introdução. A letra lembra algo de Renato Russo. "Se quer ir, vá agora / Pra não termos mais que nos perdoar". Na seqüência, Conto de Farsas abre com dedilhados de guitarra, o que destaca o belo vocal de Mariana. Constelação e Colheita remetem ao irmão de Mariana, Marco Antônio, a quem ela dedica o disco, e que morreu de câncer ainda criança. "Eu que pensei em lhe ver crescer / Mas o que cresce é só essa saudade que me nega", diz a letra de Constelação, que traz um arranjo de teclado no meio que remete ao clássico Sgt. Peppers dos Beatles.

"Eu meio que comecei pela história de crianças, lembrando do meu irmão", explica Mariana quanto à unidade temática do disco. "Eu estava lendo um livro espírita, da doutrina de Allan Kardec, e há um espírito chama as crianças de flores humanas. Me deu vontade de falar sobre isso, muito porque o que a gente é hoje vem da infância. Traumas ou alegrias ou qualquer coisa assim. Nossa estrutura hoje é o que a gente passou na vida, de bom e de ruim. Não é só de universo infantil esse disco", acredita a compositora.

Para o Bem de Quem tem pique de rock'n'roll, com bateria marcada e excelente vocal de Mariana enquanto Tem Alguém no Meu Lugar começa delicada e cresce no refrão. Uma das grandes canções do disco é Música do Coração. No universo de Mariana, uma música do coração é, quase sempre, uma canção de acerto de contas. "Você fala de mim / Como se já conhecesse minhas mãos / Minhas mãos não te conhecem / Elas só te calam porque eu sei como falar / Eu falo que te amo, mas não sei como lhe amar", define a belíssima letra.

Mariana Davies é uma cantora do nível de Polly Jean Harvey e Fiona Apple, que usa a guitarra e a voz para contar suas particulares impressões sobre o mundo. A opção pelas guitarradas, alias, deve ser um dos motivos pelo pouco caso com que é tratada dentro da gravadora, que tem em seu cast grandes nomes da MPB e do samba como Jorge Aragão, Alcione, Fundo de Quintal, Erasmo Carlos, Fagner e Zeca Baleiro, entre outros. "Temos uma gravadora só para dizer que 'temos uma gravadora'", conta, entre risos. "É a mesma coisa que nada. Eles até mandam o disco para alguns lugares, mas já não é mais como antigamente", diz a cantora, que vê com muitos bons olhos a cena independente. "Estou super feliz com o Gram, o Ludov (duas bandas paulistas, sendo que o Ludov foi um dos destaques do VMB 2004). Vi o show destas duas bandas aqui no Rio e foi muito legal. Eu conhecia o Gram do clipe. O Ludov eu conhecia há mais tempo. Eles conseguiram um espaço tão grande sem apoio de gravadora. É muito legal isso. Fiquei maravilhada. Sou a favor dessa cena independente. Ela envolve amizade também. As pessoas que curtem a música acabam falando e tocando em lugares legais", acredita Mariana.

Flores Humanas é daqueles discos em que destacar uma música é desmerecer outra, tamanho a unidade do material. Não bastasse compor bem, Mariana ainda consegue levar para o seu mundo canções de outros artistas. Na estréia, uma versão para Circo Voador, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, dava o recado. Em Flores Humanas, Mariana recuperou dois grandes sucessos da música brasileira: Alice - Não Me Escreva Aquela Carta de Amor, do primeiro disco do Kid Abelha (quando eles ainda atendiam por Kid Abelha e os Abóboras Selvagens) e Revelação, sucesso com o Fagner, composto por Clésio e Clodo. Alice nada traz da original, além da letra. Nas mãos, guitarra e voz de Mariana, o hit cantado por Paula Toller nos anos 80 ganha ares depressivos e impressiona. "Até tirei 'o amor' do final. Eu queria mesmo quebrar a cadência dela. A idéia era de como ela estivesse se olhando no espelho. Tem até uma peça, Alice atravessa o Espelho... É como se fosse um alterego. Meio coisa de sonho, essa coisa de você falando com você mesmo", resume Mariana.

