Rufus
Wainwright
por
Alexandre Petillo
Pop do Coração
O disco de Rufus Wainwright é
surpreendente. Surpreendeu quando "Poses", seu segundo disco, desembarcou
nas principais lojas brasileiras. A pergunta era uma só: afinal,
quem diabos é esse tal de Rufus Wainwright?
Bem, ninguém sabia da existência
dele por aqui e, de repente, "Poses", apareceu em quase todas as listas
de melhores de 2001, nas principais revistas. O disco não me conquistou
de imediato, parecia faltar alguma coisa (que eu não sei explicar
o quê) e a voz de Rufus em alguns momentos era muito parecida com
a de Thom Yorke. Mas acabei botando as mãos no disquinho e ouvindo
com calma, em casa, sem outros pensamentos.
"Poses" acabou me pegando. Não
é a nova revolução do rock, não traz nada de
diferente ou "original". Trata-se de um compositor de mão cheia,
capaz de lapidar boas canções pop – feitas com o coração,
sem serem descartáveis como Travis,
Coldplay,
Starsailor e adjacências.
Imerso na escuridão da alma,
perdido num labirinto de desilusões e pecados, Rufus não
tem medo de encarar os demônios e escancara o que existe de mais
sujo em suas entranhas. E tudo isso com refrões ganchudos e boas
harmonias. Rufus não tem, por exemplo, pudores em cantar calmamente
sobre o homem que partiu seu coração.
Folk, o disco parece ter sido gravado
em 1968. Pop quase-ensolarado ("California", "Grey Gardens"), baladas cortantes
("The Consort", "Evil Angel"), blues-funky ("Shadows"), perfeição
pop. Rouba a cena, a linda "One Man Guy", escrita pelo seu pai, Loudon
Wainwright III, respeitado cantor folk dos anos 60. Sua mãe, a cantora
Kate McGarrigle, cantou no último disco de Nick
Cave. Talento de família.
Em excursão pelos Estados Unidos,
Rufus Wainwright achou um tempo para ligar para o Scream & Yell e bater
um papo – bem divertido, diga-se. Confira:
Scream &
Yell: "Poses" foi um dos dez discos eleitos como melhores de 2001. Isso
te surpreendeu?
Rufus Wainwright: Um pouco. O meu
primeiro disco foi bem elogiado, fez algum barulho na mídia, mas
não foi muito além disso. Eu sabia que tinha que manter o
nível, continuar compondo boas canções, porque todos
estariam de olho, querendo saber se eu realmente era um cara talentoso
ou um mero principiante sortudo. Acredito que consegui dar um passo grande
para a minha independência, as pessoas podem me respeitar mais.
S&Y:
Como você descreveria "Poses", o disco?
RW: É um disco sobre eu ser
eu mesmo, sobre eu ter me mudado para Nova York e saindo por lá,
tocando a minha vida. Bebendo e indo a festas, sempre bebendo demais. Isso
me fez começar a pensar em alguns assuntos metafísicos, sabe,
o sentido da vida e todas essas besteiras. São coisas que emergem
do meu humor doentio.
S&Y:
O que mudou em você nesse segundo disco?
RW: Eu tive algumas mudanças,
acho que as principais foram de caráter sentimental, o que de uma
certa forma refletiu na minha música e nas minhas composições.
Não existia um personagem central, eu estava apaixonado enquanto
gravava e não tinha muito do que me queixar. Acredito que existe
um cara mais frio, uma pessoa mais calculista nesse disco – um cara que
já não acredita tanto nas relações. Não
uma pessoa insensível ou sem qualquer sentimento, mas um cara que
está crescendo e sabe que é um objeto de desejo, e que ele
também tem o seu poder.
S&Y:
Você não tem medo de se expor tanto em suas músicas?
Você fala do cara que quebrou seu coração, fala de
festas que terminam em sexo fácil, escancara sua homossexualidade.
Sabe, vivemos em tempos cínicos, você não pensa em
mascarar tudo isso na sua música?
RW: Eu não acredito nisso.
Acho que a música boa só pode ser feita se vier do coração.
Ninguém pode fazer nada de forma calculada, milimétrica.
Não na música, ela é uma arte que só pode ser
criada se você exteriorizar tudo que sente, aquilo que quebra no
seu peito, o que te incomoda. Sim, acho que o mundo é bem cínico
ultimamente. Até na música pop, por isso que está
tudo um lixo.
S&Y:
O que te incomoda na música pop?
RW: Tudo. É tudo uma variação
deturpada do que já foi bom. Cópia mal feita, cara de pau.
Mas não sei como as pessoas deixam se enganar. Eu gosto muito da
Motown, e hoje, existe uma vulgarização da black music, e
as pessoas ainda compram. É um horror.Na própria Inglaterra,
que já produziu alguns dos melhores grupos pop, hoje produz apenas
bandinhas inofensivas, de doer.
S&Y:
Qual foi o último disco que você comprou?
RW: Sigur
Ros, aquele da capa preta com o feto.
S&Y:
Gostou?
RW: Mais ou menos. Tem algumas coisas
interessantes, outras nem tanto, em alguns momentos chega a ser cansativo.
Mas acho os vídeos deles melhores do que as músicas. Acredito
que vendo e ouvindo deva funcionar melhor.
S&Y:
Deveriam lançar apenas em DVD...
