Autoramas
por
Marcelo Costa
Fotos
- Cesar Kirizawa
13/08/2003
No
cenário pouco amistoso da música popular brasileira,
o Autoramas segue uma carreira singular. A banda surgiu como
uma grande promessa ao reunir três integrantes de bandas
bastante respeitadas no cenário independente: Gabriel
Thomaz (ex-Little Quail and the Mad Birds), Simone do Vale (ex-Dash)
e Bacalhau (ex-Planet Hemp). Com um contrato de distribuição
pela Universal e um repertório com base na surf-music,
mas cheio de excelentes canções assobiáveis,
ficava difícil não imaginar outra coisa senão
o sucesso de massa para o trio. Porém, dois bons álbuns
depois, e o Autoramas segue a trilha do "passou raspando".
Talvez,
por isso, a banda tenha decidido mudar. Largou os esquemas mambembes
de uma major, que geralmente só tem olhos para uma galinha
dos ovos de ouro enquanto as outras bandas do cast são
tratadas como número. A opção foi abraçar
a independência com o novo disco, Nada Pode Parar os
Autoramas, lançado por uma das gravadoras indies
mais competentes do país: a Monstro Discos, distribuída
nacionalmente pela Tratore. E segue tocando em lugares tão
díspares quanto o Japão e São Paulo (da
realixzação da entrevista até a publicação
a banda tocou duas vezes na capital paulista).
Gabriel
e Simone trocaram e-mails com o S&Y durante uma semana e
a única certeza que fica após o papo é
de que, com sucesso ou não, os Autoramas vão muito
bem, obrigado.
Então,
de cara, na lata: nada pode parar os Autoramas?
Gabriel
- Nada nem ninguém! Só nós mesmos!:)
Estamos fazendo mais shows do que nunca, lançando nosso
melhor cd e com as melhores gravações, fizemos
tudo com nossos amigos, da melhor maneira possível. Por
mais que apareçam dificuldades, que venha gente que não
tem nada a ver dar opiniões furadas, estamos fazendo
nosso som, do jeito que a gente gosta.
Simone
- Nada, nada poderá nos deter na nossa escalada rumo
aos píncaros do sucesso, he he he! Sério! Já
passamos por tantas aventuras, foram tantas emoções
nesses seis anos... a gente se divertiu muito e também
sofreu, mas afinal, quem escolhe um caminho como o nosso não
pode reclamar. Sorte a nossa ter estômago pra aguentar
a rebordosa. Estamos vivendo de rock e isso já é
uma vitória e tanto. Não há no mundo quem
possa estragar os nossos planos maquiavélicos!
Vocês
testaram bastante o repertório desse novo disco ao vivo,
não? São todas músicas novas?
Gabriel
- Temos tocado há alguns meses algumas músicas
do cd novo nos shows e a receptividade tem sido ótima.
Mas nem todas já foram incluídas no show. Tem
uma música instrumental no cd, Hx Cx Ix que é
uma das primeiras músicas feitas pelo Autoramas, da época
que o Nervoso tocava. Ela também já saiu num 7"
que lançamos ano passado. O resto é tudo novo!
Simone
- Testamos direto! Deu pra perceber, por exemplo, que Nada
a Ver vai ser o carro-chefe do disco, na minha modesta opinião
de mulherzinha sensível. As músicas são
todas novinhas em folha, e pra mim são as melhores que
já gravamos. Você Sabe saiu no começo
do ano numa coletãnea da Deck Disc, mas não deixa
de ser novinha, né?
O
disco sai por qual selo? Como será a distribuição?
Gabriel
- Sai pela Monstro Discos com distribuição da
Tratore.
E
a Tour Japão: quem se impressionou mais, vocês
ou eles?
Gabriel
- Uma coisa legal que rolou em todos os shows no Japão
é que a galera ia se animando mais a cada música
que a gente tocava, e acabava que no final do show eles
estavam agitando e aplaudindo bastante uma banda que eles estavam
vendo pela primeira vez. Não sei se isso pode ser chamado
de impressionar, mas... Nós ficamos doidos com o Japão,
lá é sensacional. E falando sobre Rock,
realmente é impressionante o profissionalismo deles em
todos os sentidos e o volume altíssimo do som nos shows,
aqui também podia ser assim....RRRRROCK!
Simone
- A interação foi intensa, ha hah aah! Acho que
todo mundo ficou de cara, tanto o público como a gente.
Mesmo lá fora, aonde a gente imagina que qualquer um
é melhor do que a gente (mania boba de brasileiro, né?)
não é todo dia que aparece um Autoramas não,
minha gente. Vamos encarar os fatos, as boas bandas brasileiras
deixam os gringos loucos. Eles podem ter um monte de parafernália
e tudo mais, mas a nossa malemolência, ó, é
ruim, heim? Em compensação, o público é
maravilhoso, não tem preconceito, não fica rotulando,
só quer se divertir. Foi maravilhoso, espero que a gente
volte logo. Tinha uma liquidação de sapatos que
eu preciso conferir de novo, he hehe!!!!