Revelação, segundo Mariana, é coisa de ônibus. "Sempre que a gente saia para tocar por ai, acaba cantando ela de farra no ônibus, violão e voz, toda a galera. Eu sempre curti muito essa música e acabou rolando", conta. Na gaveta, ainda ficou uma versão de Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, cantada sobre a base de Lithium, do Nirvana. "A gente fazia de bobeira com a outra banda. Alias, a banda com que me apresento ao vivo hoje em dia não é a mesma banda que gravou o CD. Então, com a outra banda a gente fazia isso de tocar Olhos nos Olhos com a base de Lithium. Ficou legal. Com essa nova banda eu ainda não peguei para toca-la... às vezes fico na dúvida, não sei de toco ou não toco", despista, pensativa.

Os próximos passos de Mariana Davies são fazer um clipe para Conto de Farsas e tocar, tocar e tocar. "A gente está fazendo por conta própria porque a gravadora infelizmente não pôde dar o clipe. Então está sendo uma corrente de amigos. É difícil organizar para que todo mundo esteja junto no mesmo dia para discutir as idéias, mas está rolando. Acho que em novembro o clipe já deverá estar pronto. Nós somos totalmente independentes. Mesmo para tocar, existe um custo muito alto para a banda. Estamos tentando fazer shows, mas é preciso que o contratante queira dividir as despesas. Estamos tentando marcar algo em São Paulo. A música está tocando na Brasil 2000, e estamos tentando acertar algo com o Gram e com o Ludov. O futuro é isso: as bandas se unindo para fazer tour juntas, como acontece fora do Brasil. É como ver um show dos Stones com os Strokes abrindo", acredita a roqueira. Com dedos na guitarra e pé na estrada, Mariana Davies abraça o rock e lança um disco atemporal e recheado de excelentes canções. O segredo foi contado...


Entrevista - Mariana Davies
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
28/10/2004

Pianista autodidata desde os 13 anos, Mariana Davies, uma carioca que passou boa parte da vida em Petrópolis, pode despertar uma série de comparações enquanto rolam as primeiras músicas de Flores Humanas, segundo disco de sua carreira.

A melancolia e sofisticação de parte das canções, o tratamento sonoro e a dinâmica das guitarras (entre o suave e o ríspido), os coloridos de piano aqui e ali, tudo traz à mente o trabalho de Radiohead e de algumas mulheres inglesas e americanas que estão entre suas melhores contemporâneas: Fiona Apple, PJ Harvey, Tori Amos, Shirley Manson (Garbage), entre outras.

Assim como esses artistas, Mariana não teve receio em transformar sentimentos, por mais dolorosos que fossem, em arte. Flores Humanas, conta ela, é um disco sobre o universo infantil ­ e sobre como tudo o que acontece na infância vai repercutir na idade adulta. Confira entrevista com a cantora.

P - O disco parece estar bem mais pesado que o anterior...
R - Eu tive muito mais liberdade nesse disco. Um dos motivos é porque o disco não teve produtor. Quem produziu fui eu e o Marcio Gama, que é o técnico de som. No primeiro, o Marcio foi engenheiro de som e a produção ficou com o Roberto Lly. Neste segundo, eu e ele fomos fazendo juntos. Não sei se foi falta de interesse da gravadora, que não quis pagar um produtor, mas isso acabou nos deixando livres para ousar mais e fazer do jeito que a gente queria. No primeiro disco o pessoal da gravadora pediu para abaixar as guitarras, mexeu na mixagem.

P - A falta de produtor acabou ajudando...
R - É. Com certeza. Foi maravilhoso.

P - O que mudou da estréia para este novo disco?
R - Algumas músicas deste disco novo já estavam prontas quando nós gravamos o primeiro. Foi mesmo coisa de gravadora, que quis direcionar o primeiro disco. Eles queriam as músicas menos complicadas...

P - As mais populares...
R - Acho que sim. Eles queriam uma coisa que prendesse mais, que tivesse refrão. E no novo não teve essa coisa. O disco não teve que passar por nenhum crivo, ninguém ouviu. Foi o que a gente quis. O que deu na telha eu fui colocando nas músicas. Acho que a diferença entre um e outro é mais a liberdade de criação mesmo. A autonomia.