RW: Exato. Você deveria vender
essa idéia para eles (risos).
S&Y:
Desde que não me fizessem assistir ou ouvir antes. Mas vamos continuar.
Você diz em "Poses", que está cantando sobre a queda de um
jovem ao fundo do poço. Esse jovem é você?
RW: (rindo) É, sou eu, confesso.
Sou eu, mas também são algumas pessoas, gente que me rodeia,
que faz parte da minha vida. Acho que essa música – e o disco em
si – é uma peça, interpretada por diversos personagens intrigantes.
E a minha voz é a estrela principal (gargalha). Muitas coisas foram
acontecendo na minha vida, e eu fui compondo sobre essas coisas a medida
em que elas foram acontecendo. Isso contribuiu para o excesso de franqueza
nas letras.
S&Y:
Por que você canta que a vida na Califórnia é uma morte
lenta?
RW: Bem, porque é (risos).
Sabe, eu adoro a Califórnia, mas é um lugar onde te sugam,
vão te matando aos poucos. Só que você não percebe
essa morte, porque tudo lá é lindo e maravilhoso. Você
acaba sendo seduzido pelo estilo de vida que a Califórnia te proporciona,
e se não se preocupar, não tomar cuidado, estará cavando
a sua ruína. Mas isso é tudo fruto da minha mente deturpada
(gargalha).
S&Y:
Você fala abertamente sobre ser gay, não te assusta tornar-se
um ícone gay?
RW: Eu sou um ícone gay! (berrando)
S&Y:
Mas isso não pode limitar a sua música? Heteros podem não
comprar mais o seu disco.
RW: Eu não acredito nisso.
A maioria da minha platéia é formada por garotinhas, muitas
delas bem bonitas, é uma pena que eu não goste delas (gargalha).
Mas honestamente acho que não exista mais uma homofobia na música
pop. k d Lang e Elton John já assumiram sua sexualidade publicamente
e todo mundo ainda os ama.
S&Y:
Como está a sua turné?
RW: Muito boa, tenho pegado platéias
excelentes. Eu amo estar na estrada. Fico triste quando vai chegando ao
fim. Ao contrário dos grandes astros do rock, gosto de fazer soundcheck,
autografar discos, morar em quartos hotéis. A minha vida sexual
é muito mais movimentada quando estou em viajando (risos).
S&Y:
A famosa vida dos rock stars.
RW: Sim, sim. Eu continuo pegando
esses garotos ditos "heteros". Eles chegam pra mim depois do show e dizem:
"olha, eu estou sentindo isso apenas agora, e eu só vou fazer isso
porque adoro a sua música". É bem fácil. Carinhas
gays são muito complicados, cheios daquela coisa "eu nunca mais
vou te ver de novo e quero um relacionamento". Existem gays que também
transam ocasionalmente, mas na maioria das vezes eles acabam ficando no
ônibus e só consigo dispensá-los em Phoenix... (gargalha).
S&Y:
Essa tem sido a sua melhor viagem?
RW: Nenhuma viagem é melhor
do que aquela localizada dentro das calças de um homem (gargalha
muito).
S&Y:
...
RW: Você não acha?
S&Y:
Nem de longe.
RW: Não sabe o que está
perdendo.
S&Y:
É que você não conhece as mulheres brasileiras.
RW: Eu já sou um caso perdido.
Tem muitos gays aí?
S&Y:
Tem, acho que como todos os lugares.
RW: Então tenho que ir pro
Brasil urgente (gargalha).
S&Y:
Podemos mudar de assunto?
RW: Ok.
S&Y:
Por que você gravou "One Man Guy", uma música do seu pai?
RW: Minha família é
muito esquisita. Ao invés de brigarmos, meus pais colocavam suas
músicas, que tivessem alguma relação com o assunto.
Então, as músicas sempre estiveram presentes. De uma maneira
estranha, nossas músicas eram como oferendas de paz. As pessoas
costumam gostar da simplicidade de "One Man Guy". Eu não queria
gravá-la, tive que me esforçar bastante. Não queria
colocá-la no disco porque sabia que ela seria a música favorita
de todo mundo – e não era minha composição.
S&Y:
Quais são as suas principais influencias musicais?
RW: Minha principal influencia é
Nina Simone. Eu admiro pessoas que conseguem tocar vários instrumentos
muito bem. Eu gosto muito de ver Nina cantando e tocando piano muito bem.
E eu também gosto muito de Cole Porter. Leonard Cohen também
é um dos meus heróis. Eu não gostava do Nirvana, mas
hoje eu adoro. Na época, toda aquela história do grunge não
me pegou, acabei passando. Mesmo assim, eu sempre gostei de Sonic Youth.
Acho que eu gostava porque estava apaixonado por um junkie viciado em heroína.
Quando eu estou namorando, acabo entrando nos gostos musicais das pessoas
S&Y:
Quais são seus objetivos de agora em diante?
RW: Quero seguir os passos de grandes
compositores, como Gershwin, Cole Porter e Burt Bacharach. América
é a terra dos compositores, é a maior arte americana e eu
quero ser um dos mestres dessa arte.
S&Y:
Planos para tocar no Brasil?
RW: Sim, só não sei
as datas. Mas eu tenho que tocar no Brasil. Fiquei sabendo que meu disco
está muito bem por aí. Quero muito conhecer o Brasil. |