Alguma
novidade no CD? Participação especial e tal? E
vocês gravaram "Miss Simpatia" ou ela vai ficar no repertório
do Ultraje mesmo?
Gabriel
- Tirando Hx Cx Ix, todas as músicas do cd são
inéditas...Tivemos participações de dois
dos produtores, Marco Butcher fez backing vocals em Megalomania
e Junior Ribeiro gravou uns teclados sensacionais em Música
de Amor. Não gravamos Miss Simpatia, foi feita
especialmente pro Ultraje, foi uma grande honra ter uma música
minha gravada na voz do Roger, assisti show do Ultraje no auge,
em 85, eu era um pirralhinho, lá em Brasília achando
aquilo o máximo, fui altamente influenciado, quando eu
iria imaginar que ele gravaria uma composição
minha? até penso em tocá-la ao vivo um dia, quem
sabe?
O
Vida Real era bem balanceado, com muitos rocks e algumas
baladas também. Nada Pode Parar o Autoramas segue
nesta linha?
Gabriel
- O Stress, Depressão... também tinha baladas
e rocks, também considero o primeiro cd bem balanceado,
acho q o cd novo vem ainda mais variado...
Simone
- No mesmo esquema, assim como no Stress tinha Eu
Não Morri, Souvenir e Agora Minha Sorte Mudou.
A gente é muito teimoso em insistir no que gosta, raça
ruim das braba. Acho que nunca vai rolar um disco do Autoramas
sem balada no meio da esporrêra, no fundo, somos seres
humanos sensíveis...
Você
canta alguma nesse novo CD, Simone?
Simone
- Eu fiz duas músicas que eu canto, O Inferno São
os Outros e Resta Um, faço Jane & Herondi
com o Gabriel em Nada a Ver e Megalomania, e em
Beleza e Rei da Implicância eu faço
uns u-úzinhos descarados.
Como
foi a experiência de produzir o Go!, Gabriel?
Gabriel
- Foi muito legal, na realidade tinha muito pouca coisa pra
mexer no som deles, o Go! é uma banda muito boa, muito
pronta, todo mundo ali saca muito de música, cada um
do seu jeito, apesar de serem bem moleques. Dei umas poucas
opiniões, era mais pra galera se concentrar em tirar
o melhor de cada instrumento, fosse na performance ou nos timbres.
Você
falou dos shows que a banda está fazendo, Gabriel. Como
está o circuito brasileiro? E quais os lugares
que vocês mais gostam de tocar?
Simone
- É difícil de responder isso, eu sempre me divirto
tocando, não importa aonde. As pessoas que vão
ao show é que fazem a diferença, o público
se divertindo também é o que me faz sentir um
ser humano completo.
Gabriel
- Tocar em São Paulo tem sido muito bom, No Sul também,
Temos que tocar mais no Nordeste, nas poucas vezes que fomos
foi sensacional, Fortaleza, por exemplo, é Rock pra caralho.
Belo Horizonte tem um público animal, Goiânia Rock
City, Brasília, que é minha área, interior
de SP, não temos tido do que reclamar... Temos feito
um circuito muito legal (já tocamos do Amapá ao
Rio Grande do Sul) e esperamos aumentá-lo lançando
o terceiro cd.
Contatos para Shows: autoramas@uol.com.br
O
que é rock no Brasil, hoje em dia?
Gabriel
- É uma opção muito difícil de se
levar adiante, pensando em grana e tudo relacionado a isso.
Mas nada supera o prazer de tocar, de viajar com os amigos,
de ter idéias, de dizer o que a gente tem pra dizer.
No Brasil, é nítido ver como tem gente que está
aí exclusivamente procurando um nicho de mercado, correndo
atrás de tendências, do que vai resultar em muita
grana, se esquecendo que o Rock é outra coisa, bem diferente.
Mas isso não é exclusivo do Brasil... É
lógico que temos que ser inteligentes e safos pra conviver
com tudo isso, fazer o que a gente gosta e viver disso, e até
que temos conseguido... Mas temos muitas bandas boas, muita
gente fazendo música legal, eu ouço muito rock
brasileiro, novo e antigo. Essas bandas boas eessas músicas
legais são o Rock no Brasil hoje pra mim.