P - Dá para dizer, então, que esse disco é a cara da Mariana Davies?
R - È parecido. (risos). É que a gente nunca está completamente feliz. Feliz eu estou. Estou orgulhosa, mas é que no primeiro existem coisas que eu não gosto. Agora estou mais feliz. É mais parecido comigo mesmo.

P - O que você não gostou no primeiro disco? Você não gostou de que a Por Hoje representasse o trabalho?
R - Esse foi um caso clássico de uma música que teve as guitarras muito abaixadas. Eu não gostei do resultado final dela, não que eu desgoste da canção, mas eu já estava no clima deste segundo disco. Músicas como Hoje Eu Quero Dormir e Sempre Te Vi, Nunca Te Amei já estavam indo por esse lado. Eu acho, realmente, que ela não teria que ser a primeira música. Não é o meu universo. Talvez se ela tivesse sido a terceira música de trabalho. O pessoal da gravadora já tinha visto os meus shows, sabia qual era a minha proposta.

P - Flores Humanas é um disco conceitual?
R - As pessoas estão achando isso. É que existe uma ligação de uma canção na outra. Existe uma sonoridade, uma identidade...

P - E tematicamente?
R - Eu meio que comecei pela história de crianças, lembrando do meu irmão. Eu estava lendo um livro espírita, da doutrina de Allan Kardec, e há um espírito que chama as crianças de flores humanas. Me deu vontade de falar sobre isso, muito porque o que a gente é hoje vem da infância. Traumas ou alegrias ou qualquer coisa assim. Nossa estrutura hoje é o que a gente passou na vida, de bom e de ruim. Não é só de universo infantil esse disco.

P - Como você escreve? De onde vem a inspiração?
R - Eu sou meio chata. Existem algumas palavras que eu não gosto de usar. O meu trabalho é um pouco híbrido. Eu não sou muito ousada em palavras, acho que é mais na estrutura. Eu sou apaixonada pela língua portuguesa. Gosto muito de literatura. Tem vezes que erro, mas é por causa da métrica. Então acabo caindo no coloquial. Mas eu tenho essa preocupação de estruturar as músicas. Não que tenha que necessariamente fazer sentido, na minha cabeça faz... O que eu gosto de ler são coisas como Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), que virou meio clichê agora. Gosto muito da Revolução dos Bichos. Gosto de Schopenhauer também, "O Mundo como vontade e representação"...

P - O primeiro disco tinha muitas parcerias...
R - Acho que foi a escolha do repertório do primeiro que ocasionou isso. Não é que eu não goste de parcerias, mas é que as músicas em parcerias acabam sendo as mais fáceis. Eles vivem me dizendo que este disco novo é difícil de trabalhar. Neste disco, a música Flores Humanas foi uma das primeiras coisas que eu fiz, em parceria com a Aline Veiga. A gente tinha feito A Colcha de Retalhos no primeiro. Ela é boa letrista, tem um bom ponto de vista.

P - Tem alguma canção que represente o disco?
R - A primeira escolhida para single foi Conto de Farsas. A gravadora queria outra, uma que, inclusive, eu nem queria que tivesse entrado, Curso das Horas. Eu achava que essa música não tinha haver com o repertório, mas a gravadora quis. Foi a única exigência que eles fizeram nesse disco. Acho que eles pensaram que se o disco naufragar, essa música servirá para salvar. (risos)

P - Fale sobre Conto de Farsas...
R - Eu estava pensando muito nessa coisa de respeito, esoterismo. "Não faça com os outros o que você quer que façam contigo". Eu sempre tive muito isso como regra básica na minha vida, inclusive acho que isso não me levou a lugar nenhum, mas tudo bem. Mas a música fala sobre isso. É tipo "quando você tiver menos vontade de me amar, é a hora que mais preciso". São coisas universais que todas as religiões falam sobre o amor. E é a parada da farsa mesmo, de que você mostra uma coisa para a sociedade porque a sociedade quer ver você exatamente assim. Então você se acaba adaptando a isso, mas você não é isso.

