Entrevista - Clemente
por Marcos Paulino
Blug
Foto: Divulgação
14/03/2006

Clemente sempre apareceu nas capas dos discos dos Inocentes, uma das bandas punks mais antigas do Brasil, com cara de mau. Suas letras são recheadas de críticas ácidas sobre capitalismo, conflitos mundiais e o cotidiano chinfrim da humanidade. Nesta entrevista ao PLUG, caderno do jornal Gazeta de Limeira parceiro do S&Y, porém, Clemente, vocalista, letrista e guitarrista dos Inocentes, mostra-se um cara com grande senso de humor e evita críticas a quem quer que seja, do ex-punk João Gordo à nova estrela do rock nacional, Pitty, passando pelas bandas que, junto com ele, experimentaram o sucesso nos anos 80, sumiram e, ao contrário dele, voltaram vendendo milhares de discos.

O último CD dos Inocentes, Labirinto, foi lançado em 2004, trazendo na formação da banda, além de Clemente, Anselmo (baixo), Ronaldo (guitarra) e Fred (bateria). É o mais recente de mais de uma dezena de álbuns, que emplacaram sucessos como Pânico em SP - que Clemente diz não agüentar mais tocar - Rotina e Pátria Amada, só para ficar em três espécies de hinos punks.

A história dos Inocentes tem que ser contada desde 1980, quando Clemente, depois de assistir a shows de bandas como The Clash e Devo, no Cine Rock Show da avenida Faria Lima, em São Paulo, decretou: "É isso que quero fazer da vida". Então baixista da obscura Condutores de Cadáver, Clemente chamou uns amigos para montar o Inocentes, que em 1982 entraria na coletânea Grito Suburbano, com Cólera e Olho Seco.

O disco fez parte da explosão do movimento punk no Brasil e a banda chegou, em 1984, até mesmo a abrir show da Legião Urbana no Circo Voador, no Rio. Dois anos depois, pelas mãos do Titã Branco Melo, chegaria à Warner uma demo que resultaria no mini LP Pânico em SP (1986), uma paulada com seis músicas sensacionais. A ele, seguiram-se Adeus Carne (1987) e a reedição da integra de Miséria e Fome (1988), que foi gravado em condições precárias em 1983, enviado à Censura Federal, que vetou nove das treze faixas, transformando o que seria um álbum em apenas um compacto duplo lançado de forma fantasma pela gravadora indie Devil Discos. Em 1989 foi a vez de Inocentes (1989), álbum produzido por Frejat, que marcou a entrada da banda numa época de desentendimentos que culminaria com a saída da major Warner.

A partir daí, os Inocentes se mantiveram vivos, mas nunca chegaram de verdade ao mainstream. Abriram para os Ramones no Brasil, tocaram no Close Up Planet, festival que reuniu Silver Chair, Bad Religion e Sex Pistols, mas nunca deixaram de ser um tanto underground. Em 20 Anos ao Vivo, lançado em 2002, a banda conta sua história musical num disco com seus maiores sucessos. História, porém, desconhecida do grande público, principalmente dos mais jovens. Talvez seja isso que mantenha a aura de bad boy de Clemente, na verdade, acima de tudo, um fomentador cultural.

Nesta entrevista, entremeada por muitos risos, ele apresenta sua visão particular sobre punk, música em geral e o sucesso - ou a falta dele. Confira.

O que aconteceu com o punk?
O Punk está bem, acho eu, nunca esteve tão na moda. Hoje entro num show do Forgotten Boys, no D-Edge (casa noturna em São Paulo), e parece que estou no Madame Satã da década de 80. (Risos) É sério, nunca vi tantas bandas e tanta gente se vestindo de punk. Esquece aquela coisa de ideologia, isso é outra coisa.

O Inocentes está se aproximando de suas "bodas de prata". Dá para manter o frescor rebelde da juventude depois de tanto tempo?
Claro que não! (Risos) O tempo passa e você fica mais experiente, mais gordo também. Rebeldia é para jovens. Velhos brigam pelos seus direitos. (Risos)

Nesses anos todos, foram muitos - mas muitos mesmo - altos e baixos. Por que a banda nunca realmente se firmou no topo?
Não me lembro de ter estado no topo. (Risos) Sei lá, acho que a gente nunca quis de verdade ser uma banda popular, tem que fazer muitas concessões. Acho que até tentamos.