Simone
- Rock no Brasil hoje é resistência, o rock de
verdade é feito das bandas excelentes que estão
por aí pelo Brasil, insistindo apesar de todas as dificuldades
pra colocar o bloco do eu sozinho na rua. Na maioria, essa galera
entrou em esquemas alternativos, até em boas gravadoras
e selos independentes, que fazem um grande trabalho mas não
têm bala na agulha pra entrar no esquema do jabaculê
das FMs. Temo que pelo apertar dos cintos, um dia todos viremos
lendêas do rrrrock... Mas por um lado, se não fosse
esse risco, estaríamos no mesmo barco de Tihuanas e Detonautas,
eparrê, mangalô trêis vêiz! Eu tenho
o maior orgulho da Bidê ou Balde, do Go!, dos Los Hermanos,
da Penélope, do Matanza, do Walverdes, do MQN, da Thee
Butcher's Orchestra, da Tom Bloch, do Casino, do Glamourama...
e seria uma injustiça dizer que a lista pára por
aqui. Daí que você compara o trabalho de qualidade
dessa galera com o tipo de manobra fraudulenta que une bandas
de tra-lá-lá pesadinho com os cartolas da indústria
que não entendem nada de rock e muito menos do segmento
de pessoas que compram CDs de rock. É uma merda isso,
porque eles investem a maior grana nessas porcarias - apesar
de eu até simpatizar com algumas dessas pessoas, mas
só quando elas estão a paisana - e daí
o rock brasileiro fica estigmatizado como um estilo que não
dá mais certo. Me irrita que bandas tão boas tenham
que enfrentar uma barra tão pesada pra continuar fazendo
rock de qualidade, enquanto uns bolhas ficam por aí atrapalhando
as idéias e torrando todo o budgetzinho dos velhotes!
A gente gostaria, claro, que mais pessoas pudessem conhecer
o Autoramas, a Bidê, o Zumbis do espaço, o Dead
Fish. Gostamos de grana como qualquer um. Mas se pra tocar no
rádio a gente precisa gravar uma melô do Roupa
Nova, preferimos nos manter coerentes com o que a gente acredita,
foda-se a caralha do status quo, a vida é uma só!
Não é que a gente seja contra major, contra velhinhos,
ou contra música merda. Tem gosto pra tudo, não
vejo o menor senso em querer impor o meu gosto aos outros, a
não ser por perversidade neurótica, como para
atazanar minha vizinha chata. Mas esses caras tinham que entender
que o rock brasileiro é um dos melhores do mundo, que
o público de rock não é imbecil e que esse
negócio de ficar pagando geladeira, carro e puta pra
programador de rádio tem que acabar, se não são
eles que vão acabar, por impedir a sua circulação
em massa, com a música brasileira como um todo. Fazer
o quê, a música é um produto industrial,
não dá infelizmente pra ser de outra forma em
um sistema como o nosso. Mas dá, pelo menos, pra ter
dignidade e não arregar tão fácil assim.
Como
você vê a banda hoje em dia, Simone?
Simone
- Pra mim o Autoramas é um ponto de referência
importante, não só pela música mas também
pela resistência, pela força das idéias
que nos mantém de pé. Muita gente gosta pelo som,
outros pela atitude e eu acho isso muito importante. A maioria
das bandas que estão por aí não tem nada
pra dizer, não criam elos com os quais as pessoas possam
se identificar, não existe mais catarse no rock. E rock
é exatamente sobre isso, é trilha sonora pro mal-estar
na civilização.
http://www.uol.com.br/autoramas
"Nada Pode Parar os Autoramas"
- Autoramas (Monstro)
por
Marcelo Costa
13/08/2003
Em
seu terceiro álbum, o Autoramas chega a maturidade musical.
Se pensarmos que o primeiro álbum de uma banda flagra
um som sendo burilado e lembrarmos que o segundo disco do trio
foi gravado ao vivo no estúdio, só podemos perceber
a evolução do grupo em Nada Pode Parar os Autoramas,
principalmente na produção suja e segura da dupla
Marco Butcher e Junior Ribeiro. Mesmo em um canção
docinha como Música de Amor, parceria de Gabriel
com Érika Martins, os riffs sujos arrastam tudo deixando
que o sorriso invada a cara do ouvinte na chegada do refrão
pegajoso: "Eu te adoro tanto, você não imagina
quanto".
Nada
Pode Parar os Autoramas é um belo exemplar do mundo
da banda, indo de baladinhas pop de guitarras como a bacana
Resta Um, cantada por Simone, e a citada Música
de Amor, passando por canções assobiáveis
como Beleza (parceria de Gabriel com os Raimundos Canisso,
Telo e Marquinhos) até chegar em bons rocks com levada
surf (O Bom Veneno – Megalomania) ou mais punks
(a excelente dobradinha que abre o disco: Você Sabe
e Nada a Ver). Isso sem contar três faixas instrumentais
esporrentas.
A
grande sacada do disco, porém, é extra música.
Lançado pela independente Monstro Discos de Goiânia,
com distribuição nacional pela Tratore (a tal
da Cartel), Nada Pode Parar os Autoramas transforma-se
em um libelo pró rock independente. Sim, porque é
preciso culhão para abandonar a distribuição
de uma major e bancar seu próprio trabalho, ao lado de
gente que entenda e respeite suas posições, em
um ambiente novo e que se mostra em franco crescimento no Brasil,
como a cena underground brasileira. Mais do que qualquer coisa,
a banda sabe que tem um público, o respeita e preferiu
seguir seu próprio caminho a galgar as escadas tentadoras
da diluição. O resultado foi um grande disco.
Uma grande banda, porque nada pode parar os Autoramas.
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