P - Como foi feita a escolha das covers?
R - Alice (Kid Abelha) foi o seguinte. Eu estava compondo uma música e enquanto fazia a melodia, pensei que aquilo parecia com alguma coisa. Fiquei pensando e lembrei dessa música, parecia com Alice. De alguma maneira parecia. Então decidi fazer uma releitura. Já a Revelação (Fagner) é uma coisa de ônibus. Sempre que a gente saia para tocar por ai, cantava ela de farra no ônibus, violão e voz, toda a galera. Eu sempre curti muito essa música e acabou rolando.

P - A Alice ficou bem diferente da original...
R - Foi saindo assim. Fui adaptando essa coisa que estava pronta, harmonia e melodia, à letra. Até tirei "o amor" do final. Eu queria mesmo quebrar a cadência dela. A idéia era de como ela estivesse se olhando no espelho. Tem até uma peça, Alice atravessa o Espelho... É como se fosse um alterego. Meio coisa de sonho, essa coisa de você falando com você mesmo.

P - Como você lida com essa coisa de receber tantos elogios da crítica, porém, não conseguir um espaço legal nas rádios?
R - É esquisito. Eu não entendo muito bem. Nem sei falar muito sobre isso porque realmente não entendo. O público gosta. Toquei estes dias em Belo Horizonte e Patos de Minas e foi muito legal. O pessoal novo gostou de Alice e Revelação, o que me deixou surpresa. Era mesmo meio que um teste para saber como a galera iria receber isso e o resultado foi legal. Foi uma surpresa deliciosa. Os formadores de opinião também têm gostado do som. Não sei. Talvez essa falta de espaço tenha relação com a pirataria. A gravadora, também, já não quer desenvolver o artista. Eles querem o sucesso imediato, o agora. Só que eles não sabem que o que dá dinheiro é desenvolver o artista. É isso que cria um público fiel. Sem contar que a gravadora fica com um catálogo vasto. A gravadora sobrevive muito de catálogo nas horas dificieis. Mas, apesar de tudo, acho que existe um mercado a ser explorado. Estou super feliz com o Gram, o Ludov. Vi o show destas duas bandas aqui no Rio e foi muito legal. Eu conhecia o Gram do clipe. O Ludov eu conhecia há mais tempo. Eles conseguiram um espaço tão grande sem apoio de gravadora. É muito legal isso. Fiquei maravilhada. Sou a favor dessa cena independente. Ela envolve amizade também. As pessoas que curtem a música, como você, acabam falando e tocando em lugares legais.

P - Acaba virando uma corrente...
R - Com certeza. Acho que antes o cenário estava dominado pelo pessoal que parece que não gosta de música. Fica parecendo que estas pessoas que falam de música parecem não gostam de música. É estranho. Mas a gravadora está perdendo um pouco do monopólio que tinha. Os jabás que elas próprias instituíram, a pirataria, essas coisas estão fazendo com que a gravadora perca seu poder. Já não existe mais aquilo de ficar centrado na gravadora. E isso é muito bom para o mercado. É super importante que o Lobão consiga vender 100 mil cópias de um disco em banca de jornal. E o caso do Ludov então, com as indicações ao VMB, é sensacional. Eles estão conseguindo um espaço. Estavam concorrendo com a Pitty, que tem um investimento mega.

P - Um dos grandes trunfos do Ludov é tocar muito. Tenho uma teoria que é a seguinte: para formar público é preciso fazer shows. Não basta colocar um disco no mercado. Você tem que tocar e tocar e tocar. Desde o barzinho da esquina até um festival grande. O negócio é tocar. E o Ludov fez isso. Eles ficaram por vários meses tocando toda quinta-feira em um barzinho em SP, amadurecendo o repertório do que viria a ser o EP e se divertindo tocando covers. Acho que isso os aproximou do público...
E eles são super simpáticos também. Está cheio de gente por ai que não tem nada e é extremamente metido. Já eles são receptivos. Um exemplo disso também é a Martha V. Tem uma música dela no meu disco (Indecisão). O Fernando Magalhães, do Barão Vermelho, está lançando um selo novo e eles contrataram alguns artistas, entre eles a Martha V. É muito legal o trabalho que eles estão fazendo. Eles querem o novo, querem botar para tocar. Eles ainda não têm uma grande estrutura, mas estão mostrando muita vontade indo a todo showzinho procurar banda, coisa que gravadora grande deveria fazer e não faz. Eles acham importante que a banda seja boa ao vivo, querem ver a empatia com o público. Eu estou tocando guitarra com a Martha V porque sou muito amarrada no som. Ela gravou tudo em casa com computador. Agora o pessoal vai mixar. É um discaço.

