"Girassóis Clonados", Terminal Guadalupe
por Leonardo Vinhas
Fotos - Site Oficial

lvinhas1@yahoo.com.br
23/11/2004

Terminal Guadalupe é a melhor banda do Brasil. Ponto. Não há nada mais que possa ser dito que não seja hipérbole ou pleonasmo. Certo, música não é competição, e ainda existe gente como mundo livre s/a, Wado, Pedro Luís e a Parede, Nação Zumbi e mais um bom contingente de bandas de excelente qualidade (não, Los Hermanos não faz parte da minha lista). Porém como o Terminal Guadalupe não há.

Girassóis Clonados foi lançado em março de 2004, mas só está sendo resenhado agora. Por que? Porque na época de seu lançamento o S&Y estava de férias, porque tantas aparições da banda poderiam render acusações de favoritismo, porque uma canção deles me inspirou a escrever uma peça de teatro, que agora estou tentando montar. Fatos que poderiam parecer cabotinos, não fosse óbvio o fato do Terminal ser absurdamente superior a qualquer coisa que você tenha ouvido aqui ou fora, um cruzamento do melhor pop oitentista com a sujeira não-tão-suja-assim do grunge. Não escrevesse Dary Júnior as letras mais tocantes em português já escritas.

OK, exagero, dirão alguns. Eu diria "referências pessoais". Compreendo perfeitamente que alguém que tivesse 20 e poucos anos nos idos de 1974 dissesse o mesmo sobre Loki?, do Arnaldo Baptista. Ou mesmo um garoto mais jovem falasse isso sobre o Legião Urbana de As Quatro Estações. São momentos fortes em uma fita que tornam uma música indelével. Mas deixando de lado as mais íntimas convicções pessoais, as qualidades da banda persistem facilmente.

Esse Girassóis Clonados é quase uma coletânea do TG, pois compila material de seu disco de estréia, Burocracia Romântica, com alguns acréscimos de instrumentos ou novas regulagens e equalizações de estúdio, mais regravações do lorena foi embora..., fugaz e marcante banda a qual Dary Júnior, mentor do TG, comandava anteriormente. O resultado não poderia ter sido melhor (OK, poderiam ter incluído uma inédita ou regravado Meia-Noite), e você o confere aqui, faixa a faixa.

Burocracia Romântica
A canção-emblema do Terminal Guadalupe é um pop perfeito que traz um riff de teclado, cozinha marcante e alternância de guitarras limpas com guitarras altas. Decididamente a cara da banda, só que aqui com uma resolução ímpar. Essa canção inspirou um curta-metragem, uma peça (sim, aquela) e várias outras reflexões/sensações que cada ouvinte conhece em seu íntimo. Violoncelo e vocais de apoio realçam o refrão.

Canção para Lena
Embora siga outro formato, não destoa do repertório da banda. Um pique quase punk, assumidamente influenciado por The Clash, abre espaço para um som cujo romantismo de abandono remete também aos Buzzcocks. A regulagem nos graves deixou-a com ainda mais peso.

As Cinco Horas da Jornada
Um belo poema de José Roberto Martins, musicado de forma sublime pelo lorena foi embora... A nova versão ganhou uma introdução dedilhada na guitarra, um arranjo que valoriza ainda mais a beleza da melodia (eliminando o pouquinho de sujeira da primeira gravação) e o violoncelo preciso de Samuel Pessatti, garoto de quinze anos que integrava a banda mas teve que abandoná-la por pressões familiares. Canção para se escutar sonhando, ou vice-versa.

Favas Contadas
Algo entre o falso reggae e o falso jazz que vira um pop verdadeiro, com uma trama precisa de baixo e bateria. Na verdade, pode soar um pouco estranha dependendo do estado de espírito do ouvinte.

Breu
Uma das melhores canções dos lorenos ganhou mais distorção e peso, mas manteve o vocal sussurrado que empresta (involuntariamente) um viés mais cômico à canção. Uma coisa meio Uns e Outros...

Vaso Quebrado
Seria muita pobreza emocional chamar essa canção de "balada", onde o andamento mais lento conduz a atenção à letra que desmancha o macho predador em pedaços de cerâmica partida. Fabio Elias, do Relespública, sola com seu violão ao final, agraciando com maior beleza o que já nasceu admirável. O site da banda diz que houve ajuste nos agudos, mas nada que se possa perceber. Ainda bem.

Dez Segundos
Burocracia Romântica pode ser tudo aquilo que escrevi e mais um pouco, mas essa periga ser a melhor canção do TG. Violões e violoncelo superam o arranjo original gravado pelo lorena... enquanto os versos "A fé não era minha/ Quem não cansa de esperar?/ Se a pressa for sozinha/ Mande outro no lugar" fazem cada vez mais sentido. Aliás, a cada audição, essa música adquire um significado maior. Raro caso de uma canção que seduz e apaixona ouvinte aos poucos e desde o começo, virando um amor sem fim.

Lorena Foi Embora
Baseada na lenda de que todos os membros da antiga banda namoravam a mesma moça, Dary logrou a canção mais pop de seu repertório. Interpretação com entonação inegavelmente semelhante à de Renato Russo, impressão ampliada pelos violões smitheanos. Porém o teclado é pura Jovem Guarda, e o refrão é de uma sinceridade desabalada: "Minto quando quero/ Como é fácil negar/ Não me desespero se é fácil fugir/ Dissimular ou desistir/ Tudo que resta agora/ Lorena foi embora..."

Pé na Tábua
A canção mais pesada do lorena..., aqui ainda mais pesada e com um violoncelo precisamente demente no refrão.

Chance
Era uma faixa épica escondida no fim do único álbum do lorena foi embora..., Coragem de Fugir é Medo de Ficar. Aqui, reduzida à metade de sua duração, virou uma confissão/profissão de fé/súplica ao violão, com pequenos efeitos no começo e no fim. Aquele tipo de coisa que chamamos, justificadamente, de "clássico".

Girassóis Clonados está integralmente disponível para download no site oficial do Terminal Guadalupe: www.terminalguadalupe.com.br

Leia também:
Entrevista com Dary Jr, por Marcelo Costa

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