Entrevista - Autoramas
por
André Luiz Azenha Fotos: André Luiz Azenha
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03/11/2005
O
cenário independente do rock brasileiro já deixou de engatinhar
faz um tempo, com bons grupos e boas gravadoras, mas ainda passa
por algumas dificuldades. Existem lugares que ainda torcem o nariz
para shows dessas bandas e muitas vezes a falta de verba e oportunidade
para a gravação de um álbum acabam frustrando um caminho que poderia
ser promissor para muitos.
Porém, se existe um grande exemplo de perseverança e garra nessa
turma é o Autoramas, que faz um som que mistura surf music, jovem
guarda, new wave e punk rock. O grupo, que atualmente conta com
Gabriel Thomaz (guitarra e vocal), Selma Vieira (baixo e backing
vocal) e Bacalhau (bateria), não pára de fazer shows, conquista
novos fãs por onde passa e está preparando o quarto disco de sua
carreira (os anteriores foram Stress, Depressão & Síndrome
do Pânico de 2000, Vida Real de 2001 e Nada Pode
Parar os Autoramas de 2003). O novo álbum (ainda sem nome),
que está sendo produzido de maneira completamente independente,
deve contar com 14 músicas e algumas já estão sendo tocadas nas
novas apresentações.
O S&Y encontrou a banda na passagem de som do show no Sesc de
Santos para saber do momento atual do trio, da "troca"
da ex-baixista Simone pela atual Selma, influências, turnês internacionais
e da satisfação de ter sido o grupo mais premiado do VMB desse
ano, com o clipe de Você Sabe (melhor edição, direção e
clipe de banda independente), o que fez com que os mesmos lugares
que torcem o nariz passassem a prestar atenção no som deles. Confira
a conversa.
Vocês foram a banda mais premiada no VMB. O que isso pode ter
mudado e acrescentado à carreira do Autoramas?
Gabriel - A primeira coisa que rolou mais palpável foi a grande
quantidade de shows que fizemos após a premiação. Muitos lugares
que a gente mandou material e não botavam muita fé acabaram rolando.
Agora o mais legal no todo é que sendo uma banda independente
e a banda mais premiada, acaba legitimando pela qualidade. Existe
um preconceito muito grande com as bandas independentes. As pessoas
julgam como algo amador. Mas agora está legitimado que rende frutos,
gera dinheiro, dá dinheiro e principalmente que se faz música
de qualidade.
Como está a preparação para o próximo CD? Vocês estão tocando
músicas novas nos shows?
Gabriel - A gente já abre o show com uma música nova que se chama
Mundo Moderno, que eu acho uma das melhores músicas dos
Autoramas de todos os tempos. E, além disso, temos colocado outras
músicas. Devem ter umas sete músicas novas nos últimos shows que
temos feito. O CD ainda não tem nome, tem três candidatos. Já
começamos a gravar. O Bacalhau já gravou a bateria e a Selma está
gravando a parte dela. Estamos gravando 14 músicas e não sabemos
quantas vão entrar.
Por qual selo?
Gabriel - A gente está bancando o disco, ainda não recebemos proposta
de selo nenhum e estamos esperando. Vamos fazer igual ao último
disco, ver quem se interessa em lançar.
Uma das músicas novas, A 300 Km Por Hora, lembra
bastante Roberto Carlos. Até que ponto o seu projeto paralelo
(Lafaiete e os Tremendões) está influenciando o trabalho do Autoramas?
Gabriel - Eu acho que sou influenciado pela Jovem Guarda e pelo
rock dos anos 60 desde que comecei a tocar. Acho que Carinha
Triste é uma Jovem Guarda suja, sabe... Tem outras músicas,
como Copersucar, que é mais fácil de detectar. Mas eu acho
que todas elas têm essa influência. A questão da harmonia, muita
coisa dos anos 60 na seqüência de acordes, os backing vocals,
as melodias, tem de tudo. Mas não é só a Jovem Guarda. Tem muita
coisa do rock de garagem de todas as épocas, desde o início do
rock, o rockabilly mais mal gravado, a coisa anterior ao punk,
que é contemporânea ao Roberto Carlos na Jovem Guarda. Gosta muito
também do punk rock. Os Ramones e toda a galera dessa época...
a new wave... o B52's... São bandas que têm muito dos anos 60.
