"Are
You Passionate?", de Neil Young
por
Carlos Eduardo Lima
O
selo grudado no plástico da embalagem do último
disco de Neil Young o aponta como "O Último Maverick Da
Canção". Algo como o último aventureiro da
canção, desbravador, enfim, o último Neil
Young da canção. E ele é... Neil Young mesmo.
Ainda sem paralelos no mundo do rock, o canadense vem mantendo
relevância e regularidade musicais como nos anos 60/70.
Are You Passionate? O homem quer saber. Mais que uma ordem,
a resposta a essa pergunta que intitula o novo disco do canadense
é uma pista do que o Young está querendo dizer.
O amor, este sentimento tão decantado, ainda vale a pena?
Ou melhor, o amor ainda existe? Você ainda liga pra ele?
Sofre por ele? Explode de alegria por ele? Pode parecer ilógico
perguntar isso, uma vez que quase todas as músicas que
são feitas pela humanidade em todos os tempos falam basicamente
de amor. Por que Young teria esta manha toda para questionar?
Simples. O homem vem de um mundo que já não existe
mais. Um tempo místico, que as pessoas imaginam que foi
exatamente como aparece em Quase
Famosos, filme de Cameron
Crowe. Este mundo, de ingenuidade e trangressão,
de doce e amargo, de Hendrix e B.J.Thomas
não confere em nada com o mundo de hoje, de Limp Bizkit
e Rick Martin. Até bem pouco tempo atrás as pessoas
realmente pareciam diferentes.
Nada
melhor que um disco de Neil Young para por as coisas em seus
lugares. Rock simples, pitadas de folk, simplicidade por todos
os poros, mostrando a tudo e todos o que é necessário
para fazer algo diferente. Não adianta meter batidas
de trance, ambiências indianas, misturar tudo com todos.
O sentimento que Neil imprime no que faz legitima sua carreira.
E ele já está na ativa desde 1968.
Eu não era nascido em 1968. Sendo um pobre mortal de
classe média brasileira, já passei por muitas
coisas; cresci, estudei, namorei, me formei, casei, mudei de
casa, de cidade, voltei. Imagine o que Neil Young, na estrada
do rock passou e viu. E, após estes anos loucos por aí,
o homem formula o questionamento mortal. Are You Passionate?
O
disco traz uma parceria interessante e matadora. A presença
de Booker T. Jones, tecladista negro do seminal Booker T. And
The MG’s participa de todas as faixas do disco. Donald "Duck"
Dunn também. Dunn foi um dos maiores baixistas do time
da gravadora Stax, rival da Motown na criação
do que se entende por soul. Esta seria mais uma mutação
na carreira de Young, ele que já foi cyberpunk (em Trans,
de 1983), bluesman (em This Not’s For You, de 1988),
countryman (em Old Ways, de 1985), folkster (em Harvest,
de 1972), rockabilly (Everybody Is Rockin, de 1984) ou
pré-grunge (em Ragged Glory, de 1989). Tantas
foram as personas encarnadas e estilos visitados que a gravadora
Geffen chegou a processá-lo na década de 1980,
acusando-o de "não ser ele mesmo". Young mandou um "fuck
off" para eles e voltou para a Reprise Records, sua gravadora
desde o início da carreira.
Young já gravou cerca de cinquenta discos, a bordo do
Buffalo Springfield, Crosby, Stills, Nash & Young, com a
maior banda de apoio do mundo, o Crazy Horse e solo. Alguns
destes trabalhos são decisivos para a compreensão
do rock sob vários aspectos. Se fôssemos falar
da carreira do homem, seria necessário uma matéria
em várias partes. Vamos nos ater apenas ao último
disco, o que já é suficiente para uma análise
detalhada. Are You Passionate já pode ser considerado
fácil fácil um dos melhores discos deste ano.
A qualidade das canções, o instrumental despojado,
que esconde a guitarra precisa e preciosa de Frank Sampedro,
companheiro de longa data do Crazy Horse e as definitivas contribuições
de Booker e Dunn são o pano de fundo para o vocal de
Young, calejado, sofrido, algumas vezes dilacerado, discorrer
sobre o amor.
É um disco conceitual sobre este estado tão falado
e sentido e até hoje mal entendido. Músicas como
Mr. Disappointment, que narra um diálogo entre
um Young despedaçado pelo amor que não deu certo
e a desilusão, representada pela guitarra de Sampedro.
Neil chega a cumprimentar a decepção, dizendo
que ela venceu novamente, mas que, essa vez pode ser a última.
Dilacerante. Em You’re My Girl, Neil derrama-se de amor
por Pegi, sua esposa, companheira de muito tempo, integrante
do atual naipe de backing vocals do homem. A banalidade assume
ares de declaração de amor sincera, simples como
água, mas talvez a única realmente a matar a sede.
Parece que Neil Young é um sujeito sério. Quando
ele faz rock, ele mostra o que vimos no Rock
In Rio III. Quando ele faz caridade, monta uma instituição
de apoio às crianças excepcionais (a Bridge School)
e arrecada fundos através de shows ao redor do mundo.
Quando, portanto, o negócio é discorrer sobre
as várias faces do amor, algo tão definitivo para
a existência humana, ele não deixaria por menos.
Mesmo num ano que assiste à volta de Elvis Costello (outra
espécie de "maverick das canções") ao rock
no soberbo When I Was Cruel; à redenção
do Wilco, no maravilhoso Yankee
Foxtrot Hotel e traz a expectativa de vários
lançamentos de gente de peso, já podemos afirmar
em maio, que Are You Passionate é, no mínimo
um dos cinco melhores discos de 2002. Simples assim.
Site
Oficial de Neil Young
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