"Acústico MTV", Engenheiros do Hawaii
por Marcelo Costa
Arte - Reprodução do Site Oficial dos Engenheiros do Hawaii

maccosta@hotmail.com
11/11/2004

Das dez bandas brasileiras que mais venderam discos no estouro do rock nacional pós 85, apenas três ainda não haviam aderido à etiqueta MTV: Engenheiros do Hawaii, Camisa de Vênus e Ultraje a Rigor. Das outras sete, algumas já se aventuraram pelos acústicos (Legião, Capital, Titãs, Paralamas) e outras pelo elétrico (RPM, Barão Vermelho). O Ira! já fez os dois. Para todos aqueles que sempre desdenharam o engenheiro Humberto Gessinger, não há como criticar sua investida no som dos violões sob o foco das câmeras da MTV em um cenário inspirado em um dos melhores acústicos de todos os tempos, o do Nirvana.

Os Engenheiros do Hawaii passaram praticamente seus 10 primeiros anos achincalhados pela crítica e amados pelo público, em um antagonismo que fala mais sobre a incapacidade dos jornalistas brasileiros da época em reconhecer as virtudes do grupo do que sobre a falta que Humberto Gessinger devia fazer no "chá das cinco" com os roqueiros do período. Ser estranho terá sempre o seu preço, e, clichê, o preço que se paga às vezes é alto demais, mas garanto que Humberto não deva lamentar a ranhetice dos escribas.

Lá pelo fim dos anos 90, com o jornalismo cultural no País em crise, os Engenheiros acabaram ficando à margem (como grande parte da música brasileira, vitimada pelos excessos de uma indústria incompetente), esquecidos até por seus detratores, mas com um público fiel na estrada, o que possibilitou ao engenheiro-mor reformular o grupo, e lançar dois bons álbuns de estúdio (Surfando Karmas & DNA em 2001 e Dançando no Campo Minado em 2003). O Acústico MTv Engenheiros do Hawaii, gravado nos dias 18 e 19 de agosto nos estúdios Locall, em São Paulo, promete colocar o grupo novamente na mídia (o disquinho já sai com 100 mil cópias da fábrica) e trazer a banda novamente ao território do "ame ou odeie".

Antes de tudo é bom lembrar que a banda já havia gravado um grande álbum acústico, em 1993. Com sua formação clássica (Augusto Licks na gaita e guitarras, Carlos Maltz na bateria e Humberto no violão e gaita), a banda gaúcha gravou em Filmes de Guerra, Canções de Amor versões lindas para canções como Alivio Imediato, Muros e Grades, Ando Só e Exército de Um Homem Só, além de mostrar excelentes faixas inéditas como Quanto Vale a Vida?, Mapas do Acaso e Realidade Virtual e recuperar preciosidades como Crônica, Além dos Outdoors e Pra Entender.

O Acústico MTv Engenheiros do Hawaii, porém, tem outro foco. Sob a etiqueta da rede de televisão, Humberto expõe seu lado mais pop e acessível, rearranjando e reconstruindo sucessos inesquecíveis do cancioneiro roqueiro nacional. Assim, O Papa é Pop abre o disco com uma boa levada folk enquanto a Infinita Highway fica mais curta, e mais sedutora com bonitos dedilhados de violão. A maioria das canções surge irreconhecível nos primeiros acordes, caso das lindas versões para Refrão de Bolero, Terra de Gigantes, amparadas por dedilhados de piano. Entre os clássicos, ainda marcam presença Somos Quem Podemos Ser e A Revolta dos Dândis, ambas em versões que nada devem as originais.

A maioria do repertório, no entanto, é de canções mais novas, do meio dos 90 para cá. O primeiro single do disco é Vida Real, anunciada pela emissora como uma faixa inédita (mas só um tolo pode querer diferenciar o Humberto Gessinger Trio dos Engenheiros do Hawaii), mas gravada no primeiro disco do projeto solo de Gessinger. Outra do mesmo disco marca presença, a boa O Preço. As faixas que mais surpreendem são as recentes. Até o Fim (de Dançando no Campo Minado) virou folk com gaita, a letra matadora de Dom Quixote ganhou arranjo de piano e cordas (também de Dançando no Campo Minado), enquanto a roqueira Surfando Karmas & DNA virou uma baladaça e Terceira do Plural ficou deliciosamente pop.

Como em todo álbum ao vivo dos Engenheiros (e esse é o quarto), boas canções inéditas marcam presença. Armas Químicas e Poemas e Outras Freqüências levam a assinatura de Humberto Gessinger, que na primeira pergunta "onde estavam as armas químicas? Qual a lógica do sistema?", em clara alusão a invasão do Iraque, enquanto a segunda parece ser um mea culpa pelo formato acústico ao abrir dizendo "seria mais fácil fazer como todo mundo faz / o caminho mais curto, produto que rende mais". A terceira inédita, Depois de Nós, traz o ex-Engenheiros Carlos Maltz cantando e assinando a música, em uma aproximação que vem sendo feita desde Surfando Karmas & DNA.

Dispensável mesmo apenas a versão de Pose, com Humberto chamando ao palco sua filha Clara para um dueto em uma das músicas mais bonitas do álbum Gessinger, Licks e Maltz (1992) e, mama mia, Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones. Engordam a versão em DVD mais duas canções: a boa Eu Que Não Amo Você e a bonita De Fé. Humberto Gessinger (voz e violão), Paulinho Galvão (violão), Fernando Aranha (violão e dobro), Bernardo Fonseca (baixo), Gláucio Ayala (bateria e vocais) e Humberto Barros (órgão e piano) não fizeram feio em um disco tendenciosamente pop, feito muito mais para o povo do que para a elite. Está longe, mas muito longe dos melhores discos dos Engenheiros do Hawaii, mas quem sabe anime Humberto Gessinger para o próximo álbum de estúdio da banda. Como a grande maioria dos acústicos MTV, deve vender muito. Tem potencial. Agora, fica a dúvida: será que a MTV um dia seduzirá o Camisa de Vênus e o Ultraje a Rigor?

Leia também:
Resenha de Surfando Karmas & DNA, por Marcelo Costa
Resenha de Dançando no Campo Minado, por Marcelo Costa
Freqüências Freqüentes, por Fábio Bianchini

Site Oficial dos Engenheiros do Hawaii