Coldplay
A sensibilidade do rock 2000
por Carmela Toninelo
10/01/2001
Quem
nunca cantou no chuveiro que de um 'boot' nesta máquina
imediatamente, e esqueça que o box do banheiro foi sempre
o princípio de bons talentos. Eu me rendo à crença,
de que foi provavelmente no banheiro do dormitório da
Universidade de Londres, que Chris Martin, um inglesinho comum
de cabelos loiros encaracolados, decidiu procurar alguns amigos
acadêmicos para expandir o box. Box do banheiro, um recinto,
e um inapropriado palco para bons talentos.
Coldplay. Assim foi batizada a banda dos amigos Chris Martin,
Jonny Buckland, Will Champion e Guy Berryman, vocal, guitarra,
bateria e baixo respectivamente, outro grupo na linha art school
band (como o Blur, formado em faculdades de Belas Artes).
Com o lançamento do disco de estréia, Parachutes,
o Coldplay mostra-se pronto para obter um lugar dentre o panteão
das grandes bandas do Reino Unido. Os três primeiros EPs
dessa banda inglesa - Safety de 1998, Brothers
and Sisters e The Blue Room de 1999 - foram
muito bem recebidos na ilha cinzenta, com o sensível
e complexo arranjo rock da banda, que, conduzia a uma compreensível
comparação com Radiohead. Lógico que a
banda se livra da comparação, embora o som básico
remeta a atmosfera cinza do Reino Unido que influência,
também, o grupo de Thom Yorke, todos os escoceses e uma
lista enorme de gente que usa a música para tocar as
pessoas de um modo especial. Como? Criando melodias tristes
e mágicas e belas.
O impacto deste material inicial de estúdio foi apoiado
pela qualidade das apresentações ao vivo - em
particular, um sensacional show no Festival de Glastonbury,
em 1999, que levou a banda a ser convidada novamente para se
apresentar em 2000, onde, claro, eles roubaram o show outra
vez, tocando no meio da tarde para 10 mil pessoas. Como resultado,
há sugestões neste amplo mundo fonográfico
dizendo que o Coldplay seguirá no vácuo do sucesso
internacional do Travis. A comparação soa um tanto
reducionista. O parentesco existe, claro, mas há lugar
no mundo para essas duas bandas, sem que uma atrapalhe a outra.
Como que para apoiar estas sugestões mercadológicas,
Shiver, o primeiro single de Parachutes, foi listado
no Top 40 do Reino Unido em fevereiro de 2000, e o segundo single,
Yellow, estreou como número
quatro na Inglaterra. Revezando entre um belo violão
elétrico e o vocal delicado de Chris Martin, Yellow
deve muito a escola "Radiohead" em letras, sem aparentar ser
um grosseiro rip-off. Poeticamente, Yellow concede um
amplo olhar e uma inocente perspectiva no amor - "I
took my time, what a thing to do" -, e consequentemente
soa simples, calmo e descontraído. É a canção
perfeita para saber há quantas andas o seu coração.
Se tudo estiver ok, será uma canção perfeita
para dançar com seu par. Se as coisas estiverem ruins,
ouvi-la em compania de uma bebida poderá ser tão
doloroso quanto reconfortante. E se você está naquela
fase em que prefere ficar sozinho, Yellow é só
mais uma canção perfeita para arrancar sorrisos
e elevar a alma.
Para o vocalista Chris, Yellow é, ainda,
um pouco mais. Num show na Inglaterra, ele apresentou a canção
dizendo que os anos setenta tinham o Queen e sua Bohemian
Rhapsody; os anos oitenta tiveram Rio, do Duran Duran;
os noventa, Runaway Train do Soul Asylum, e, completando:
"Nós somos o Coldplay e essa é Yellow".
Eles sabem o que estão dizendo.
O estilo marcado pela canção segue firme no restante
do álbum. A primeira, Don't Panic, traz o vocalista
Chris, num misto de ingenuidade/sensibilidade, ecoando num vocal
duro e áspero os versos sonhadores da letra, que explode
contra gritantes refrões, os quais declaram de forma
acreditável que "we live in a beautiful world".
E é mesmo.
A faixa título é uma música popular, comum,
que gira em torno de 45 segundos e depois desaparece. Isto serve
como uma boa introdução para o difícil
gênio de High Speed, uma música que impulsiona
o conceito de rock circundante para o fim, a elevação.
Everything's Not Lost", finaliza, e cresce de uma introdução
de vocal e piano com sotaque jazz, para uma épica balada
merecedora de qualquer comparação com Radiohead
que se possa ter.
Parachutes cede uma atmosfera de domínio em sensibilidade,
traçada pela brilhante produção de Ken
Nelson (Gomez, Badly Drawn Boy). Uma inspiradora estréia,
que obviamente inspira um mundo de pessoas a cantar e a sentir
o som da banda, sob um palco real, através do aparelho
de som, ou de nossas próprias vozes, em um box de banheiro.
O Coldplay fechou o ano de 2000 em turnê pelo Reino Unido.
Janeiro é a vez da Austrália, e para fevereiro,
os garotos ingleses de pouco mais de 20 anos, decidiram apostar
na América. Dez shows nos Estados Unidos e sabe-se lá
quando no Brasil. Como consolo, a EMI lançou Parachutes
aqui. Vá testar o seu coração. Venha decorar
Yellow. O box te espera.
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The Invisible Band, Travis,
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A Rush of Blood In
The Head, Coldplay, por Marcelo Costa
Parachutes, Coldplay, por
Marcelo Costa
Marcelo é editor do Scream & Yell
Carmela Toninelo é editora da Viés
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