Entrevista Charme Chulo
por Marcelo Costa
Foto: Iascara / Divulgação
maccosta@hotmail.com
04/06/2005

Questão de ano e meio atrás, os organizadores de um festival independente em Curitiba convidaram o S&Y, via Secretária de Cultura do Paraná, a conhecer a cena da cidade via Festival "De Inverno". Lá fui eu, acompanhado do amigo Bruno Saito (Folha de São Paulo) e do gênio Carlos Eduardo Miranda (Trama Virtual) me aventurar em uma das cidades mais bonitas e limpas do País, atrás de novos sons fora do eixo.

Por um problema alheio a organização do evento, o Festival acabou sendo cancelado na última hora, mas não evitou que dezenas de músicos aparecessem com os CDs de suas bandas para bater papo, falando do som, dos sonhos, e sobretudo fazendo amizade. O que seria um fim de semana de festival acabou se tornando um fim de semana de descanso em uma cidade desconhecida (mas de cervejas geladas), e o primeiro grande contato com uma cena efervescente, que já não cabia mais dentro de seu próprio território.

Estamos em 2005, e quase dois anos depois Curitiba exibe a melhor cena de música do País. Se é organizada, se é realmente uma cena, são outros quinhentos. O fato é que a cidade abriga sobre seu frio ao menos umas cinco dezenas de bandas que merecem ser ouvidas com muita atenção. E o que é mais instigante: uma banda diferente da outra. Partindo do Pelebrói Não Sei (punk rock hardcore grudento), e passando pelo Criaturas (rock regressivo), Wandula (experimental), Loxoscelle (hard rock), Faichecleres (rock'analha), Poli (alternativo instrumental), Cores D Flores (pós-punk pós grunge), Los Diãnos (dixieland com hardcore) e Relespública (rock'n'roll), entre tantas outras, Curitiba merece o rótulo de solo mais fértil para se colher boa música nos anos 2000.

Não sou curitibano, não tenho nem um pouco de dó pelo Atlético Paranaense estar lustrando a lanterna do Brasileirão, e até seria legal ver os Coxas por ali também, mas sou obrigado a admitir que em termos de música, Curitiba dá uma goleada em todos os outros Estados brasileiros. E olha que eu não citei nem 1/5 das bandas legais da cidade. Quer fazer o teste: quantas bandas legais existem em São Paulo hoje? E no Rio de Janeiro? E em Porto Alegre? E em Salvador? Cada um destes Estados tem, ao menos, três grandes bandas para apresentar (Ok, POa um pouco mais). E só. Talvez só Goiânia tenha uma cena tão fértil.

Três das grandes bandas de Curitiba no momento lançaram excelentes álbuns nos últimos meses. A Poléxia, que se diz fazer pop alternativo, lançou o ótimo O Avesso. OAEOZ surgiu com o excelente Às Vezes Céu enquanto o Terminal Guadalupe foi até Corumbá, no comentado Festival da América do Sul, no dia 23 de maio, lançar Vc Vai Perder o Chão, álbum que surge em tecnologia SMD, está sendo vendido por R$ 5, e promete dar muito o que falar nos próximos meses (além de figura fácil entre os grandes discos de 2005).

O quarteto Charme Chulo é outra banda a se juntar ao grupo das grandes bandas curitibanas safra anos 2000. Porém, enquanto Terminal Guadalupe, Poléxia e OAEOZ (para ficar apenas nas três do parágrafo anterior) reciclam suas influências de forma totalmente pessoal para criar algo novo e instigante, o Charme Chulo aposta em uma mistura inusitada do pop com o regional para brilhar em uma cena tão concorrida. Canhestramente falando, seria como se os Smiths tivessem sido formados no interior paranaense e Johnny Marr tivesse se apaixonado por uma viola caipira. Claro, não é só isso, mas já é um começo.