Sou muito fã de surf music. A 300 Km Por Hora é feita a
partir disso. De pegar nome de filme do Roberto Carlos. Acho que
é uma influência a mais. Esse negócio de estar tocando com o Lafaiete
também... aprendi muito com ele. Ele virou meu professor de música,
aprendi milhões de coisas. E o legal é que não tenho mais uma
relação de fã e ouvinte. Bato papo com ele, discuto sobre música
e arranjo e ele me dá liberdade total. É um parceiro musical.
Vocês estão fazendo muitos shows, já fizeram turnês internacionais
pelo Japão, Argentina e irão voltar ao Uruguai. É muito diferente
tocar no Brasil e lá fora?
Gabriel - Cara, é sim. Lá a gente tem tratamento de banda internacional.
O Brasil é super respeitado e nem sabíamos disso. E são países
maravilhosos que falam outra língua. Tocamos as músicas sem mudar
a língua. Eles curtem muito mais o som da banda do que as letras.
É um outro tipo de reação. Aqui temos a tradição de grandes letristas,
poetas no rock e música em geral e as pessoas prestam atenção
nas letras. E eles ouvem bandas tocando em inglês, alemão. É como
nós quando curtimos as bandas internacionais, curtindo os arranjos,
o som.
E a mudança na banda? Qual foi a diferença da chegada da Selma
e a saída da Simone?
Gabriel - Eu acho que a Selma entrou com o maior pé quente na
banda, as coisas começaram a dar certo. Não que não estivessem
dando certo antes, mas pô... a Selma entrou em um momento muito
bom. A Simone saiu por que o momento estava muito bom. Ela não
estava agüentando mais viajar, estava infeliz com isso, ter que
deixar o filho no RJ. E ela também faz mestrado, sei lá de quê...
acho que é Tradução... e isso estava dividindo o tempo dela. Ela
acabou fazendo uma escolha que foi sair da banda. E a Selma entrou
muito bem, tendo que segurar um rojão enorme. Ela entrou dez dias
antes da gente fazer a turnê na Argentina. Ensaiamos em um esquema
intensivo e já faz quase um ano que rolou isso e ela está completamente
inserida na banda.
Como rolou o contato para a entrada dela?
Gabriel - O engraçado é o que aconteceu com ela, se acontecesse
comigo... ia ser felicidade total. Ela tinha uma banda em São
José que tocava com a camisa dos Autoramas, cover dos Autoramas
e tal... era uma pessoa que tínhamos certeza que gostava dos Autoramas!!!
E aí... tínhamos amigos em comum e outras coisas, como usar distorção
no baixo e efeitos assim... e foi o Bacalhau que lembrou: - Chama
a Selma!
Como é que está sendo encarar turnê e essa vida de Autoramas
com os caras?
Selma - Agora até que está um pouco tranqüilo, mas no começo foi
punk. Não foi só tocar com a banda. Foi assim: 'Daqui a dez dias
vamos tocar na Argentina!' Foi um baita susto e uma baita emoção.
Na verdade foi até bom, não deu nem tempo de ter noção, foi tudo
rápido. Mas agora está tranqüilo.
Gabriel - Nós ligamos para a Selma e dissemos: 'Nossa baixista
saiu da banda e queríamos que você tocasse com a gente. E nosso
primeiro show é na turnê internacional, tudo pago'. Se acontecesse
comigo, uma banda que sou muito fã... demais cara...
A banda está em um momento bom, mas e se rolasse a oportunidade
de partir para uma major?
Gabriel - Eu não sei cara, não pintou nada até agora. Somos uma
banda que faz o lance rolar. Agora temos uma produtora que trabalha
com a gente e está super legal. As coisas vão crescendo aos poucos.
Tem algum objetivo em especial?
Tem cara: a gente quer tocar sempre, lançar discos, fazer mais
shows, shows internacionais... isso é até um privilégio, fazer
show fora do país é algo que muita gente sonha.
