Mariana Davies
por Leonardo Vinhas e Marcelo Costa

Produzido pelo ex-Herva Doce e ex-Hai Kai (banda que "revelou" o rei do badauê Vinny) Roberto Lly, coordenado pelo pasteurizador Líber Gadelha e com participações do "guitar hero" Robertinho do Recife e do batera afetado Guto Goffi - diante dessas credenciais, um homem sensato não desembolsaria nem dez centavos por esse disco. 

Ainda mais se soubesse que a artista é uma garota carioca de 26 anos clicada no encarte em poses e ambientes dignas da revista Capricho. Felizmente nem todos são sensatos e acabam tendo o prazer de descobrir esse disco. Mariana Davies demonstra talento suficiente para driblar todas essas mazelas do showbiz e construir a melhor estréia nacional em muito tempo.

Indo direto ao assunto: o negócio da menina é rock, daquele que é bom e forte e verdadeiro. Ou seja, guitarra à frente, escudada por uma cozinha forte e eficiente, e interpretação de primeira. A grosso modo, lembra os momentos mais inspirados do Barão Vermelho, só que sem as latinices e sem o lado coxinha de Frejat. Contudo, apesar desse parentesco, Mariana tem muita personalidade, de modo que, após uma única audição, você já reconhece um "estilo Mariana Davies".

Além da qualidade inegável das composições e da força dos riffs, chamam a atenção as letras e a voz da moça. No primeiro quesito, o CD apresenta textos diretos, envolvendo de abuso infantil e desunião familiar até relacionamentos, sempre com inteligência e sem frescuras ou impostações que remete a simplicidade de Renato Russo. No segundo, uma voz rock'n'roll, que oscila do delicado ao rasgado sem arroubos acadêmicos, bem distante da gravidade polida das cantoras ecléticas pé-de-chumbo que permeiam nosso mundinho pop.

O álbum foi lançado em 2000 pela independente Indie Records, encantou muitos mas não emplacou nas rádios (seria pedir muito, programadores?). O repertório foi burilado em shows pelo interior do Rio de Janeiro e peneirado entre 40 canções próprias. No fim, 12 chegam ao cd, ao lado de uma cover de Rita Lee, "Disco Voador". A lista de influências de Mariana mostra uma variedade enorme, mas tudo dentro do bom e velho rock and roll. Vai de The Doors, Kiss e Nirvana até Led Zeppelin, Neil Young, Bob Dylan e Faces. Ou como ela mesmo resume em seu site oficial: rock and roll, folk, soul e blues. 

Mariana Davies debuta com um trabalho tão agradável que procurar defeitos seria ranhetice. E destacar faixas é um trabalho árduo, já que todas têm cara de hit em potencial. Mas, se for para insistir, é possível recomendar primeiro a audição de "A Última Vez", "Por Hoje", "Sempre Te Vi, Nunca Te Amei", "Lado B" e "Se 1 Beijo". É mais fácil colocar o CD no player e embalar nas 13 faixas. Ao final da audição, quando você estiver pronto para apertar o play de novo, o rock nacional vai parecer um mundo muito legal.