P - E clipe, shows?
R - O clipe será para Conto de Farsas mesmo. A gente está fazendo por conta própria porque a gravadora infelizmente não pôde dar o clipe. Então está sendo uma corrente de amigos. "Conheço fulano que conhece fulano". É difícil organizar para que todo mundo esteja junto no mesmo dia para discutir as idéias, mas está rolando. Acho que em novembro o clipe já deverá estar pronto. Nós somos totalmente independentes. Mesmo para tocar, existe um custo muito alto para a banda. Temos uma gravadora só para dizer que "temos uma gravadora". (risos). É a mesma coisa que nada. Eles até mandam o disco para alguns lugares, mas já não é mais como antigamente. Estamos tentando fazer shows, mas é preciso que o contratante queira dividir as despesas. A gente tinha tocado em um festival em Belo Horizonte, então eles nos chamaram de novo, racharam as despesas e foi mais fácil. Estamos tentando marcar algo em São Paulo. A música está tocando na Brasil 2000, e estamos tentando acertar algo com o Gram e com o Ludov. O futuro é isso: as bandas se unindo para fazer tour juntas, como acontece fora do Brasil. É como ver um show dos Stones com os Strokes abrindo. Aqui não acontece. Até para você abrir para uma banda "famosa" é uma dificuldade. Eles não querem emprestar equipamento. "Ah, você tem que levar a sua mesa porque eu não quero que você mexa na minha". Não vejo muito sentido nisso...

P - Até parece que eles sempre foram famosos...
R - Pois é. Rola uma barreirinha, uma dificuldade. Essa coisa de abrir show é muito legal, mas tem que existir uma relação com o artista principal, senão fica perigoso. Outra coisa que falta no Brasil é uma especialização de agenciamento. Precisamos de pessoas que entendam o que é o público rock. O rock é muito diferente dos outros universos.

P - Como é o som da Mariana ao vivo?
R - É mais solto. Eu sou meio inflexível com o lance de banda. Gosto de manter os riffs, essas coisas principais na música. Eles contam uma história junto com a letra...

P - E a versão de Olhos nos Olhos...
R - A gente fazia de bobeira com a outra banda. Alias, a banda com que me apresento ao vivo hoje em dia não é a mesma banda que gravou o CD. Então, com a outra banda a gente fazia isso de tocar Olhos nos Olhos com a base de Lithium. Ficou legal. Com essa nova banda eu ainda não peguei para toca-la... às vezes fico na dúvida, não sei de toco ou não toco.

P - Obrigado, Mariana.
P - Eu queria perguntar para você quais canções você gostou no disco, se você tem alguma favorita....

R - De cara, achei um disco bem mais pesado que o primeiro. Foi a primeira coisa que eu notei e me impressionou. É um disco muito conciso, as canções estão todas no mesmo nível. A versão de Alice me chamou mais a atenção por ser totalmente diferente da original. Acho que ela ficou melhor do que a original, mesmo assim, está no nível de todas as músicas. Gostei da Música de Coração, da Para o Bem de Quem, mas estão todas no mesmo nível. Isso me lembrou muito os discos do Ira!, que fazem discos concisos, uniformes. Não dá para sair falando "essa daqui é a melhor do disco"...
R - Legal. Eu acho que isso é bom! Isso acontece comigo em relação ao Radiohead e a Fiona Apple. Eu escuto os discos deles e fico pensando: "É essa! Não, é essa! Não, é essa outra"...

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