Lançado em 2004 de forma independente, o EP Você Sabe Muito Bem Onde Eu Estou é o tipo de debute que conquista pela transparência da banda. O vocalista e letrista Igor desafina em alguns momentos e escreve boas letras que não rimam. Os riffs de Leandro se apoiam no folk e não sentem vergonha de pagar tributo ao Smiths da estréia enquanto bateria e baixo dão corpo a alma do grupo que flutua pela atmosfera, e é resgatada por uma produção extremamente bem cuidada. O resultado de toda essa mistura é um álbum deliciosamente irrepreensível, em que a inspiração supera a técnica, tornando este EP um daqueles registros únicos, que flagra uma banda iniciante fervendo de inteligência e tesão musical nos mesmos moldes de bandas britânicas que são descobertas ainda quando tem apenas um single.

As duas canções que abrem Você Sabe Muito Bem Onde Eu Estou são dois poderosos hits em potencial. A primeira é Piada Cruel, que é a mais smithiana das seis faixas (a batida da guitarra é identificável a quilômetros), não traz viola caipira, mas uma gaitinha dá um tom regional a canção. O arranjo da bateria se destaca assim como a boa letra de Igor. Já a segunda, Polaca Azeda, abre com a tão falada viola caipira, mas quem brilha no arranjo é o baixo que segue a bateria acelerada. "Temos tudo nas mãos / Temos nada nas mãos", canta Igor no pseudo-refrão. Você Não Precisa Dessa Música tem letra depressiva e exibe resquícios de Oasis, sem deixar o lado caipira. Ai de Você, José traz vocal em falsete no refrão e uma letra inspirada em Dalton Trevisan (que também inspirou Piada Cruel). A Beleza e a Dor de Uma Alma é a mais calma (e caipira) do disco enquanto O Que é Que Foi, Piá? é a mais rock, com letra "de e para os paranaenses" cheia de gírias locais. Das seis faixas, cinco podem ser baixadas de graça no Trama Virtual.

O S&Y encontrou Leandro e Igor em uma noite regada à vodka na entrega dos Prêmios Claro de Música Independente, mas a entrevista abaixo só aconteceu mesmo dias depois, por e-mail, com os dois, que assinam em conjunto todas as respostas. Saiba um pouco sobre uma das bandas mais legais da atualidade e torça para que eles mantenham a inocência no vindouro primeiro disco.



Direto: tem gente que diz que viu influências dos Smiths no som de vocês. Outros, acharam algo dos Engenheiros do Hawaii! (risos). Onde vocês foram buscar referências para o som da banda?
Olha, temos um q de anos 80 sim, além da sua consequência nas bandas inglesas dos anos 90, e algumas bandas atuais. Nossa formação musical veio realmente de bandas clássicas daquelas épocas, mas o Charme Chulo nasce de uma proposta mais abrangente, onde também está incluído, desde o início, a música caipira de raíz e o regionalismo paranaense, sulista, que chamamos de nosso lado mais MPB.

A música regional é muito forte ai, não? Se alguém quisesse conhecer a fonte do som de vocês, quem vocês indicariam, tanto de banda regional quanto dos anos 80?
Em Curitiba rola mais o regionalismo sulista. Tem muito centro de cultura gaúcha aqui, e tem umas rádios de musica sertaneja chula que eu vou te contar... Exploramos esse lado irônico também! Do lado regional, (daria para destacar) Tião Carreiro e Pardinho, Almir Sater, Paulo Freire, Os Serranos, por ai. (O Charme Chulo) lembra Smiths, R.E.M, (bandas que já não escutamos como antes), mas estamos ouvindo The Killers, Bloc Party, The Thrills e um monte de bandas nacionais independentes.

O EP de vocês tem sido bem comentado em várias publicações ao redor do País. Quando ele foi gravado e como foi a gravação?
Ele foi gravado no segundo semestre de 2004 e ficou pronto em setembro. Aprendemos muito com esse registro, por ser a primeira experiência mais intensa em estudio. Não tivemos um produtor técnico artístico. Contamos com a ajuda de amigos e quase ficamos loucos mixando o disco. Hoje encontramos algumas falhas, que não poderão ocorrer num primeiro CD de carreira.

A banda era um trio na gravação do EP, certo? Como está a formação agora?
(além de Leandro e Igor, a banda conta com o baixista Celso Andrei)

Nesse exato momento estamos tocando com o Fabiano , do Terminal Guadalupe e Iris. Ele deve deixar a banda em dois meses, mas ele vinha quebrando um galho, assim como o batera que gravou o EP. Agora já estamos vendo um que fique de vez na banda.