Autoramas, Show no Bar do Sesc de Santos - 28/10
por
André Luiz Azenha
"Rrroooockkkk!!!!" costuma dizer ou gritar o vocalista Gabriel,
seja ao fim de algumas músicas, entrevistas ou mesmo no blog de
sua banda, o Autoramas. E é de um show de "Rrroooockkkk!!!" que
vamos falar. O show dos Autoramas no Bar do Sesc de Santos teve
início às 21h40 com o trio mandando brasa na inédita Mundo
Moderno (de ótimo refrão: "Mundo moderno, me tirem desse inferno").
Em seguida vieram Rei da Implicância, Carinha Triste, Eu Era
Pop e a primeira cujo refrão foi berrado pela maioria: Nada
a Ver.
O público, formado por roqueiros, patricinhas, indies, pais e
filhos (inclusive alguns garotinhos - algo permitido no Sesc -
com cerca de sete anos, que pulavam e agitavam a cabeça, fazendo
acreditar que o rock estará vivo por algumas gerações) e até um
cara parecido com o Rodrigo Amarante dos Los Hermanos (com alguns
quilos a mais) vestindo uma camisa da banda hard rock gospel Oficina
G3, que veio em minha direção sem que eu nunca o tivesse visto
antes dizendo: "já fui a trezentos shows, sempre bebi, nunca arrumei
confusão e já me casei duas vezes!!!" (hilário) - para depois
voltar à roda de pogo, comprova a diversidade presente na apresentação.
O Autoramas, ao vivo, é um exemplo de garra e carisma. E o povo
respondeu à energia vinda do palco (não sei se palco é a palavra
certa, já que a altura era de um degrau de escada) batendo palmas,
cantando junto e pogando. Gabriel divertia o público mexendo as
pernas meio sem jeito no melhor estilo Elvis (principalmente no
cover Blue Suede Shoes). Bacalhau também teve seus momentos,
como quando mostra a língua a lá Gene Simons. Já a baixista Selma
entrou como uma luva na formação. Ela é competente no instrumento
e nos vocais, sorri o tempo todo e se entrosa perfeitamente com
o guitarrista, principalmente na hora dos movimentos robotizados
já conhecidos da banda.
Os pontos altos da noite foram Autodestruição, Fale Mal de
Mim e a premiada Você Sabe. Motocross e Megalomania
também não fizeram feio. Nas inéditas (algumas remetem beeeem
à new wave) houve muito respeito, e até as instrumentais agitaram
a platéia. Na nova A 300 KM Por Hora, Gabriel avisa: "Essa
é uma música para dançar de rosto colado na(o) amada(o) e beijar
muito na boca". E a levada anos 60, a melodia deliciosa e a letra
romântica ficam na cabeça (até agora não parei de cantarolar o
refrão que diz: "Eu estou a 300 quilômetros por hora na sua direção/
sem freio...") revelando mais uma pérola que vem por aí. Na pausa
para o retorno final, alguns fãs vão ao palco e levam embora toalhas,
set lists e baquetas (sorte que Bacalhau estava com muitas delas).
Mais três músicas e o show acaba, mas a banda permanece.
Após o término da apresentação ainda foi possível
bater papo com o trio (que permaneceram ali mesmo, no "quase"
palco), tirar fotos e pedir autógrafos. A produtora da banda armou
uma banquinha onde eram vendidos CDs, brindes, vinis, demos e
álbuns de outros artistas independentes como Gram e Tom Bloch
(algo que acontece nesse universo e que é muito bacana para a
divulgação do cenário).
Rrroooockkkk!!! Essa é a palavra certa para descrever aquela hora
e meia. Renato Russo costumava dizer que rock é chegar, tocar,
fazer o maior auê e ir embora. Foi isso que o Autoramas fez em
Santos. O auê foi feito; pessoas pularam, se abraçaram, cantaram,
berraram e se divertiram. Nada de parafernálias ou superprodução.
E após o auê, foi possível ir para casa com um sorriso no rosto
e dormir bem. Precisa mais? Longa vida ao Rrroooockkkk!!!!
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Real", do Autoramas, por Leonardo Vinhas
Links
Site Oficial do Autoramas
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