"X&Y", Coldplay
por Marcelo Costa
Email
13/06/2005
Será que o Paraíso é realmente um lugar legal? Vamos lá então:
imagine um local bem calmo, sem sexo, drogas, rock'n'roll, coca-cola,
chocolates, cigarros, filmes do Tarantino e picanha no 'réchaud'.
Chato? Agora imagina a trilha sonora para este lugar: X&Y,
terceiro disco do grupo de Chris Martin, é perfeito para tanta
perfeição.
Não
fica muito difícil de escolher o Inferno, né.
X&Y, a rigor, eleva a milésima potência a grandiloqüência
exibida no multi-platinado A Rush Of Blood In the Head.
A banda precisou de três anos para lançar um novo álbum de inéditas
(nos anos 60, Beatles, Beach Boys e Stones lançavam dois discos
por ano) e continua na árdua caminhada para se transformar no
novo U2. X&Y, aliás, tem tudo para fazer pelo Coldplay
o que The Joshua Tree fez por Bono e cia em 1987. Porém,
copiando o U2, o Coldplay está mais para um Simple Minds que
está dando certo... nas paradas.
A grande diferença, porém, é que se The Joshua Tree popularizou
o som U2 para mais de 20 milhões de pessoas em quase baladas
como Where The Streets Have No Name, I Still Haven’t
Found What I’m Loooking For e, principalmente, With Or
Whitout You, o disco trazia também rocks poderosos como
Exit e Bullet The Blue Sky (que ganhou cover do
Sepultura) e bons countrys como Running To Stand Still
e in God’s Country.
Já X&Y alterna baladinhas, baladas e baladões. Quando
as canções aceleram, geralmente depois do primeiro minuto da
música, vem recheadas de teclados, pianos e sintetizadores.
É tudo tão pomposo, grandiloqüente e produzido que joga pelo
ralo toda inocência exibida na estréia, com Parachutes,
em 2000. Pior: se lá a banda se justificava monotemática ao
falar de amor (e só de amor), em X&Y Chris Martin se
tocou que é ouvido no mundo todo, e decidiu bancar o bom moço
e mandar recados messiânicos. Mais um capitulo especial da série
"o politicamente correto vai fuder com o mundo".
Se a vida pessoal de Martin mudou muito nos últimos três anos
(ele casou com a bela atriz Gwyneth Paltrow com quem teve uma
menina chamada Apple - não, não é o selo dos Beatles), o som
do Coldplay continua na mesma: um pop rock com cada vez mais
sotaque de U2 e menos de Echo & The Bunnymen. Os teclados tomam
a frente dos arranjos aposentando a guitarra em pelo menos metade
das doze canções. E o violão aparece conduzindo a melodia apenas
na oitava faixa do disco, a boazinha A Message. Martin
parece Ian McCulloch quando mastiga "heart of stone"
no final de uma frase. "Minha canção é amor", canta
o vocalista logo no início da música. A gente já tinha entendido
a mensagem, não precisa ficar repetindo toda hora.
Square One abre o disco com teclados e guitarras microfonando na mixagem.
Não se engane. É rebeldia
calculada. "Você está no controle", canta Martin. Bateria eletrônica
e boas guitarras passeiam pelas duas saídas do estéreo. A grandiosidade do refrão,
porém, ameaça jogar tudo na vala dos comuns, mas não dá para dizer que a música
seja ruim, principalmente porque a próxima, What If, é uma balada em que
escorre sacarina. Chris cantando em falsete - "como
você pode saber se não tentar?" - dá arrepios. Brega pacas.
White Shadows abre com bom riff de guitarra e uma ótima linha de baixo, mas os malditos teclados voltam a marcar presença. Na letra, Chris Martin exagera cantando à la
Bono: "Nós somos parte da raça humana. Todas as estrelas no espaço são
parte de um sistema". Lenga lenga bravo, hein. Fix You é daquelas que começam lentinhas e vão celebrar isqueiros em estádios. O problema é ser paciente o bastante para esperar entrar o riff de guitarra lá pelos 2m35 da música...
Talk empresta a melodia de Computer Love, do Kraftwerk, e a transforma
em riff de guitarra. Fãs dizem que a primeira versão da música é muito melhor
que esta contida em X&Y, mas mesmo assim esta versão é uma das melhores canções
do disco, embora tenha uns breaks desnecessários ali pelo meio. X&Y, a
faixa título, é uma das poucas em que o arranjo dos teclados funciona a favor
da música, e não contra, levando a melodia
para outros caminhos. A letra, apesar de chorosa, também é boa.
O disco é dividido em lado "X" e lado "Y". As seis primeiras faixas formam o
lado "X" enquanto Speed of Sound, primeiro single,
comandado por teclados e bateria, abre o lado "Y". Se tirassem o riff de guitarra que surge ali
pelo meio ia ficar parecendo Keane. Falta pique e sobra teclados. Depois de A
Message surge Low, outra que lembra Echo & The Bunnymen, e lembraria
mais se os teclados exagerados não chamassem tanto a atenção.
Se tivesse metade dos cinco minutos que tem, e menos teclados, talvez soasse
muito
melhor.
The Hardest Part padece do mesmo mal que Low e quase todas as faixas
de X&Y: excesso de teclados. Um bom riff de guitarra abre a música e Chris
Martin surpreende ao cantar sem chorar, mas eles não agüentam e despejam piano
e teclados no arranjo. O disco está chegando ao fim, mas parece que nunca termina. Swallowed
In The Sea meio
que assusta quando Chris conta que "poderia escrever uma canção de cem milhas
de comprimento". Ok, eu estava brincando quando o disco demorava para acabar...
mas a melodia é boa, a letra também e um vocal calmo de Martin transforma
esta em
outra
das
boas
canções
do disco.
Twisted Logic, a dita última música, começa com Chris sussurando a letra.
Bateria quebrada e os indefectíveis teclados marcam presença em longos cinco
minutos. A tortura acabou? Não. Ainda resta Till Kindgom Come,
"faixa escondida" e quase acústica que surge para ser uma das grandes
canções do álbum. Após 62 minutos e 35 segundos, X&Y termina
deixando no ar uma certeza: o mundo está caminhando em direção ao Paraíso, um
lugar chato, em que não será permitido xingar o juiz, ter sonhos libidinosos
com Angelina Jolie, fazer piadas de argentinos, portugueses ou gaúchos, e devorar
lanches
do
McDonalds.
O Coldplay pinta ser a grande banda da década, porém, ainda deve um grande álbum aos críticos. Nenhum dos três discos da banda entra num TOP 100 de todos os tempos, Chris Martin precisa aprender a cantar sem chorar, e algum produtor fodaço (como Daniel Lanois e Brian Eno) precisa mostrar para os músicos que não existem apenas teclados, pianos e sintetizadores no mundo. Enquanto isso não acontecer, o Coldplay vai ser, eternamente, uma banda coxinha. E eu vou desejar, sem nenhuma dúvida,
viver no Inferno.
Leia também:
A teoria das bandas coxinhas,
por Marcelo Costa
"A Rush of Blood in The Head", do Coldplay, por
Marcelo Costa
"Parachutes", do Coldplay,
por Marcelo Costa
Links
Site Oficial do Coldplay
|