Leandro, quando você decidiu colocar a viola caipira no som do grupo?
Na verdade , nós já pensávamos em usar a viola caipira antes mesmo de eu comprar a bichinha. Meu avô tocava viola, e eu sabia que ela tinha um som muito bonito e real. No natal de 2002 ouvi uma moda do Tião Carreiro, Boi Soberano, e entendi melhor o que eu queria! Fiquei correndo atrás de uns senhores que moravam no meu bairro e "arranhavam" o instrumento, ai decidi que eu iria utilizar a viola como uma segunda guitarra. Várias bandas tem musicas acústicas, e nas nossas eu uso a viola. Acontece que o instrumento acaba chamando a atenção e vira uma atração a parte, mas sempre digo que sou um violeiro de meia tigela, que nunca tirou leite de vaca! Mas a viola tem toda uma ligação simbológica e ideológica com a banda.

Vocês já estão trabalhando em novas canções?
Sim. Nós somos um tanto quanto lentos, mas também regulares. Estamos sempre com alguma idéia em mente de uma canção assim assada e vamos desenvolvendo ela aos poucos. Não conseguimos fazer isso gratuitamente. Cada canção é bem trabalhada e atendida como um filho mais novo. E a intenção é ser sempre satisfatório com cada uma, sem exceção. A nossa meta no momento é o primeiro CD, então já estamos compondo sob o conceito geral que queremos chegar neste primeiro e importante trabalho.

Como é a rotina de composição da banda? O que vem primeiro: a letra ou a melodia?
Em nosso caso varia. Ultimamente as músicas partem de um riff, uma alma melódica, um clima (uma idéia do que ela pode vir a ser), depois a melodia vocal , para enfim encaixarmos a letra. Na maioria dos casos nós discutimos semanas pra coisa sair. É ai que mora o segredo: a característica musical precisa combinar com o tema da letra, isso é, o mais difícil e fino de se fazer!

Como vocês vêem a proliferação de tantas bandas legais em Curitiba, muitas sem nenhuma relação musical com as outras, mas todas com uma qualidade invejável.
Nosso contato com a cena musical curitibana é recente, mas essa década tem sido bem legal pois vemos bandas novas e bandas mais velhas que estão se reinventando. E o público daqui muitas vezes reclama, (como são ingratos...). Tem muita gente lançando disco esse ano! Acho que a cidade vive um momento muito bom mesmo, tem tudo para chamar a atenção da mídia nacional, com bandas que não pertencem a um mesmo estilo musical.

Então na opinião de vocês, o que falta para essa cena musical deslanchar?
Santo de casa não faz milagres?

Acho que é um processo lento. Aqui a cena precisa se fortalecer, gerar mais público e mídia , mas nesse caso santo de casa não faz milagre mesmo. Curitiba ainda é pequena pra si mesma (o que não é o caso dos gaúchos). Mas como já comentamos, esse ano a cidade vem muito bem , vamos esperar pra ver...

Igor, de onde você tira inspiração para as letras?
A inspiração vem dos sentimentos mais pesados e íntimos. Eu só estou vivo por emotividade! É só assim que eu entendo o mundo!! Tem também o jeito Charme Chulo de ser, da busca por identidade e crítica cultural ao do realismo que tanto nos satisfaz, e que nos deixa menos constrangidos em escrever música e de sermos meros músicos.

Qual o próximo passo do Charme Chulo?
No momento são shows em Curitiba e especialmente pelo País afora, shows em festivais, o primeiro vídeo clipe e o maior: o futuro primeiro CD de carreira da banda pro ano que vem!!

Já tem idéia para o clipe? De qual música seria?
Temos um roteiro pronto da faixa Piada Cruel, que vai ficar pra mais tarde . É um lance difícil de fazer. No momento vamos agilizar um vídeo de Polaca Azeda, uma coisa mais simples, pra gente poder trabalhar imediatamente.


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Links
Charme Chulo na Trama Virtual
Site Oficial do Charme Chulo