É difícil fazer sucesso sem aparecer na TV? Faltaram convites ou vocês nunca quiseram?
Aparecemos muito na TV na década de 80, havia mais espaço, o rock estava na moda. Hoje quem aparece é mainstream. Fomos do Perdidos na Noite do Faustão, passando pelo programa da Marília Gabriela até o Bolinha e a Xuxa, por isso ficamos conhecidos no Brasil todo. (Nota do Editor: a faixa Ele Disse Não, do álbum Pânico em SP, foi incluída em um vinil do programa do Faustão em 1987).

Por que o Inocentes, com uma biografia tão extensa, ainda parece tão underground?
Também gostaria de saber. (Risos) Mas é assim mesmo. É por causa do nosso som e da nossa postura. Nossa última grande gravadora foi a Abril Music, que faliu. Nessa época, pelo menos em São Paulo, tínhamos grande destaque. Depois fomos para a Ataque Frontal. Pronto, ninguém sabe que lançamos disco novo.

O que você acha do João Gordo, ex-ícone punk, hoje ícone da geração MTV?
Quem sou eu para julgar. Acho que ele está pagando as contas dele, só isso. Se eu fosse popular, você ia estar falando mal de mim. (Risos)

Por que não rola Inocentes na MTV?
Rolar rola, mas eles passam tão poucos clipes de música, né? O último foi da musica Treze, do último álbum, Labirinto. Uma amiga minha via toda a tarde e me ligava.

Como você vê a febre de acústicos MTV com bandas que, como vocês, começaram nos anos 80?
Eu, pessoalmente, acho uma bosta, mas tem gente que gosta e acaba salvando a carreira de muita gente, né? Vide Titãs e o Ira!. Foi bom para eles, mas o formato já desgastou.

Você toparia fazer um acústico MTV do Inocentes?
Não sei, depende da proposta.

O Capital Inicial sumiu e voltou tocando as velhas músicas dos anos 80. Agora lançou um CD com músicas do Aborto Elétrico. O Ultraje gravou um acústico só com antigos sucessos. Qual é a sua opinião sobre isso?
Sei lá o que falar, a gente lançou um disco de inéditas, nunca paramos e ninguém está nem aí. Só pedem as músicas da década de 80 nos shows. Eu acho isso um saco. Não agüento mais tocar Pânico em SP. Vou fazer outra coisa da vida.

O que você acha das bandas de rock que fazem sucesso no momento, como Charlie Brown Jr., CPM 22 e Pitty, só para ficar em alguns exemplos?
Pô, eu não tenho que achar nada, né? Acho que cada um tem um projeto de vida e musical e é isso. Eles têm os deles e nós temos os nossos. Quem tem que achar é o público.

Que bandas nacionais você recomenda?
Nossa, tem um monte de banda boa, nunca vi época tão promissora. De punk, gosto do Devotos, Excluídos, do Reatores, do Lambrusco Kids. De MPB, do Monjolo, do Wado. De rock, do Walverdes, Seicheles, Vermelho 40. De Ska, tem o Firebug, Móveis Coloniais de Acaju, sei lá, tem um monte de banda boa.

E internacionais, o que você está ouvindo?
Ah, um monte de coisas, de Tiphon Motor Dudes a Tom Waits. Gosto de um monte de coisa. Mas continuo ouvindo meus Clash e acompanhando tudo que vem vindo, de Franz Ferdinand ao Stoic Frame.

Como está a agenda de shows do Inocentes?
Nossa agenda está uma bosta, fizemos só um show esse ano, temos que esperar passar o Carnaval.

E há previsão para um novo disco?
Não sei, talvez um DVD, não estou a fim de gravar, não.

Vocês ainda têm fôlego para mais 20 anos na estrada?
Espero que sim! (Risos) Espero chegar aos 60 que nem o Iggy Pop. Estou comendo muito Sucrilhos. (Risos)

Entrevista cedida pelo caderno PLUG do jornal Gazeta de Limeira

Leia Também
"A Filosofia do Punk - Mais do que Barulho", de Craig O'Hara, por Renato Roschel
"Punk - Anarquia Planetária e a Cena Brasileira", de Silvio Essinger, por Marcelo Costa
Marcelo Nova e Clemente dividem palco punk acústico em SP, por Marcelo Costa

Links
Site Oficial dos Inocentes com músicas para download